REl - 0600389-06.2020.6.21.0142 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/05/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo, motivo pelo qual passo à análise do mérito.

No mérito, cuida-se de representação proposta pelo Ministério Público Eleitoral em virtude da suposta ocorrência de propaganda eleitoral irregular em reunião realizada no salão anexo à Igreja São Pedro, no Município de Bagé, em 29.9.2020. Ao que constou, pessoas foram convidadas a participar de encontro de cunho político, incluindo pais de alunos do Colégio São Pedro, ocasião em que ambos os candidatos representados (Divaldo Lara e Mario Augusto Lara Dias) estiveram presentes, fizeram pronunciamentos a respeito de seus projetos políticos e distribuíram material de propaganda eleitoral, tais como panfletos, santinhos e adesivos.

O regramento sobre a realização de propaganda eleitoral em “bem de uso comum” está disposto nos §§ 1º e 4º do art. 37 da Lei n. 9.504/97:

Art. 37. Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam, e nos bens de uso comum, inclusive postes de iluminação pública, sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados.

§ 1º A veiculação de propaganda em desacordo com o disposto no caput deste artigo sujeita o responsável, após a notificação e comprovação, à restauração do bem e, caso não cumprida no prazo, a multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais). (...)

[…]

§ 4º Bens de uso comum, para fins eleitorais, são os assim definidos pela Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil e também aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios, estádios, ainda que de propriedade privada.

 

Como muito bem analisado pela sentença (ID 11047683), não incidem, no caso concreto, os §§ 1º e 4º do art. 37 da Lei n. 9.504/97, na medida em que não foi realizado um evento público (missa, culto, ou cerimônia), mas privado, em local cedido para esta finalidade.

Observe-se o que foi dito na sentença:

Inegável que o salão paroquial se configura como bem de uso comum, no conceito acima previsto, onde é vedada a realização de atos de propaganda eleitoral, como bem apontado pelo Ministério Público, em se tratando de prédio integrante da igreja, onde as pessoas acorrem para participarem das atividades religiosas e eventos relacionados à fé e ao credo que professam.

Entretanto, entendo que, no caso de salão próprio para eventos, como é o caso do aludido salão paroquial, conhecido por este Magistrado, o mesmo pode ser cedido ou locado para eventos particulares, como festas, comemorações particulares e reuniões diversas, desvinculados das atividades da igreja e dirigidos a pessoas específicas, diversas daquelas que frequentam os cultos, missas e atividades religiosas.

No caso em apreço, pelo que se extrai dos elementos probatórios acostados, o salão teria sido cedido para a realização do aludido ato político, para o qual teriam sido convidadas algumas pessoas, parte delas vinculadas ao Colégio São Pedro, localizado nas proximidades da igreja.

Em se tratando de reunião específica, realizada no aludido salão com finalidade totalmente diversa das atividades eclesiásticas e religiosas, desvinculada do horário de realização das referias atividades da igreja, sem aproveitamento do acesso ao local pelas pessoas que frequentam a igreja, já que destinadas a pessoas convidadas, tenho que o referido salão perde a condição de bem de uso comum, para se enquadrar no conceito de bem particular de uso restrito, onde resta permitida a realização de reuniões, inclusive políticas, à semelhança com o que ocorre, por exemplo, com salões de festas, salões de clubes ou de restaurantes, em que cedidos ou locados para eventos dirigido a número específico de convidados, sem frequência de pessoas que iriam ao local para utilizar os serviços comumente praticados nos referidos locais.

 

Assim, embora a utilização do bem tenha nítido caráter eleitoral, o local em que foi promovido o encontro se destinou a evento particular, de forma que a população em geral não teve livre acesso, o que desnatura a característica de bem de uso comum, não ocorrendo a incidência do art. 37, caput, c/c o § 4º, da Lei n. 9.504/97.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença em sua íntegra.