PC-PP - 0600166-86.2023.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/07/2025 às 16:00

VOTO

O Diretório Estadual do PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA – PSDB apresentou contas relativas ao exercício financeiro do ano de 2022, disciplinado pela Resolução TSE n. 23.604/19.

A Secretaria de Auditoria Interna (SAI) deste Tribunal, em exame da movimentação financeira e dos documentos acostados pela agremiação no curso do processo, identificou irregularidades remanescentes quanto ao recebimento de recurso de fontes vedadas e aplicação irregular de verbas do Fundo Partidário.

Passo à análise.

1. Dos recursos de Fonte Vedada.

Especificamente, a unidade contábil deste Tribunal verificou recebimento de contribuição oriunda de Raissa Louzada Heberle, pessoa física não filiada ao PSDB, a qual exercera função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário no exercício de 2022, em afronta à vedação prevista no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, regulamentado pelo Tribunal Superior Eleitoral na Resolução TSE n. 23.604/19, inc. IV e § 1º:

Lei n. 9.096/95:

 

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de: (…)

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

Resolução TSE n. 23.604/2019:

Das Fontes Vedadas

Art. 12. É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

IV - autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se autoridades públicas, para fins do inciso IV do caput, pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

(…)

 

A doadora, vinculada à Secretaria de Igualdade, Cidadania, Direitos Humanos e Assistência Social, ocupante do cargo Chefe de Divisão, realizou doações mensais de R$ 215,20, no período de 01.01.2022 a 31.12.2022, no total de R$ 2.582,40. A agremiação alega tratar-se de doação de filiada e, a fim de comprovar o vínculo, apresenta a ficha de filiação partidária e autorização para débito em conta-corrente, assinadas por Raissa (ID 45628614).

Ocorre que a ficha de filiação não é suficiente a comprovar o vínculo de filiação. Resta pacificado, na jurisprudência, o entendimento no sentido de que as fichas de filiação caracterizam informação de caráter unilateral, de forma que o vínculo pretendido somente é perfectibilizado por meio do registro da filiação no banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral (por exemplo, o RE n. 16-71.2019.6.21.0073, Rel. Des. Eleitoral Gustavo Diefenthäler, julgado em 21.9.2020, unânime.)

Este é, também, o posicionamento do e. Tribunal Superior Eleitoral:

 

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE. FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. PROVA. DOCUMENTO UNILATERAL. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 20/TSE. NEGATIVA DE PROVIMENTO. 1. No decisum monocrático, manteve–se acórdão unânime do TRE/SE em que se indeferiu o registro de candidatura do agravante, não eleito ao cargo de vereador de Arauá/SE em 2020, por ausência de prova de filiação partidária antes dos seis meses que antecedem o pleito (art. 9º da Lei 9.504/97). 2. Nos termos da Súmula 20/TSE, "[a] prova de filiação partidária daquele cujo nome não constou da lista de filiados de que trata o art. 19 da Lei nº 9.096/1995, pode ser realizada por outros elementos de convicção, salvo quando se tratar de documentos produzidos unilateralmente, destituídos de fé pública". 3. No caso, conforme a moldura fática do aresto a quo, o candidato apresentou "relação interna do partido, ficha de filiação e declaração firmada pelo partido", documentos, contudo, insuficientes para comprovar o tempestivo ingresso nos quadros da grei. Precedentes. 4. De outra parte, concluir a respeito da regular filiação a partir de ata notarial, cuja transcrição exata não consta da moldura fática do acórdão regional, esbarra no óbice da Súmula 24/TSE, não sendo possível o reexame fático–probatório em sede extraordinária. 5. Agravo interno a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060019096, Relator Min. Luis Felipe Salomão, DJE 30.06.2021) (Grifei.)

 

Portanto, a doadora não tem a filiação comprovada, de forma que a situação não aproveita a alteração do art. 31 da Lei 9.096/95 (produzida pela Lei n. 13.488/17), a qual prevê que as pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, podem realizar contribuições a campanhas eleitorais desde que filiadas a partido político.

Irregulares, assim, as doações realizadas pela ocupante de função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, pois não comprovada a filiação ao partido político, no total de R$2.582,40.

 

2. Da aplicação irregular de verbas do Fundo Partidário.

O órgão técnico verificou a realização de gasto efetuado com recursos do Fundo Partidário, em desacordo com o art. 36, inc. II e § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19:

 

Art. 36. Constatada a conformidade da apresentação de conteúdos e peças, nos termos do art. 29, §§ 1º e 2º, as contas devem ser submetidas à análise técnica para exame de sua regularidade, que compreende:

(…)

II - a regularidade na distribuição e na aplicação de recursos oriundos do Fundo Partidário, especificando o percentual de gastos irregulares em relação ao total de recursos;

(…)

§ 2º A regularidade de que trata o inciso II do caput abrange, além do cumprimento das normas previstas no art. 2º, a efetiva execução do serviço ou a aquisição de bens e a sua vinculação às atividades partidárias.

 

Após apresentações de documentos, a agremiação logrou esclarecer a maioria dos apontamentos (de início, no montante de R$ 733.123,82). Remanesce apenas a ausência de comprovação de vínculo entre a atividade partidária e a despesa realizada com passagem aérea disponibilizada para EDUARDO PONTES SCHMIDT, no valor de R$ 5.837,40. Tal quantia há de ser devolvida ao erário, conforme determinação do art. 58, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19.

3. Da destinação mínima de 5% do total de recursos do Fundo Partidário para criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.

O PSDB do Rio Grande do Sul recebeu R$ 2.320.211,27 do Fundo Partidário no exercício de 2022, cabendo-lhe destinar à cota de gênero, no mínimo, R$ 116.010,56 (5% do total de recursos da espécie recebidos no exercício financeiro).

Com efeito, a agremiação transferiu R$ 157.770,16 para a conta específica do Fundo Partidário Mulher. Contudo, a análise verificou que a agremiação aplicou R$ 92.959,29 do valor destinado à cota de gênero, razão pela qual o órgão de auditoria registrou no parecer conclusivo:

 

Desta forma, quanto ao saldo remanescente de R$ 23.051,27 (R$ 116.010,56 - R$ 92.959,29) mencionado no quadro acima, ressalta-se que esta Unidade Técnica da Secretaria de Auditoria Interna observará sua utilização no exercício subsequente, sendo vedada a aplicação para finalidade diversa, sob pena de acréscimo de 12,5% (doze inteiros e cinco décimos por cento) do valor previsto no inciso V do caput, a ser aplicado na mesma finalidade (artigo 44, § 5º, da Lei 9.096, de 1995).

 

Ademais, a operosa unidade técnica integrante da Secretaria deste Tribunal consignou que a grei não atendeu à determinação fixada no julgamento da Prestação de Contas Partidárias do PSDB do exercício de 2015 (0000070-67.2016.6.21.0000), no sentido de aplicar R$ 60.444,16, no exercício financeiro subsequente ao trânsito em julgado da decisão que julgar as contas, na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.

Sublinho que a referida decisão transitou em julgado em 05.8.2021, e o partido foi comunicado da decisão em 08.02.2021.

No relativo ao referido apontamento, o PSDB assim se pronuncia:

 

Em primeiro lugar, conforme documentação constante no processo 0000070-67.2016.6.21.0000, o PSDB-RS recebeu um aporte extraordinário de R$ 60.000,00 no ano de 2016 justamente para esse fim, e aplicou esse montante durante a campanha eleitoral. Naquele exercício de 2016 houve um gasto rotineiro de R$ 40.756,45, que, acrescido dos R$ 60 mil, totalizou R$ 100.756,45 efetivamente aplicados em 2016.

(…)

Portanto, a sanção foi cumprida logo no ano subsequente (2016) ao exercício financeiro então analisado (2015), de modo que não há razão para determinar novo cumprimento no exercício de 2022, sob pena de bis in idem. Em segundo lugar, em caráter subsidiário, requer-se que seja considerada a diferença de valor reservada na conta bancária do FP mulher no ano de 2022. Conforme consta no parecer preliminar, “considerando o recebimento de R$ 2.320.211,27 do Fundo Partidário pela agremiação no exercício de 2022, deveria ter sido destinado a essa finalidade, no mínimo, R$ 116.010,56 (5% do total de recursos do Fundo Partidário recebidos no exercício financeiro)”. E, “da análise do extrato bancário eletrônico da conta 348988, agência 3252, do Banco do Brasil, constatou-se que a agremiação transferiu R$ 157.770,16 para essa conta específica a tal finalidade”. Nessas circunstâncias, houve uma destinação a maior de R$ 41.759,60 no exercício de 2022, valor esse que deve ser abatido dos R$ 60.444,16 que constou na condenação. Em terceiro lugar, requer-se a aplicação do disposto no art. 22, § 9º, da Resolução 23.604/2019, segundo o qual “aos partidos políticos que não tenham utilizado os recursos destinados aos programas de promoção e difusão da participação política das mulheres ou cujos valores destinados a essa finalidade não tenham sido reconhecidos pela Justiça Eleitoral é assegurada a utilização desses valores nas eleições subsequentes, vedada a condenação pela Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas de exercícios financeiros anteriores que ainda não tenham transitado em julgado até a data de promulgação da Emenda Constitucional 117/2022”. Assim, requer-se, em caráter subsidiário, que seja determinada a aplicação do montante nas eleições subsequentes que se avizinham.

 

Ou seja, em síntese, (i) sustenta já ter cumprido a ordem em 2016; (ii) subsidiariamente, requer abatimento da quantia de R$ 60.444,16 do valor destinado a maior no exercício de 2022; e (iii) subsidiariamente, que seja determinada a aplicação do montante nas eleições subsequentes que se avizinham.

Inviável.

As ações afirmativas necessitam também de constância. Cuida-se de reparar discriminações, diferenciações históricas, que perpassam várias gerações, e que Daniel Sarmento bem define como 

 

[...] medidas públicas ou privadas, de caráter coercitivo ou não, que visam promover a igualdade substancial, através da discriminação positiva de pessoas integrantes de grupos que estejam em situação desfavorável, e que sejam vítimas de discriminação e estigma social. Elas podem ter focos diversificados, como as mulheres, os portadores de deficiência, os indígenas ou os afrodescendentes, e incidir nos campos variados, como na educação superior, no acesso a empregos privados ou cargos públicos, no reforço à representação política ou em preferências na celebração de contratos. (SARMENTO, Daniel; IKAWA, D.; PIOVESAN, F. Igualdade, direitos sociais e direitos humanos. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008).

 

Ora, qualquer interpretação restritiva de efetividade - como a lançada pela agremiação, que pretende que cumprimento de outro exercício compense a nítida carência havida no ano de 2022 - há de ser rechaçada.

Saliento que os percentuais de destinação orçamentária à participação feminina na política substanciam pisos - dito de outro modo, merece elogios a agremiação que - forma salutar - supera tais parâmetros mínimos, sem que, contudo, possa vindicar em exercícios futuros uma espécie de "compensação", o que de certa forma tornaria inócua a própria política de estímulo (por exemplo, suponha-se que valores maiores, no passado, tenham sido investidos porque à época havia um nome feminino de destaque no quadro partidário).

Há a necessidade de manutenção do apontamento e permanência de fiscalização de parte do órgão técnico deste Tribunal. 

Conclusão.

O montante das irregularidades, R$ 91.915,23 (R$ 2.582,40+R$ 5.837,40+R$ 60.444,16+R$ 23.051,27), representa 2,81% do total arrecadado pela agremiação, R$ 3.267.114,57, circunstância que permite, na linha de entendimento pacificado deste Tribunal, a construção de um juízo de aprovação com ressalvas, mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Diante do exposto, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas do Partido da Social Democracia Brasileira, exercício financeiro 2022, e determino o recolhimento, ao Tesouro Nacional, do total de R$ 8.419,80 (R$ 2.582,40 recebidos de fonte vedada e R$ 5.837,40 relativos à aplicação irregular do Fundo Partidário).