REl - 0600246-20.2024.6.21.0128 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/06/2025 00:00 a 27/06/2025 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento. 

No mérito, a controvérsia concentra-se na responsabilização do recorrente pela prática de propaganda eleitoral negativa em ambiente digital, valendo-se do anonimato, por meio do perfil intitulado “Véio do Mato” criado na rede social Facebook. A irregularidade apontada refere-se à veiculação de conteúdo crítico à candidatura adversária, mas realizado sem a identificação do responsável, o que infringe diretamente a vedação ao anonimato prevista no art. 57-D da Lei n. 9.504/97:

 

Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3 o do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica. 

[…]. 

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais). 

 

A decisão de primeiro grau, amparada em informações requisitadas a provedores de internet e operadoras de telefonia, reconheceu a prática de propaganda eleitoral irregular, com base na violação à vedação do anonimato prevista no art. 57-D da Lei n. 9.504/97, aplicando ao representado a sanção de multa no valor de R$ 5.000,00 e determinando a exclusão do conteúdo (ID 45887343). 

Conforme demonstram as reproduções das postagens trazidas com a petição inicial (ID 45887190, fls. 5-8), o perfil anônimo produzia a narrativa de que o candidato Rogério Azeredo França, na época em que atuou como Secretário Municipal de Saúde, teria se envolvido na aquisição de fórmula infantil para lactantes acima do preço de mercado. 

Em suas discussões com outros usuários, o perfil “Véio do Mato” chama o fato relatado como “cambalacho” e sustenta possuir a “nota do leite” (“Querem que eu poste a nota fiscal aqui? (...). Vou mostra a nota do leite”), embora nenhuma prova tenha sido apresentada. Igualmente, sugere que as supostas fraudes também envolveram medicamentos, dizendo: “Olha que tem dos medicamentos também. Posso mostrar. Mas vou deixar pra fazer isso mais pra frente”, mas não demonstra os elementos que dão suporte às suas afirmações. 

Além disso, a própria utilização dolosa do anonimato para a disseminação de propaganda ofensiva ao candidato foi admitida após provocação de usuária que pergunta: “queria saber o pq se esconde atrás de um perfil falso, (...)”, sendo respondida pelo “Véio do Mato”: “justamente por saber quem está do outro lado. (...)”. 

Nesse contexto, com acerto, a sentença de primeiro grau consignou que as postagens configuram “divulgação de ofensas pessoais” e “disseminação de notícias falsas com fins eleitorais”, por meio de perfil anônimo, sendo o responsável passível de multa. 

Em relação à autoria do ilícito, embora o recorrente sustente a ausência de provas diretas que vinculem ao perfil anônimo, verifica-se que a imputação não se apoia em um elemento isolado, mas em um conjunto coerente de dados técnicos reunidos por meio de ordens judiciais aos provedores de aplicações na internet. 

O número de telefone que, de forma mais recorrente, acessou o perfil “Véio do Mato” estava registrado em nome do recorrente, conforme informado pela operadora Vivo em resposta à requisição judicial constante nos autos (ID 45887298). 

Paralelamente, os dados fornecidos pela COPREL (ID 45887288) apontam que a rede de internet utilizada para boa parte dos acessos está vinculada a imóvel situado na Rua Castro Alves, endereço que coincide com aquele indicado na procuração firmada pelo recorrente (ID 45887332). 

Além disso, foi identificado, no decorrer da instrução, um endereço de e-mail vinculado à conta utilizada para acesso ao perfil, especificamente, vrcanevese@hotmail.com, cujo conteúdo nominativo sugere relação direta com o sobrenome do representado, conforme relatório constante no ID 45887213. 

Outro fator de relevo é o fato de que os acessos ocorreram de forma reiterada, em horários compatíveis com as publicações veiculadas no perfil anônimo, como se observa, por exemplo, no acesso realizado em 26.9.2024 às 22:27:10, registrado pela operadora Vivo (ID 45887298), em intervalo próximo à postagem destacada na petição inicial (ID 45887190, pág. 4). 

De igual modo, os registros de acesso, constantes do relatório da COPREL (ID 45887288), indicam utilização da rede vinculada à genitora do recorrente também em datas e horários compatíveis com as publicações destacadas na petição inicial, como evidenciado nos registros técnicos constantes do relatório. Além disso, não há nos autos registro de movimentações semelhantes por outros usuários que permitam depositar dúvida sobre a vinculação estabelecida. 

De seu turno, a defesa limitou-se à negação genérica dos fatos. Não foram apresentadas explicações alternativas razoáveis para a frequência, volume e constância dos acessos detectados, nem tampouco se promoveu qualquer impugnação técnica dos relatórios obtidos das operadoras. 

Essa reunião de elementos e a precisão das informações prestadas pelas operadoras de internet, afasta a dúvida razoável quanto à autoria do conteúdo, conferindo segurança suficiente à conclusão do juízo de origem. 

A jurisprudência eleitoral tem admitido a responsabilização pela prática de propaganda anônima com base em elementos técnicos de natureza indiciária, desde que tais elementos apresentem coerência, convergência e não sejam infirmados por versões alternativas plausíveis. 

Em casos análogos, como os julgados pelo TRE de Minas Gerais (RE n. 0600506-27.2020.6.13.0010, Rel. Des. Octavio Augusto de Nigris Boccalini, j. 21.10.2022) e pelo TRE do Paraná (RE n. 0600074-14.2024.6.16.0162, Rel. Des. José Rodrigo Sade, j. 23.10.2024), reconheceu-se a suficiência de dados como IP, titularidade de linha e localização do acesso para fins de atribuição da autoria, especialmente quando a defesa se limita à negativa genérica e não impugna tecnicamente os dados colhidos. 

Assim, uma vez demonstradas a autoria e a infração ao art. 57-D da Lei n. 9.504/97, impõe-se a sanção ao responsável pela veiculação de propaganda eleitoral negativa de forma anônima, conforme previsto no § 2º do referido dispositivo legal. 

No caso concreto, a multa foi fixada em R$ 5.000,00 pelo juízo de origem, patamar mínimo legal, não havendo espaço para qualquer modificação em recurso exclusivo da parte sancionada. 

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.