REl - 0600176-44.2024.6.21.0082 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/07/2025 às 16:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos processuais, razão pela qual dele conheço.

Mérito

Como relatado, MARCELO FARIA ELLWANGER e RODRIGO FERREIRA, eleitos para o pleito majoritário em São Sepé, interpõem recurso em face de sentença de improcedência em Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) por abuso de poder político ajuizada pelos recorrentes em desfavor de JOÃO LUIZ DOS SANTOS VARGAS e FERNANDO VASCONCELLOS DE OLIVEIRA, Prefeito e Vice-Prefeito, ao tempo dos fatos.

Em apertada síntese, os recorrentes sustam que a doação ilegal de cestas básicas e outros itens de alimentação, em período eleitoral, caracteriza improbidade administrativa, abuso de poder e conduta vedada, uma vez que a prática irregular implica em vantagem em favor dos então mandatários que concorriam à reeleição, em detrimento dos demais candidatos.

À luz dos elementos que informam os autos, entretanto, como concluiu a douta Procuradoria Regional Eleitoral, não assiste razão aos recorrentes.

Não se nega que o sistema legislativo busca a proteção da normalidade e legitimidade do pleito, com vistas ao resguardo da vontade do eleitor, para não ser alcançada pela prática nefasta do abuso.

Entretanto, o critério para que se tenha por configurado o abuso de poder passa, precipuamente, pela análise da gravidade da conduta dos investigados.

É o que preconiza a lei, art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90, inciso VI:

(...)

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

(...). (Grifei.)

 

Nesse sentido, a doutrina abalizada do festejado tratadista gaúcho Rodrigo Lopez Zilio:

O relevante, in casu, é a demonstração de que o fato teve gravidade suficiente para violar o bem jurídico que é tutelado, qual seja, a legitimidade e a normalidade das eleições. Vale dizer, é bastante claro que a gravidade como critério de aferição do abuso de poder apresenta uma característica de correlação com o pleito, ou seja, tem-se por necessário examinar o fato imputado como abuso de poder e perscrutar a sua relação com a eleição, ainda que essa análise não seja realizada sob um aspecto puramente matemático. (Manual de Direito Eleitoral. São Paulo: JusPodivm, 10ª ed. 2024, p. 756). (Grifei.)

No caso, o acervo dá conta de doações de cestas básicas e outros itens, como água, à população de São Sepé, nos dias 20, 27 e 28 de agosto de 2024, nas instalações da Defesa Civil local.

Os recorridos não se fizeram presentes durante a ação, tampouco há registro de divulgação de suas candidaturas, pedido de voto ou qualquer vinculação a ente político.

As doações, ao que se depreende do processado, não tiveram cobertura ou divulgação a auferir publicidade ao ato.

Ainda, há ser ressaltado, diante dos argumentos recursais de ausência de interesse público e urgência, que o município se encontrava em situação de calamidade, motivação essa que autoriza, mesmo durante o período eleitoral, a distribuição de bens aos munícipes, nos termos do art. 73, § 10, da Lei das Eleições.

Em tal cenário, tenho que o fato não ostentou a gravidade aventada pelos recorrentes, na medida que não demonstrada irregularidade ou repercussão suficiente a macular a legitimidade da eleição. Tanto assim, aliás, que os recorrentes sagraram-se vencedores em relação aos recorridos, seus únicos adversários ao pleito majoritário em São Sepé.

Outrossim, os mesmos argumentos se prestam a afastar a prática de conduta vedada apta a macular isonomia entre os candidatos, art. 73 da Lei n. 9.504/97, porquanto não há demonstração de que as doações tiveram caráter político, tampouco que o ato se reverteu em benefício dos recorridos.

O vetor da repercussão, saliento, é utilizado em precedentes do e. Tribunal Superior Eleitoral, seara na qual se demanda a existência de prova inequívoca de fatos que tenham a dimensão bastante para desigualar a disputa eleitoral:

"Eleições 2020. [...] Inexistência de gravidade das condutas. Abuso do poder econômico e político. Não configurado. [...] 8. Na linha do que foi afirmado pela Corte de origem, não há, na espécie, prova robusta que demonstre a configuração do abuso de poder, porquanto, embora esteja comprovado nos autos que os candidatos se utilizaram da máquina pública para divulgar sua candidatura, não ficou demonstrada a repercussão das condutas (ainda que em seu conjunto) no âmbito do pleito e sua influência perante o eleitorado, para fins de albergar a configuração do abuso de poder, mediante a imposição das graves sanções de cassação de diploma e de inelegibilidade. 9. Consoante remansosa jurisprudência desta Corte Superior, não se admite reconhecer o abuso de poder com fundamento em meras presunções acerca do encadeamento dos fatos, porquanto 'a configuração do abuso de poder demanda a existência de prova inequívoca de fatos que tenham a dimensão bastante para desigualar a disputa eleitoral' [...] 11. O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que, 'para se caracterizar o abuso de poder, impõe-se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não constitui mais fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento' [...]".(Ac. de 11.5.2023 no AgR-AREspE nº 060055782, rel. Min. Sérgio Banhos.) (Grifei.)

Para arrematar, no que concerne a alegada improbidade administrativa, ausente relação direta com o pleito, "não compete à Justiça Eleitoral analisar práticas que podem consubstanciar atos de improbidade administrativa e não estão diretamente relacionadas com os pleitos eleitorais" (TSE, REspe n. 39792, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, publicado em 20.10.2015).

Em suma, ausente demonstração da prática de abuso de poder ou conduta vedada, há ser mantida a bem-lançada sentença por seus próprios fundamentos.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso para manter hígida a sentença que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral.

É o voto.