REl - 0600043-79.2020.6.21.0037 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/05/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

1. Admissibilidade Recursal

O recurso é regular e tempestivo, de forma que comporta conhecimento.

2. Matéria Preliminar

Inicialmente, a preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral para o julgamento da presente demanda carece de embasamento legal, porquanto, segundo a dicção expressa do art. 96, caput, inc. I e § 4º, da Lei n. 9.504/97, em texto reproduzido pelo art. 2º, caput e inc. I, e art. 22 da Resolução TSE n. 23.608/19, as representações, as reclamações e os pedidos de direito de resposta nas eleições municipais devem ser dirigidos e julgados pelos juízes eleitorais de primeiro grau, competindo aos Tribunais Regionais Eleitorais a apreciação dos eventuais recursos interpostos contra as suas decisões.

A normativa constante do art. 96, caput, da Lei Eleitoral e do art. 2º, caput, da Resolução TSE n. 23.608/19 também evidencia a legitimidade de candidatos, partidos políticos e coligações para a propositura das ações acima referidas, sempre que estiverem diretamente envolvidos no processo eleitoral para obter a tutela de interesses e direitos atinentes ao certame, inclusive no período da pré-campanha, desde que respeitados os limites da circunscrição do pleito e as regras relativas à atuação partidária de forma isolada ou coligada perante esta Especializada.

Esta é a reiterada orientação deste Regional, como colho da ementa do seguinte aresto:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO COM PEDIDO DE RETRATAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. PRELIMINARES AFASTADAS. RITO DO ART. 96, CAPUT, DA LEI N. 9.504/97. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO DE RETRATAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. DIREITO DE RESPOSTA. INCOMPATIBILIDADE DE PROCEDIMENTOS. RITO PRÓPRIO. REPRESENTAÇÃO IMPROCEDENTE. RECURSO PROVIDO. 1. Recurso contra sentença que julgou procedente a representação, para determinar a retratação referente à propaganda veiculada como uma #Nota de Repúdio# nas redes sociais Facebook e Instagram, e replicada na imprensa escrita, em face de mensagem realizada em grupo do Whatsapp. 2. Matéria preliminar rejeitada. 2.1. O art. 96, caput, da Lei n. 9.504/97 confere legitimidade ativa a “qualquer partido político, coligação ou candidato” que se considere atingido por propaganda eleitoral irregular veiculada por terceiro, condição suficiente para se reconhecer, in status assertionis, a legitimidade ativa do representante. 2.2. Caracterizada a legitimidade passiva dos ora recorrentes, pois a aptidão da publicação por eles realizada para agredir a honra dos representados é questão pertinente ao mérito da demanda. 2.3. A pouca repercussão das divulgações sobre o eleitorado é ponto a ser demonstrado no curso da instrução, devendo ser debatido com o mérito recursal. 2.4. As representações por propaganda eleitoral irregular não têm seu pedido limitado à remoção das publicações, de modo que não há de se falar em perda de objeto em razão de eventual exclusão do conteúdo da internet. 3. Representação que tramitou sob o rito previsto no art. 96 da Lei n. 9.504/97, para o qual a legislação eleitoral não prevê o pedido de #retratação# na propaganda eleitoral, restando configurada a impossibilidade jurídica do pedido. 4. Ainda que a sentença tenha referido em sua fundamentação o art. 58 da Lei n. 9.504/97, é inviável se conceber a presente demanda como pedido de direito de resposta por incompatibilidade de procedimentos, já tendo este Tribunal assentado que “o direito de resposta possui rito próprio e deve ser exercido nos estritos limites legais” (RE n. 33225 MARAU - RS, Relator: DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Data de Julgamento: 13.12.2016, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 227, Data: 15.12.2016, p. 5.). 5. Não demonstrado com precisão na petição inicial o conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, restringindo-se a alegação genérica de que o teor das peças impugnadas "criaria artificialmente e de forma implícita, negativamente na mente da comunidade, deduções inverídicas com relação à Coligação". 6. Provimento. Improcedência da representação.

(TRE-RS - RE: 060014962 GIRUÁ - RS, Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 29.10.2020, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 03.11.2020.) (Grifei.)

 

Logo, a agremiação recorrida detém legitimidade para a propositura da presente representação, por meio da qual busca provimento jurisdicional que coíba a prática de propaganda eleitoral extemporânea negativa na internet em desfavor de Fábio de Oliveira Branco, à época seu pré-candidato ao cargo de prefeito, que veio a ser eleito no primeiro turno das eleições.

Nessa linha, não incide, na hipótese, a disciplina posta no art. 11 do Código Civil e art. 18 do Código de Processo Civil, com base na qual o recorrente sustentou estar o recorrido defendendo direito alheio, de natureza personalíssima e intransferível, em nome próprio, sem autorização do ordenamento jurídico, e tampouco existe possibilidade jurídica de se analisar eventuais motivações de cunho persecutório que teriam levado o recorrido a ajuizar a representação somente contra o recorrente, porquanto, além de tal discussão refugir ao objeto da presente ação, inexiste obrigatoriedade de formação de litisconsórcio passivo necessário no caso concreto, a atrair a regra do art. 115, parágrafo único, do CPC.

Da mesma maneira, o recorrente, na condição de administrador do grupo Rio Grande Atento em Alto e Bom Tom na rede social Facebook, no qual foram postadas e compartilhadas as publicações irregulares, é parte legítima para responder à presente ação eleitoral.

Esse foi, aliás, o entendimento adotado por este Regional no julgamento do recurso interposto pelo recorrente contra a primeira sentença proferida neste processo (ID 7181183), que havia julgado procedente a ação e condenado a página The Politic e o grupo Rio Grande Atento em Alto e Bom Tom ao pagamento de penalidade de multa de R$ 5.000,00.

Naquela oportunidade, este órgão colegiado, reconhecendo não terem sido observados os limites da lide e a extensão dos pedidos delineados na inicial, que indicavam o recorrente como o responsável pela administração do grupo, anulou a sentença, por mostrar-se citra petita, determinando o retorno dos autos à origem para pronunciamento judicial acerca da sua responsabilidade e eventual condenação pelo ilícito eleitoral (ID 7449633).

Ao decidir novamente o feito, o magistrado de primeiro grau condenou o recorrente, então, ao pagamento de sanção pecuniária equivalente a R$ 5.000,00, extinguindo o processo sem resolução de mérito relativamente à página The Politic e a Marcos Castanho, contra os quais a ação também havia sido originariamente proposta(ID 10483983).

Por essas razões, afasto as preliminares de incompetência de Justiça Eleitoral e de ilegitimidade ativa e passiva ad causam arguidas pelo recorrente, passando à análise do mérito recursal.

3. Mérito

Primeiramente, consigno que o magistrado eleitoral, a partir da leitura conjugada dos arts. 27, §§ 1º e 2º, e 38, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19 com os arts. 36, § 3º, 36-A, 57-A e 57-B da Lei das Eleições, art. 243, inc. IX, do Código Eleitoral e art. 5º, inc. IV, da Constituição Federal, considerou que as postagens e o vídeo impugnados nestes autos, publicados no grupo Rio Grande Atento em Alto e Bom Tom, na rede social Facebook, a partir de compartilhamentos feitos pela página The Politic, por Antônio Tony e Marcos Castanho (ID 7179633, 7180083, 7180233), caracterizaram propaganda eleitoral antecipada negativa em detrimento de Fábio de Oliveira Branco ao imputar-lhe a pecha de político corrupto, que teria sido investigado e “pego” na Operação Lava-Jato, de “ladrão” e “vagabundo”, conclamando, ainda, o eleitorado local a não destinar o voto a quem teria entregue “a CEEE pros chinês debaixo dos panos”.

O recorrente, todavia, deixou de impugnar esse capítulo da sentença, o qual, portanto, em decorrência da delimitação da extensão do efeito devolutivo do recurso operada pelo princípio tantum devolutum quantum appellatum, insculpido no art. 1.013, caput, do CPC, não foi entregue a este Tribunal para reapreciação.

A irresignação dirigiu-se apenas ao reconhecimento da responsabilidade do recorrente por ter autorizado a publicação irregular na qualidade de administrador do referido grupo – tópico que repercute diretamente no sancionamento da conduta, devido à profundidade ampla do efeito devolutivo, consoante prevê o art. 1.013, § 1º, do CPC –, centrando-se nas alegações de inviabilidade de acompanhamento e controle do grande número de postagens realizadas diariamente pelos seus integrantes, na ausência de compartilhamento, na inexistência de denúncia da irregularidade e de solicitação de remoção da postagem pelo próprio representante do recorrido e na impossibilidade de repercussão das publicações por já terem sido removidas da internet.

Assim, considerando superado o debate acerca da configuração da propaganda eleitoral antecipada negativa objeto dos autos, tenho por inviável acolher a argumentação esposada no recurso para fins de reforma da sentença sob o aspecto estrito da responsabilidade do recorrente pela sua divulgação no ambiente de internet.

Como anteriormente dito, o recorrente em momento algum negou ser o administrador do grupo Rio Grande Atento em Alto e Bom Tom, circunstância evidenciada na imagem de interface da rede social Facebook em que aparece como administrador do grupo em comento com a alcunha “Ton Garcia” (ID 7180033).

Ademais, o recorrente, identificado como “Ton Garcia”, “curtiu” o compartilhamento feito pela página The Politic no grupo Rio Grande Atento em Alto e Bom Tom em 04.9.2020 (ID 7180083), assim como aquele realizado por Antonio Tony (ID 7180233), restando claramente comprovado que teve plena ciência das postagens ofensivas e do seu compartilhamento entre os usuários, omitindo-se quanto ao dever de removê-las tão logo tomou ciência do seu conteúdo atentatório à dignidade pessoal de Fábio de Oliveira Branco.

Além disso, como consignado pelo magistrado de primeiro grau relativamente às regras de participação no grupo Rio Grande Atento em Alto e Bom Tom, definidas pelo próprio recorrente (ID10469233):

Em primeiro lugar, saliento que a postagem foi realmente compartilhada no grupo Rio Grande Atento em Alto e Bom Tom. Quando da prolação da primeira sentença, foi possível constatar que o Sr. Tom Garcia aparece como proprietário e administrador do grupo e também que estabeleceu as seguintes regras, visíveis a qualquer um que visitasse a referida página: “O que é proibido e passível de exclusão do grupo: Ataques pessoais de quaisquer formas; Expor qualquer publicação sem prévio aviso em outro grupo ou redes sociais; Desrespeitar a administração, a idoneidade da pessoa ou do grupo sem provas que solidifiquem o contraditório, será entendido como fake ou ataque pessoal que motivarão sua exclusão imediata do grupo; Manipular informações do grupo ou editá-las para obter ganho pessoal; Proibido perfis sem identificação “foto” ou perfil fake; Proibido conteúdo pornográfico; Proibido qualquer tipo de discriminação; Proibido mandar links de outros grupos em qualquer esfera do grupo sem solicitar previamente aos administradores; Proibido qualquer tipo de corrente; Quem tiver atos racistas estará fora do grupo sem direito de defesa; Proibidos comentários com fotos ou links; Proibido discussões no grupo que fujam ao campo das ideias ou do respeito; Proibido divulgação de outros grupos ou páginas sem prévia consulta aos administradores, seja ele de qualquer rede social; Perfis em desacordo com as regras serão removidos sem prévio aviso Praticar atos de hater". (Grifei.)

 

Desse modo, o contexto probatório mostra-se inequívoco quanto ao conhecimento e à omissão do recorrente em remover os conteúdos ilícitos da página do grupo, sujeitando-o, assim, como responsável pela prática de propaganda eleitoral extemporânea negativa, ao pagamento de penalidade de multa, a qual foi adequadamente arbitrada na sentença no patamar mínimo legal, ou seja, R$ 5.000,00, fixado pelo art. 36, § 3º, da Lei n. 9.504/97, sendo que o fato de as publicações já terem sido removidas da internet não constitui causa impeditiva ao reconhecimento e sancionamento da ilicitude eleitoral cometida durante a pré-campanha.

Finalmente, na esteira do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, nada obstante constitua um grupo privado na rede social Facebook, que exige autorização prévia do seu administrador para a inclusão de novos participantes e a visualização das publicações, o Rio Grande Atento em Alto e Bom Tom possui um elevado número de integrantes, que atinge cerca de 22 mil pessoas (ID 7180033) diante do universo de pouco mais de 153 mil eleitores do Município de Rio Grande.

Esse dado peculiar lhe retira o caráter de grupo tipicamente privado – em que o fluxo de informações virtuais se restringe a um número pouco expressivo de interlocutores e se encontra albergado pelo direito fundamental de liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, inc. IV, da Constituição Federal), indispensável ao debate político-democrático –, na medida em que, diversamente, permite o compartilhamento de conteúdos e o alastramento de informações em grande escala, em cenário bastante propício à manipulação do eleitorado, ostentando, assim, uma diferenciada potencialidade para desequilibrar a disputa eleitoral.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pela rejeição da matéria preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.

É como voto, Senhor Presidente.