REl - 0600268-05.2020.6.21.0036 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/05/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é regular e tempestivo, comportando conhecimento.

Nesse sentido, esclareço que estou superando a preliminar de não conhecimento do recurso, suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral, com base na inobservância do princípio da dialeticidade, por não ter o RECORRENTE impugnado especificamente os fundamentos da sentença, conforme exigem o art. 932, inc. III, do CPC e o Enunciado da Súmula n. 26 do Tribunal Superior Eleitoral.

De fato, as razões recursais referem que o magistrado de piso desaprovou as contas de campanha, reproduzindo ementa de acórdão prolatado pelo TRE do Distrito Federal, que embasaria o pedido de aprovação com ressalvas, resultado, porém, já alcançado pelo RECORRENTE com o julgamento de primeiro grau. Ainda, reportam-se à Resolução TSE n. 23.463/15, que regulamentou a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e os processos de prestação de contas nas eleições de 2016.

Por outro lado, o RECORRENTE também formulou pedido expresso de reforma da sentença para que as contas sejam aprovadas sem qualquer ressalva, sob o argumento de que a análise dos documentos juntados durante a instrução processual, associada à aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, permitiriam concluir que inexistem impropriedades que comprometam a regularidade da movimentação de recursos durante a campanha.

A pretensão deduzida pela parte, ainda que inserida em um contexto argumentativo mais amplo dissociado das razões de decidir adotadas na sentença, atende minimamente ao requisito da dialeticidade, bem como demonstra o interesse recursal na alteração do resultado do julgamento, viabilizando o conhecimento do recurso.

Superada essa questão prefacial, adentro no exame do mérito.

 

Mérito

De acordo com o relatório de exame das contas (ID 24158383), foram identificados, por meio de notas fiscais constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, dois gastos contraídos junto ao Facebook Serviços Online do Brasil LTDA., no total de R$ 40,00, os quais não foram declarados nos demonstrativos de despesas pagas, tampouco localizados nos extratos bancários da conta-corrente específica da campanha, disciplinada no art. 8º da Resolução TSE n. 23.607/19.

Além disso, o gasto contratado junto à fornecedora DLocal Brasil Pagamentos LTDA., lançado no demonstrativo de despesas eleitorais, no valor de 40,00, não teve o seu pagamento detectado nos extratos da conta-corrente, divergência que, da mesma forma, caracteriza o ingresso de receitas sem identificação de origem, obstaculizando a fiscalização das verdadeiras fontes de financiamento da campanha.

Logo, ausente qualquer esclarecimento por parte do RECORRENTE quanto a essas falhas, os valores envolvidos, que totalizam R$ 80,00, caracterizam o uso de recursos de origem desconhecida que devem ser obrigatoriamente transferidos ao Tesouro Nacional, consoante dispõem o art. 14, caput, c/c o art. 32, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 14. O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º).

(...)

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

(…)

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

(…).

 

No que concerne à utilização de recursos próprios, o RECORRENTE destinou à sua campanha a importância de R$ 1.388,00, extrapolando, em R$ 157,23, o limite de gastos admitido pela legislação eleitoral, que, no município, correspondia a 10% de R$ 12.307,75 (teto informado pelo Tribunal Superior Eleitoral, no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, com base nas eleições de 2016).

Por consequência, o RECORRENTE sujeita-se ao pagamento da penalidade de multa de até 100% da quantia em excesso, consoante prevê o art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).
§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).
(...)
§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990  (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

 

Nessa linha, o magistrado de primeiro grau fixou a penalidade de multa em R$ 157,53, correspondente a 100% da quantia utilizada de forma excessiva. O arbitramento judicial não merece reparos, tendo em conta a modicidade do seu valor nominal e a necessidade de preservação do caráter sancionatório e pedagógico da multa em face da gravidade da transgressão cometida.

Entendo, outrossim, por não acolher a pretensão recursal de aprovação da contabilidade sem ressalvas, uma vez que a formação desse juízo somente é possível ao órgão julgador nas hipóteses em que se verifica perfeita adequação dos registros contábeis à normativa eleitoral, nos termos preconizados pelo art. 74, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, o que não se observa no caso dos autos.

Logo, diante do fato de que o conjunto das irregularidades constatadas perfaz o valor de R$ 237,23 (R$ 80,00 + R$ 157,23), atingindo 9,63% do total dos recursos auferidos durante a campanha (R$ 2.463,00), justifica-se seja mantido o juízo de aprovação das contas com ressalvas, por força da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e da inexistência de indícios de má-fé do prestador, forte no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nesse sentido, a orientação consolidada na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e deste Regional, como extraio da seguinte ementa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. DOAÇÃO EM ESPÉCIE. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE LEGAL. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. VALOR ABSOLUTO INEXPRESSIVO. BOA-FÉ. PREJUÍZO AUSENTE. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RECOLHIMENTO DE VALOR AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente podem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. Depósito em espécie realizado diretamente na conta de campanha, acima do limite legal, em desobediência ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Inexistência de elementos comprobatórios que evidenciem a autoria da doação O valor da irregularidade, no entanto, abrange apenas 10,76% do somatório de recursos arrecadados. Falha de valor absoluto inexpressivo, com evidências nos autos da boa-fé do prestador e da ausência de prejuízo à confiabilidade das contas. Adoção do entendimento do Tribunal Superior Eleitoral e deste Regional pela aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Irregularidade que enseja somente ressalvas na escrituração. Reforma da sentença para aprovar com ressalvas as contas. Manutenção do comando de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional. Parcial provimento.
(TRE-RS - RE: 13287 CAXIAS DO SUL - RS, Relator: DR. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Data de Julgamento: 06/11/2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 200, Data: 08.11.2017, Página 12.) (Grifei.)

 

Registro, em desfecho, que o julgamento pela aprovação das contas com ressalvas não afasta a imposição legal de transferência dos valores de origem não identificada ao Tesouro Nacional (art. 79, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19), tampouco a obrigatoriedade do recolhimento da pena de multa arbitrada ao RECORRENTE.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto por LUIZ ALBERTO GUTERRES NUNES, mantendo a sentença que aprovou com ressalvas as suas contas relativas ao pleito de 2020, determinando-lhe o recolhimento da quantia de R$ 80,00 (oitenta reais), derivada de recursos de origem não identificada, assim como da penalidade de multa no valor de R$ 157,53 (cento e cinquenta e sete reais e cinquenta e três centavos) ao Tesouro Nacional, com fundamento nos arts. 27, §§ 1º e 4º, 32, caput, e 74, inc. II, todos da Resolução TSE n. 23.607/19.

É como voto, senhor Presidente.