REl - 0600315-52.2020.6.21.0044 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/05/2021 às 14:00

VOTO

Da admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Da preliminar de ofensa ao devido processo legal

Os recorrentes afirmam que entre a data da conclusão dos autos ao Juízo e a data da sentença transcorreram 12 dias, ultrapassando o prazo legal.

Asseveram que “não basta que a sentença proferida após os prazos prescritos seja publicada em Cartório, sendo imprescindível a intimação das partes e passando o prazo recursal a fluir somente daí”.

Concluem ao argumento de que, “considerando que o rito processual deixou de ser adequadamente aplicado pelo juízo a quo, o retorno dos autos à origem é medida que se impõe, sob pena de ofensa ao princípio constitucional do devido processo legal”.

Depreende-se, da leitura da peça recursal, que estaria sendo alegada nulidade da intimação dos recorrentes quanto à sentença.

Não procede a alegação.

A intimação foi realizada na forma preconizada pelas normas de regência, ou seja, pelo mural eletrônico, em 07.11.2020, nos termos do art. 12 da Resolução TSE n. 23.608/19.

Ademais, nenhum prejuízo concreto foi demonstrado, o que, por si só, já impediria a declaração de qualquer nulidade, nos termos do art. 219 do Código Eleitoral.

Da preliminar de nulidade da sentença

Alegam os recorrentes que a sentença seria eivada de nulidade por não decidir dentro dos limites em que fora proposta a representação.

Aduzem que, “em que pese o pleito do recorrido girar em torno de outdoor (art. 39, §8º, Lei nº 9.504/97) em via pública, leia-se bem de uso comum (art. 37, caput, da Lei nº 9.504/97), a sentença, sem motivo aparente, condenou os recorrentes por propaganda irregular em bem particular (art. 37, §2º)!”.

Igualmente, improcede a alegação, pois o magistrado examina os fatos imputados na exordial, não ficando adstrito à capitulação atribuída pelo representante, na forma da Súmula TSE n. 62: "Os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor".

Nesse sentido, trago à colação ementa de acórdão do TSE:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ELEIÇÕES 2014. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL NA INTERNET. RESPONSABILIDADE. PESSOA JURÍDICA E COLIGAÇÃO. MULTA. INCIDÊNCIA. ARTS. 57-C E 57-H DA LEI N° 9.504/97. OMISSÃO. CONTRADIÇÃO. AUSÊNCIA. REJEIÇÃO.

1. Nas ações eleitorais é irrelevante a capitulação jurídica dada pelas partes aos fatos constantes da inicial, pois cabe ao juiz realizar a referida subsunção, ante a prevalência do princípio da ratio petendi substancial.

2. A realização de propaganda eleitoral paralela na internet por empresa privada, com o assentimento da Coligação, a quem atribuída a autoria da publicidade, configura, a um só tempo, os ilícitos dos arts. 57-C e 57-H da Lei nº 9.504/97.

3. No período em que o domínio permaneceu registrado em nome da pessoa jurídica, a ela deve ser imputada a realização da propaganda eleitoral, não havendo se falar, no contexto dos autos, em mera irregularidade por ausência de comunicação à Justiça Eleitoral do endereço oficial do partido.

4. Embargos de declaração rejeitados.

(TSE, Embargos de Declaração em Representação n. 1287-04.2014.6.00.0000/DF, Acórdão de 27.8.2015, Relator Min. Dias Toffoli, Publicação:DJE -Diário de Justiça Eletrônico, Data: 27.10.2015.) (Grifei.)

 

Desse modo, não há que se falar em nulidade a ser declarada, impondo-se a rejeição da preliminar.

Mérito

No mérito, cuida-se de representação por propaganda irregular consistente na afixação, em motocicleta, de placa contendo o nome dos candidatos representados, ora recorrentes, e o número pelo qual concorrem, além da inscrição “peço seu apoio”, consoante se constata da imagem abaixo:

A magistrada de piso julgou procedente a representação, aplicando aos representados multa no valor de R$ 2.000,00, ao entendimento de que ocorrera infringência ao art. 37, § 2º, inc. II, da Lei n. 9.504/97, pois o adesivo plástico, de 0,49 m², deveria estar fixado no próprio veículo, sendo vedada a utilização de placa.

De fato, o artefato publicitário em questão, ainda nos limites da dimensão máxima legalmente admitida de meio metro quadrado, não representa mero adesivo plástico posto no corpo do bem particular, mas verdadeira placa móvel engenhosamente afixada sobre a motocicleta, infringindo, dessa maneira, o disposto no art. 20, inc. II e § 3º, da Resolução TSE n. 23.610/19:

Art. 20. Não é permitida a veiculação de material de propaganda eleitoral em bens públicos ou particulares, exceto de (Lei nº 9.504/1997, art. 37, § 2º):

I – bandeiras ao longo de vias públicas, desde que móveis e que não dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos;

II – adesivo plástico em automóveis, caminhões, bicicletas, motocicletas e janelas residenciais, desde que não exceda a 0,5m2 (meio metro quadrado).

§ 1º A justaposição de propaganda cuja dimensão exceda a 0,5m² (meio metro quadrado) caracteriza publicidade irregular, em razão do efeito visual único, ainda que se tenha respeitado, individualmente, o limite previsto no inciso II deste artigo.

§ 2º A veiculação de propaganda eleitoral em bens particulares deve ser espontânea e gratuita, sendo vedado qualquer tipo de pagamento em troca de espaço para essa finalidade (Lei nº 9.504/1997, art. 37, § 8º).

§ 3º É proibido colar propaganda eleitoral em veículos, exceto adesivos micro-perfurados até a extensão total do para-brisa traseiro e, em outras posições, adesivos que não excedam a 0,5m² (meio metro quadrado), observado o disposto no § 1º deste artigo (Lei n° 9.504/1997, art. 37, § 2º, II; e art. 38, § 4º).

§ 4º Na hipótese do § 3º deste artigo, não é aplicável, em relação ao para-brisa traseiro, o limite máximo estabelecido no inciso II.

 

De qualquer sorte, ainda que irregular a propaganda, tal circunstância não teria o condão de sustentar a imposição de multa, pois a vigente redação do § 2º do art. 37 da Lei das Eleições, dada pela Lei n. 13.488/17, excluiu a possibilidade de aplicação da multa prevista no § 1º ao infrator.

Nesse sentido, trago à colação precedente do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EM BEM PARTICULAR. ARTEFATO COM EFEITO DE PLACA. IRREGULARIDADE RECONHECIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. PRETENSÃO DE REEXAME NO TOCANTE AO PONTO. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DO ENUNCIADO DA SÚMULA Nº 24 DO TSE. ALEGAÇÃO DE DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL QUANTO À MULTA APLICADA. CARACTERIZAÇÃO. ALTERAÇÃO POSTERIOR DO § 2º DO ART. 37 DA LEI Nº 9.504/97, QUE EXCLUIU A POSSIBILIDADE DE SANÇÃO PECUNIÁRIA EM CASO DE PROPAGANDA IRREGULAR EM BENS PARTICULARES. HIPÓTESE DE NORMA IMPERFECTAE. CONHECIDO O RECURSO PELA DIVERGÊNCIA E PROVIDO EM PARTE, TÃO SOMENTE PARA AFASTAR A MULTA APLICADA AO RECORRENTE.

1. Recurso especial interposto por Arnaldo Borgo Filho, então candidato ao cargo de deputado estadual em 2018, de acórdão do TRE/ES que, em âmbito de representação por propaganda eleitoral irregular, negou provimento a recurso para manter a decisão que condenou o recorrente, com base no art. 37, § 1º, da Lei nº 9.504/1997, ao pagamento de multa.

2. Das razões apresentadas pelo voto condutor do aresto recorrido, observa–se que a conclusão da Corte de origem – de que a ilicitude da propaganda decorreu da produção do efeito de placa, não mais permitido pelo art. 37, § 2º, da Lei nº 9.504/1997 – está ancorada nas provas dos autos. Nesse contexto, é inviável, no âmbito do recurso especial, reexaminá–la para averiguar a possível utilização de artefato permitido, confeccionado em papel rígido. Incidência do Enunciado Sumular nº 24 do TSE.

3. A nova redação do § 2º do art. 37 da Lei nº 9.504/97, dada pela Lei nº 13.488/2017, não mais faz referência à possibilidade de se aplicar, com base no § 1º do mesmo dispositivo legal, sanção pecuniária em caso de propaganda irregular em bens particulares.

4. Hipótese de superveniente ausência de substrato normativo para a aplicação do Enunciado Sumular nº 48 do TSE ("A retirada da propaganda irregular, quando realizada em bem particular, não é capaz de elidir a multa prevista no art. 37, § 1º, da Lei nº 9.504/1997"), cuja edição ocorreu quando o § 2º do art. 37 remetia às penalidades do § 1º do citado dispositivo legal, o que não mais ocorre.

5. Conhecido o recurso especial pela divergência e provido em parte, tão somente para afastar a multa aplicada ao recorrente.

(TSE, REspEl - Recurso Especial Eleitoral n. 060182047 - VITÓRIA – ES, Acórdão de 06.6.2019, Relator Min. Og Fernandes, Publicação:DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 215, Data: 26.10.2020.) (Grifei.)

 

Assim, atualmente, na hipótese de propaganda irregular em bens particulares, a Justiça Eleitoral, em sede de representação, pode determinar a retirada da propaganda, sob pena da imposição de astreintes ou, até mesmo, da imputação de crime de desobediência, não havendo espaço para a aplicação de sanção pecuniária.

O escólio de Rodrigo López Zilio converge para tal compreensão:

Por fim, a aplicação da multa por propaganda irregular em bens particulares era prevista na parte final do §2º do art. 37 da LE (em sua redação originária). Assim, no caso da propaganda irregular em bens particulares (ao contrário dos bens públicos – nos quais somente há aplicação da pena pecuniária em caso de não recomposição do status quo ante), o infrator ficava sujeito a uma sanção dúplice: retirada da propaganda e multa. Essa matéria foi, até mesmo, sumulada pelo TSE (Súmula n. 48. A retirada da propaganda irregular, quando realizada em bem particular, não é capaz de elidir a multa prevista no art. 37, § 1º, da Lei n. 9.504/97). Essa multa deveria ser aplicada inclusive no caso de propaganda em bens particulares sem o consentimento do proprietário ou possuidor, na medida em que o próprio §2º estabelecia a aplicação das penalidades do §1º sempre que essa propaganda “contrarie a legislação eleitoral” (portanto, também o §8º). Contudo, a Lei n. 13.488/2017 deu nova redação ao §2º do art. 37 da LE e não mais prevê sanção pecuniária em caso de propaganda irregular em bens particulares. Esse dispositivo traz apenas uma regra de proibição. Nesse sentido, aliás, decidiu o TSE, ao afastar a aplicação da multa por propaganda irregular em bens particulares (REspe n. 060182047/ES – j. 06.06.2019). Desse modo, havendo inobservância na veiculação de propaganda em bens particulares e tendo em vista a ausência de previsão permitindo a aplicação de sanção pecuniária, é possível um pedido de cessação da conduta irregular, sob pena de fixação de astreintes ou crime de desobediência (art. 347 do CE).

(ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 7. ed. rev. ampl. atual. Salvador: Jus Podivm, 2020, p. 430-431 – grifos acrescidos.)

 

Dessa forma, na esteira do parecer ministerial, o recurso merece ser parcialmente provido, a fim de arredar a multa imposta na sentença.

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, a fim de afastar a multa aplicada na sentença, por ausência de previsão legal.