REl - 0600584-88.2024.6.21.0032 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/06/2025 00:00 a 27/06/2025 23:59

VOTO

Antonio da Rocha Vezaro, irresignado, recorre contra a sentença que desaprovou suas contas de campanha referentes a sua candidatura nas Eleições Municipais de 2024, determinando o recolhimento de R$ 2.200,00 ao Tesouro Nacional, pois caracterizado o recebimento de recursos de origem não identificada mediante o depósito em espécie dessa quantia, em 23.8.2024, identificado com o CPF do próprio candidato, na sua conta de campanha e utilizada para promoção de sua candidatura.

Em suas razões, alega a ausência de prejuízo à lisura e à transparência das contas eleitorais. Entende que os documentos apresentados demonstram a origem dos recursos. Defende estar amparado na boa-fé e pede a aplicação dos princípios de proporcionalidade e de razoabilidade para que as contas sejam aprovadas, ainda que com ressalvas, e que seja afastada a determinação de recolhimento dos recursos ao erário.

A sentença ponderou que, na hipótese dos autos, os depósitos deveriam ter sido realizados entre contas bancárias do doador e do beneficiário ou mediante cheque cruzado e nominal, na medida em que“os documentos juntados não são suficientes para comprovar a real origem dos recursos, mas tão somente a pessoa que foi até o banco realizar o depósito.”.

A Procuradoria Regional Eleitoral entende que a irregularidade representa fato grave e afeta a transparência e a legitimidade das contas.

Do exame dos autos constato que houve doações em espécie realizada 23.8.2024, no montante total de R$ 2.200,00, identificado apenas pelo CPF do próprio candidato, sem a devida transferência eletrônica entre contas bancárias ou emissão do respectivo cheque nominal e cruzado.

Conforme a precisa conclusão da sentença, para verificar a origem do recurso, é necessário conhecer o percurso da doação a partir das transferências eletrônicas, e que o depósito de dinheiro em espécie identificado por determinada pessoa física seria, por si só, incapaz de comprovar a procedência dos valores recebidos pela candidatura.

Assim, o procedimento descumpre norma expressa de contabilidade eleitoral e impacta diretamente a confiabilidade das contas.

Noto que os valores não deveriam ser utilizados no financiamento de campanha e, no caso de utilização, como na hipótese dos autos, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional na forma do disposto nos arts. 21, §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º; 32, caput; e 79, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

(...)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por uma mesma doadora ou um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação da doadora ou do doador, ser a ela ou a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificada(o) a doadora ou o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

(…)

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatas ou candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

(…)

Art. 79. A aprovação com ressalvas da prestação de contas não obsta que seja determinada a devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou a sua transferência para a conta única do Tesouro Nacional, assim como dos recursos de origem não identificada, na forma prevista nos arts. 31 e 32 desta Resolução.

(...)

A decisão merece ser mantida, pois de fato o procedimento adotado na doação contraria o arts. 21, inc. I, §§ 1º e 2º da Resolução TSE n. 23.607/19, que estabelece o limite de R$ 1.064,10 para doações bancárias sucessivas em espécie, realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

Tal exigência normativa visa assegurar a rastreabilidade dos recursos (origem e destino) recebidos pelos candidatos, o que resta comprometido quando a operação é realizada por meio diverso, como procedeu o recorrente.

Nesse cenário, ainda que os comprovantes de depósitos indiquem o CPF do doador, o candidato, há irregularidade porque houve superação do limite de recebimento de doação em dinheiro, a qual inviabiliza o rastreamento. O depósito de R$ 2.200,00 realizado em espécie descumpre objetivamente a proibição de captação de recursos nessa modalidade, estando correta a conclusão do juízo a quo no sentido de que os valores não estão com a origem devidamente identificada, o que conduz ao recolhimento ao erário, na forma prevista no caput do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ressalto que o egrégio Tribunal Superior Eleitoral entende que a obrigação de as doações acima de R$ 1.064,10 serem realizadas mediante transferência bancária não se constitui em mera exigência formal. O descumprimento da regra enseja, em tese, a desaprovação das contas, consoante precedente a seguir colacionado:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO. DEPÓSITO BANCÁRIO. EM ESPÉCIE. VALOR SUPERIOR A R$ 1.064,10. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. EXIGÊNCIA. ART. 18, § 1º DA RES. TSE Nº 23.463/2015. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO.

(...)

2. Nas razões do regimental, o Parquet argumenta que não foi observado o art. 18, § 1º, da Res.-TSE nº 23.463/2015, segundo o qual "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação". 3. A Corte Regional, soberana na análise dos fatos e provas, atestou a identificação da doadora do valor apontado como irregular por meio do número do CPF impresso no extrato eletrônico da conta de campanha.

4. Consoante decidido nesta sessão, no julgamento do AgR-REspe nº 265-35/RO, a maioria deste Tribunal assentou que a exigência de que as doações acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) sejam feitas mediante transferência eletrônica não é meramente formal e o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas.

(...)

7. Agravo regimental acolhido para dar provimento ao recurso especial, com determinação de recolhimento ao erário do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

(Recurso Especial Eleitoral n. 0000529-02.2016.6.08.0010, Relator Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE, Tomo 250, Data: 19.12.2018, pp. 92-93.) (Grifei.)

O raciocínio é o de que o descumprimento da exigência de realização de transferência bancária ou de emissão cheque nominal cruzado não fica suprido pela realização de depósito em espécie, ainda que identificado por determinada pessoa, circunstância que não se mostra apta para comprovar a efetiva origem do valor devido à ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário.

Na hipótese em tela, inexiste comprovação adicional mínima sobre a origem dos recursos ou por qual motivo não foram realizados depósitos por transferências bancárias de modo conjunto, impossibilitando que a falha seja relevada.

Não se trata de irregularidade meramente formal, nem de análise da boa ou má-fé dos prestadores, ou de hipótese de malversação, desvio de recursos ou de locupletamento indevido, mas de manifesto e injustificável descumprimento de norma eleitoral aplicável a todos os candidatos.

A propósito, a decisão está em sintonia com a jurisprudência pacífica deste Tribunal no sentido de vedar depósitos de dinheiro em espécie, ainda que identificado o CPF do doador, quando realizados depósitos superam o limite de até R$ 1.064,10 para doações permitidas nessa modalidade:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. BAIXO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

2. Recurso de origem não identificada. Realização de três depósitos sucessivos em espécie, na mesma data, identificados com o número do CPF do próprio candidato. Matéria disciplinada nos arts. 21 e 32 da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese, o montante do aporte superou objetivamente o limite de R$ 1.064,10 permitido por lei para depósitos em espécie, e a doação deveria ter observado a exigência de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal. Ademais, o depósito identificado, em situações como a dos autos, é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato financeiro. Caracterizado o recebimento de recursos de origem não identificada, impondo o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

3. A irregularidade representa 1,88% do total das receitas declaradas na campanha, sendo adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas com ressalvas, na linha do que vem decidindo este Tribunal Regional e o Tribunal Superior Eleitoral.

4. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS, PCE nº 0602178-10.2022.6.21.0000, Relator Desembargador Voltaire De Lima Moraes, Publicação: DJE 23/10/2023).

Assim, permanece a irregularidade, sendo inviável acolher o pedido de aprovação das contas.

As falhas totalizam o valor de R$ 2.200,00 e representam 40,56% das receitas declaradas (R$ 5.423,00), percentual superior a 10% do total de recursos arrecadados e além do valor nominal de R$ 1.064,10, razão pela qual é acertada a desaprovação consoante o sedimentando critério jurisprudencial de aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para formação de juízo de reprovação das contas. De acordo com a jurisprudência: “Em prestação de contas cuja irregularidade envolver valores reduzidos, inferiores a R$ 1.064,10 ou a 10% da arrecadação, é admitida a aprovação com ressalvas, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.” (TRE/RS, REl n. 0600724-60.2024.6.21.0085, Relator Desembargador Eleitoral Nilton Tavares da Silva, DJE, 13.02.2025).

Com essas considerações, em linha com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, concluo que o recurso merece ser desprovido porque a manutenção do juízo de desaprovação das contas e da determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional é medida que se impõe.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.