REl - 0600470-42.2024.6.21.0100 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/07/2025 às 16:00

VOTO

O recurso é tempestivo.

Inicialmente, consigno que a preliminar de cerceamento de defesa deve ser rejeitada.

Com efeito, na inicial, o autor, ora recorrente, sequer trouxe rol de testemunhas, limitando-se a acostar áudio que menciona ser interlocutor o ora recorrido Gilberto Favretto. De resto, pretendeu transferir ao juízo o ônus probatório das supostas irregularidades nas transferências de domicílios eleitorais.

Dessa forma, não há que se falar em cerceamento de defesa.

Na questão de fundo, o sistema legislativo busca a proteção da normalidade e legitimidade do pleito, bem como o resguardo da vontade do eleitor, para que não seja alcançada pela prática nefasta do abuso.

Para tanto, a Constituição Federal, art. 14, § 9º, dispõe:

Art. 14.

[…]

§ 9.º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

 

E, para a configuração do abuso de poder, saliento que deve ser considerada, precipuamente, a gravidade da conduta, sem a necessidade da demonstração de que o resultado das urnas foi, ou poderia ser, influenciado.

É o que preconiza o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(...).

 

Nesse sentido é também a posição da doutrina, aqui representada pela lição de Rodrigo Lopez ZILIO:

O relevante, in casu, é a demonstração de que o fato teve gravidade suficiente para violar o bem jurídico que é tutelado, qual seja, a legitimidade e a normalidade das eleições. Vale dizer, é bastante claro que a gravidade como critério de aferição do abuso de poder apresenta uma característica de correlação com o pleito, ou seja, tem-se por necessário examinar o fato imputado como abuso de poder e perscrutar a sua relação com a eleição, ainda que essa análise não seja realizada sob um aspecto puramente matemático. (Manual de Direito Eleitoral. São Paulo: JusPodivm, 10ª ed. 2024, p. 756)

 

A jurisprudência do e. Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que é imprescindível a existência de prova idônea e cabal dos fatos, “não sendo suficientes meros indícios ou presunções” (TSE - AgR-REspe n. 471-54; Relator: Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, DJe de 19.9.2019; e AgR-REspe 272-38, Relator: Min. Jorge Mussi, DJe de 2.4.2018):

Eleições 2022. [...] Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE). Abuso de poderes político e econômico. Candidata ao cargo de deputado estadual. Superfaturamento em processos licitatórios. Ausência de prova robusta. [...] 2. Para fins de julgamento da AIJE, é imprescindível a prática de abusos com gravidade suficiente para malferir os bens jurídicos tutelados pelas normas eleitorais que a regulamentam, em especial a legitimidade e normalidade das eleições. Além disso, para a configuração do abuso dos poderes político e econômico, a firme jurisprudência desta Corte Superior entende que há a necessidade da existência de prova contundente, inviabilizada qualquer pretensão com respaldo em conjecturas e presunções. Precedente. [...].”

(Ac. de 19/9/2024 no AgR-RO-El n. 060165936, rel. Min. André Mendonça.)

 

Eleições 2018 [...] Abuso do poder econômico. [...] Utilização eleitoreira de programa filantrópico denominado dentistas sem fronteiras. Ausência de prova robusta. Promessa de entrega de insumos odontológicos em troca de votos. Diálogos no Whatsapp. Licitude. [...] 6.4. É tênue o liame entre as ações filantrópicas e os atendimentos gratuitos com caráter eleitoreiro, mormente quando verificado o aumento do programa em ano eleitoral. Nessa hipótese, para fins de se reconhecer eventual abuso, faz–se mister prova robusta de que os serviços altruísticos visaram vincular a imagem do postulante a cargo eletivo às ações filantrópicas, a evidenciar o viés eleitoral, sob pena de criminalizar essa importante ação social em anos eleitorais. [...] 6.6. Esta Corte Superior exige ‘provas robustas e incontestes para a procedência da AIJE por abuso do poder econômico e da representação eleitoral por captação ilícita de sufrágio, não sendo suficientes meros indícios ou presunçõe’ [...] 6.7. No caso, a conclusão do acórdão regional acerca do uso abusivo do programa Dentistas Sem Fronteiras lastreou–se no depoimento isolado da responsável legal da clínica alugada devido à expansão do programa filantrópico e na apreensão, no referido local, de cartões de visita da recorrente em que consta seu nome, foto, telefone e redes sociais. Não há nenhum outro elemento probatório que corrobore as suspeitas aduzidas pela referida testemunha, sendo certo que nenhum beneficiário dos atendimentos odontológicos foi ouvido em Juízo. 6.8. Nesse contexto, a circunstância de ter sido verificado um aumento da demanda por atendimentos odontológicos – que motivou o aluguel de um espaço maior – e o fato de a recorrente possuir patrimônio elevado não são hábeis a retirar o caráter presuntivo das declarações prestadas pela testemunha de acusação. Também ausente o quantitativo – ainda que estimado – de beneficiários dos atendimentos odontológicos realizados no âmbito do programa Dentistas sem Fronteiras, o que impossibilita aferir o grau de extensão dos supostos benefícios advindos das condutas narradas. [...] 6.10. Inexistente elementos probatórios que sustentem o cenário fático narrado na AIJE, é inviável a condenação pelo cogitado abuso do poder econômico. [...]”.

(Ac. de 14.3.2023 no RO-El nº 060173077, rel. Min. Raul Araújo.)

 

Em relação à captação ilícita de sufrágio, esta somente se aperfeiçoa quando alguma das ações típicas elencadas no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 (doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, ou, ainda, praticar violência ou grave ameaça ao eleitor), cometidas durante o período eleitoral, estiver, intrinsecamente, associada ao objetivo específico de agir do agente, consubstanciado na obtenção do voto do eleitor (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12ª ed. São Paulo: Atlas, p. 725), sendo que a ausência de qualquer um desses vetores integrativos conduz, inevitavelmente, ao juízo de improcedência da demanda (TSE, AI n. 00018668420126130282/MG, Relator Ministro Gilmar Ferreira Mendes, DJE de 02.02.2017, pp. 394-395).

Transcrevo o dispositivo legal em tela:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3º A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4º O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

Pois bem, ao exame do conteúdo probatório, a sentença concluiu pela improcedência da demanda, de modo que, a evitar desnecessária tautologia, transcrevo os fundamentos da decisão (ID 45851677) e os incorporo como razões de decidir do meu voto:

[…]

No caso, a Coligação representante alegou que os demandados cometeram atos ilícitos em violação à legislação eleitoral, apresentando os seguintes fatos: 1) transferência irregular de títulos eleitorais para a 100ª Zona Eleitoral de Tapejara; 2) crimes previstos nos arts. 289 e 290 do Código Eleitoral.

Registra-se, de início, que a condenação por ato abusivo resulta nas graves sanções de 1) declaração de inelegibilidade, pelo período de 8 (oito) anos, e de 2) cassação do mandato dos candidatos eleitos, nos termos do art. 22, XIV, da Lei Complementar nº 64/90.

Por essa razão, a jurisprudência da Corte Superior Eleitoral é pacífica no sentido de que, independentemente da espécie de abuso, “exigem–se provas robustas para comprovação do ato abusivo, rechaçando–se a condenação pelo ilícito insculpido no art. 22 da LC n° 64/90 com base em meras presunções, sob pena de se malferir a higidez do processo democrático mediante a violação das escolhas legítimas do eleitor" (AgR–AI n° 80069/SE, Rel. Min. TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, DJe de 6/2/2019; AgRREspe n° 13248/CE, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe de 3/12/2018; AgR–Respe n° 57626/SE, Rel. Min. TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, DJe de 2/882018)" AI 85368 (Rel. Min. EDSON FACHIN, DJe de 21/10/2019).

Compreende-se, portanto, que o abuso de poder político relacionado à transferência irregular de eleitores requer a intenção de influenciar indevidamente o comportamento dos eleitores, direcionando seus votos em benefício ou prejuízo de candidaturas. A simples ocorrência de transferência de eleitores, considerando as diversas formas de vínculo aceitas para a definição de domicílio eleitoral, não caracteriza prática abusiva, que exige provas de atos com potencial de desequilibrar o pleito em favor dos investigados.

O abuso de poder econômico na transferência de eleitores não pode ser presumido, sendo necessário apresentar provas sólidas, convincentes e robustas de condutas que ultrapassem a normalidade e comprometam a igualdade na disputa eleitoral. O parágrafo único do art. 42 do Código Eleitoral estabelece que domicílio eleitoral corresponde ao local de residência ou moradia do requerente. Carlos Velloso e Walber Agra confirmam que a conceituação de domicílio para fins do CE é ampla, abrangendo não apenas o aspecto da permanência física, mas também vínculos políticos, sociais, profissionais, afetivos e patrimoniais (Velloso, Carlos Mário da, S. e Walber de Moura Agra. Elementos de Direito Eleitoral, 2020).

Quanto a eventuais irregularidades na transferência de eleitores, que descumpram as condições do art. 55 do Código Eleitoral, como o prazo para solicitação (até cem dias antes das eleições), o intervalo desde a inscrição original (um ano) e o tempo mínimo de residência (três meses, comprovada por qualquer meio), essas questões devem ser analisadas em procedimento próprio, pois não se enquadram no objeto da AIJE, que, segundo Velloso e Agra, é limitada à análise de atos praticados por candidatos ou por aqueles que os tenham beneficiado de forma lesiva à normalidade e igualdade do pleito eleitoral (Elementos de Direito Eleitoral, 2020).

Assim, na ausência de provas de fatos com potencial de desequilibrar as eleições em favor dos representados, não há como prosperar a alegação de abuso de poder na transferência de eleitores. Portanto, concluo pela improcedência da ação, dada a ausência de elementos probatórios que sustentem a denúncia de fraude, uma vez que o autor não produziu nenhuma prova dos fatos alegados na inicial.

No mesmo sentido, o parecer do Ministério Público Eleitoral, que bem destacou que:

“[...]

Ante a ausência de provas, a parte interessada pretende onerar a Justiça Eleitoral, a fim de intermediar e produzir as provas para instrução do feito, tais como: listagem de transferências de domicílio eleitoral; apuração da veracidade nos comprovantes de residência anexados; ofício ao cartório de registro de imóveis e ao Ministério do Trabalho para verificação de existência de imóveis e vínculos empregatícios no Município das pessoas que transferiram seus títulos.

Tais diligências solicitadas pelo demandante evidenciam a total falta de provas para o alegado na exordial, sequer indícios foram trazidos. O pedido realizado à Justiça Eleitoral, de produção de tais provas, transfere todo o ônus à Justiça, sendo que isso é incumbência da parte autora, pois o ônus da prova cabe a quem alega. Ressalta-se que essas diligências poderiam e deveriam ter sido providenciadas e trazidas junto com a inicial pela própria parte.

 

[…]

Com efeito, verifica-se que o autor sequer diligenciou junto à Justiça Eleitoral dados referentes às transferências de eleitores nos anos de 2023 e 2024 para afirmar que realmente existiram irregularidades, inclusive, requerendo lista de eleitores que transferiram os títulos para averiguar a veracidade das informações. Pode-se afirmar, portanto, que a petição inicial foi sustentada em suposições, ilações e conjecturas.

Da prova trazida aos autos, não há qualquer comprovação de transferência de título em decorrência da referida conduta, tampouco comprovado eventual benefício aos candidatos a Vereador Gilberto Favretto e a Prefeito Juliano Favretto e/ou desequilíbrio eleitoral no pleito.

Embora os autores mencionem que os demandados estariam “trazendo eleitores” para Água Santa/RS, com emissão de comprovante de residência fictício, apenas foi apresentado um único caso com “prova” franciscana, sem menção de qualquer nome de eleitor, baseando-se a ação proposta em suposições.

Por fim, frise-se, a matéria sobre transferências de títulos é regida pela Resolução TSE 23.659/2021, em especial o capítulo III - das operações do cadastro eleitoral, e é utilizada no atendimento eleitoral em todos os cartórios do País e suas exigências são devidamente observadas por todos os servidores da 100ª Zona Eleitoral, conforme já explicitado em caso semelhante no Município de Santa Cecília do Sul.

Ainda, a fixação do domicílio eleitoral segue o art. 23 da referida Resolução, que deve se considerar além do vínculo residencial, os vínculos afetivos, familiares, profissionais, comunitários ou de outra natureza que justifiquem a escolha do Município, possibilitando uma elasticidade quanto à interpretação do domicílio.

Assim, não há adminículo de prova suficiente que comprove eventual transferência irregular de títulos de eleitores à 100ª Zona Eleitoral de Tapejara/RS, sequer elementos suficientes para uma requisição de Inquérito Policial.

[...]”

 

Quanto à alegada ocorrência dos crimes previstos nos arts. 289 e 290 do Código Eleitoral, a questão deveria ter sido encaminhada à Delegacia de Polícia Federal para a instauração de Inquérito Policial, a fim de investigar a autoria e a materialidade dos fatos, sendo esta investigação incompatível com o âmbito da AIJE, como pontuado pelo Ilustre Promotor Eleitoral.

Assim, diante da ausência de qualquer prova que sustente os fatos alegados na inicial, a solução correta e adequada é a improcedência da ação.

DISPOSITIVO

Posto isso, JULGO EXTINTO O FEITO, sem julgamento de mérito, em relação a COLIGAÇÃO ÁGUA SANTA PODE MAIS, excluindo–a do polo passivo da demanda, com fulcro no art. 485, VI, e § 3º, do Código de Processo Civil e, no mérito JULGO IMPROCEDENTE a AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL, nos termos do art. 487. inc. I do CPC.

 

Como constou na sentença, o autor, ora recorrente, pretendeu transferir o ônus probatório ao juízo a quo, requerendo na exordial (ID 45851649) que fosse certificada pelo Cartório Eleitoral a quantidade de transferências de domicilio eleitoral realizadas para a 100ª Zona Eleitoral de Tapejara/RS, nos anos de 2023 e 2024, provenientes do Município de Água Santa/RS, com informações acerca do nome, título, data de transferência e de qual Zona Eleitoral foi transferido, assim como o endereço informado e o respectivo comprovante de endereço, salientando que, a princípio, os endereços com comprovantes valendo-se de faturas de internet confirmariam a fraude aqui descrita. Postulou fosse apurada a veracidade das informações desses eleitores pelo Cartório Eleitoral, uma vez que a Justiça Eleitoral possui acesso à informação desses eleitores na Receita Federal e nos demais órgãos de acesso à informação, comparando o endereço declarado nos referidos órgãos com o endereço fornecido pela internet Sakka Telecom, com CNPJ n. 11.252.934/0001-37, a fim de comprovar a fraude na transferência de domicílio eleitoral. Solicitou que fosse oficiado o Cartório de Registro de Imóveis de Água Santa/RS, para que informasse se as pessoas listadas possuem bens imóveis no Município de Água Santa/RS e que fosse oficiado o Ministério do Trabalho para que informasse o local onde as pessoas listadas possuem vínculo de emprego.

Nessa medida, tais diligências deixam à evidência a total falta de provas dos fatos imputados, demonstrando que a petição inicial está fundada em ilações e suposições.

Ademais, além de inexistir qualquer comprovação de transferência de título irregular, tampouco há correlação com os candidatos a vereador Gilberto Favretto e a prefeito Juliano Favretto.

Com isso, deve ser mantida a sentença de improcedência.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.