REl - 0600485-22.2020.6.21.0077 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/05/2021 às 14:00

VOTO

Conforme consta dos autos, o vídeo impugnado foi gravado pelo médico dermatologista Saleh Abdalla Júnior e publicado no Facebook no dia 30.10.2020, com o seguinte conteúdo:

Olá pessoal de Maquiné, Dr. Abdalla. Estou aqui fazendo esse novo vídeo. Fiz um vídeo essa semana para a cidade de Maquiné pedindo apoio ao Éder e ao Edinho, vice-prefeito Éder e Prefeito Edinho. E ontem fiquei chocado quando um colega meu me ligou me dizendo que alguém de Maquiné teria ligado pra ele dizendo pra mim não me envolver na política em Maquiné, que eu não seria bem aceito na cidade. Então eu queria dizer à essa pessoa que eu conheço a família Dambros, Dalpiaz, Bopsin, Gatelli, muitos amigos eu fiz na cidade de Maquiné e quero dizer mais, e agora eu só não vou apoiar o Edinho pra Prefeito e o Éder para vice-Prefeito, como eu vou doar à comunidade de Maquiné, elegendo Edinho Prefeito e Éder vice-Prefeito, eu vou doar, dr. Abdalla, dermatologista, vou doar, um dia por mês, um atendimento gratuito à comunidade de Maquiné, então pessoal, dia 15 vote Éder e Edinho, e Dr. Abdalla dará um dia do seu trabalho no mês à cidade de Maquiné gratuito (...)

 

Relativamente à prática de captação ilícita de sufrágio, embora nas razões o recorrente afirme que a promessa foi dirigida a todos os eleitores de Maquiné, está correto o entendimento do juízo a quo ao citar a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e deste TRE-RS no sentido de que a vantagem pessoal em troca de voto deve corresponder a benefício concreto e individual, destinado a eleitor identificado ou identificável.

O benefício oferecido de modo genérico a uma coletividade não atrai a incidência do art. 41-A da Lei das Eleições, conforme pacífico entendimento do TSE:

ELEIÇÕES 2016. RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. DISTRIBUIÇÃO DE PANFLETOS. ISENÇÃO DE TAXA CONDOMINIAL. EMPREENDIMENTOS DO PROGRAMA HABITACIONAL MINHA CASA MINHA VIDA. PROMESSA GENÉRICA. PLATAFORMA POLÍTICA. VIABILIDADE EM TESE. MÁ-FÉ NÃO DEMONSTRADA. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO REGIONAL. DESPROVIMENTO. 1. In casu, o Tribunal de origem manteve a improcedência da AIJE por entender que a promessa de isenção de taxa condominial realizada de modo genérico e com respaldo em decreto municipal não caracteriza captação ilícita de sufrágio e/ou abuso de poder econômico. 2. (…) 5. A incidência do art. 41-A da Lei nº 9.504/97 exige prova inconteste da ilicitude consistente na promessa de bem ou vantagem pessoal capaz de interferir na liberdade de voto do cidadão - bem jurídico tutelado pela norma.6. Na linha da jurisprudência desta Corte, para a configuração do ilícito previsto no art. 41-A da Lei 9.504/97, a promessa de vantagem pessoal em troca de voto deve corresponder a benefício a ser obtido concreta e individualmente por eleitor determinado ou determinável.7. Na espécie, conforme a moldura fática delineada no acórdão regional, não houve promessa de bem ou vantagem pessoal, consoante exige a norma em epígrafe, mas, sim, promessa dirigida a uma coletividade. A delimitação dos destinatários da propaganda eleitoral - moradores dos condomínios Nova Caraguá e Jetuba - não retira o caráter genérico da promessa, uma vez que a isenção da taxa condominial beneficiaria os condôminos indistintamente. 8. Esta Corte já decidiu que as promessas genéricas, sem o objetivo de satisfazer interesses individuais e privados, não são capazes de atrair a incidência do art. 41-A da Lei nº 9.504/97.9. (…) .16. Conclui-se que, no caso, não há falar em captação ilícita de sufrágio, porquanto: i) trata-se de promessa de campanha promovida de modo genérico; ii) demonstrou-se a viabilidade, ainda que mínima, de sua concretização; e iii) os recorrentes a veicularam de acordo com o primado da boa-fé objetiva.17. Recursos especiais desprovidos.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 47444, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 30.4.2019.) (Grifou-se.)

 

Quanto à prática de abuso de poder econômico, concluiu o magistrado sentenciante que o fato não se apresenta grave o suficiente para o julgamento de procedência da ação, nos seguintes termos:

O conteúdo divulgado em vídeo pelo investigado Saleh Asad Abdalla Júnior e compartilhado em redes sociais pelos demais investigados – o que não foi negado – consistiu, como visto, em prometer atendimento médico de forma gratuita à comunidade de Maquiné, condicionando a “doação” à eleição dos candidatos a prefeito e vice-prefeito Éder Luiz Rodrigues e Ronaldo Éder Rech.

O próprio representado Saleh Asad Abdalla Júnior confirma que se “excedeu” quanto ao conteúdo veiculado, justificando que assim agiu por ser acometido de “violenta emoção”, após ser injuriado e provocado por apoiadores da candidatura majoritária do partido político representante (PDT).

Porém, o representado não informou ter tomado eventuais medidas legais pertinentes contra as pessoas que o injuriaram e injustamente provocaram. Optou por publicar vídeo prometendo consultas gratuitas à “comunidade de Maquiné”, sabidamente carente de atenção à rede de saúde pública, em benefício direto das candidaturas que apoiou no vídeo.

É evidente que o conteúdo gravado foi deliberado, tanto que não removido assim que cessada a suposta “violenta emoção” sofrida.

Em que pese a reprovabilidade da conduta, examinando os fatos, verifica-se não haver nos autos prova capaz de demonstrar a prática de abuso de poder econômico apto a comprometer a lisura do pleito, traduzida em sua legitimidade e normalidade.

Vale lembrar que, com o acréscimo do inciso XVI ao art. 22 da Lei n.º 64/90, se de um lado afastou-se a ideia de que o abuso de poder pressupõe inexoravelmente um nexo de causalidade direto entre a conduta praticada e o resultado da eleição, a potencialidade lesiva, por outro lado passou-se a exigir a demonstração da gravidade das circunstâncias que caracterizam o fato dito abusivo.

Assim, o exame da potencialidade do ato quanto a sua influência direta no resultado do pleito cedeu relevância como elemento definidor do abuso, que, em consonância com o princípio da proporcionalidade, deve-se conformar a partir da própria gravidade das circunstâncias que caracterizam o ato dito abusivo, tendo em vista o bem jurídico protegido na AIJE, qual seja, a lisura e normalidade da eleição.

No caso, entendo que inexistem elementos que demonstrem a gravidade do abuso de poder econômico sustentado nos autos, com a afetação da normalidade e legitimidade das eleições, capaz de ensejar a aplicação das sanções de inelegibilidade e cassação dos registros dos representados.

Os elementos constantes dos autos não demonstram comprometimento da legitimidade e da isonomia do pleito majoritário no município de Maquiné, causado pelo vídeo gravado pelo investigado Saleh Asad Abdalla Júnior e compartilhado pelos demais investigados em redes sociais.

Não houve indicação do número de visualizações e/ou compartilhamentos do vídeo. Não se produziu prova de eventual repercussão causada pelo vídeo na comunidade de Maquiné, nem de que algum eleitor foi eventualmente influenciado pelo conteúdo. É até mesmo difícil crer que algum eleitor mudaria sua intenção de voto em face da promessa, a pessoas indeterminadas, de 12 atendimentos médicos por ano.

Transcrevo, abaixo, ementas de casos julgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nos quais se evidencia o entendimento de que o abuso do poder econômico somente se configura quando há comprometimento dos bens jurídicos tutelados pela norma eleitoral causado por essas ilicitudes, tais como a legitimidade do pleito e a paridade de armas:

(…)

O TSE reputou demonstrado o requisito da gravidade do ato, suficiente para comprometer a igualdade de chances entre os concorrentes e a justificar a aplicação das gravosas sanções de cassação dos mandatos e inelegibilidade, em caso em que, embora supostamente análogo ao presente, houve efetiva prestação de atendimento médico gratuito por meio de entidade filantrópica, a 95 pessoas, com o intuito de promoção e obtenção do voto pelo candidato (Recurso Especial Eleitoral nº 16298, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 15/05/2018, Página 32).

O TRE-RS, igualmente, entendeu comprometidas a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em caso que o candidato distribuiu benesses médicas, sendo apreendida em sua residência “enorme quantidade de documentos relacionados a atendimentos médicos, cirurgias, receituários, atestados e remédios, além de cadernos e agendas que revelam verdadeiro cadastro de pessoas beneficiadas e de outras ainda a serem contempladas.” (Recurso Especial Eleitoral nº 31931, Acórdão, Relator(a) Min. João Otávio De Noronha, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 60, Data 31/03/2016, Página 4).

Do cotejo dos referidos casos com o presente, mostra-se evidente que o conceito de “gravidade” destoa significativamente. Na hipótese, observa-se uma conduta inadequada e reprovável, tanto que coibida com o deferimento da medida liminar, mas que não possui repercussão a ponto de comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito.

Ausente, portanto, prova da afronta direta aos princípios elencados pela LC nº 64/90, a improcedência da ação relativamente ao pedido de condenação por abuso do poder econômico é o caminho a ser trilhado.

 

Nas razões de reforma, o recorrente sustenta que o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90 não exige a potencialidade de o fato alterar o resultado das eleições para a configuração do ato abusivo, e que os recorridos buscavam obter votos às custas de consultas médicas gratuitas com especialista em dermatologia, mediante vídeo compartilhado em massa no Facebook por candidatos e militantes.

De igual modo, a Procuradoria Regional Eleitoral aponta que o fato se enquadra como abuso de poder econômico porque, “mediante o compromisso público assumido por SALEH ABDALLA JÚNIOR, de fornecer atendimento médico especializado gratuitamente à população de Maquiné, insere-se na disputa eleitoral um elemento que extravasa o debate de ideias e a exposição da biografia dos candidatos, buscando-se o convencimento dos eleitores como contrapartida a um benefício direto, a uma ‘vantagem econômica de ocasião” (Castro, Edson de Resende Castro, Curso de Direito Eleitoral. 10. ed. - BH: Del Rey, 2020, p. 491).

De fato, nos termos da doutrina invocada no recurso, define-se abuso de poder econômico como “vantagem dada a uma coletividade de eleitores, indeterminada ou determinável, beneficiando-os pessoalmente ou não, com a finalidade de obter-lhe o voto” (COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 531).

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, “o abuso de poder econômico ocorre quando determinada candidatura é impulsionada pelos meios econômicos de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a própria legitimidade do pleito” (Recurso Especial Eleitoral n. 470968, Acórdão de 10.05.2012 Relatora Min. Nancy Andrighi).

No caso concreto, o médico dermatologista Saleh Abdalla Júnior, profissional reconhecido no litoral norte e que já prestou serviços no município durante governos do Partido Progressista, publicou vídeo comprometendo-se a oferecer um dia por mês de atendimento médico gratuito, caso os candidatos fossem eleitos.

Tal promessa, vinda de profissional proeminente em um município do porte de Maquiné, é suficiente para desequilibrar o pleito, razão pela qual entendo que, neste tocante, a sentença deve ser reformada.

Na hipótese vertente, a ação foi ajuizada com base no § 9º do art. 14 da CF, e no art. 19, caput, e art. 22 e seus incs. XIV e XVI, todos da LC n. 64/90, requerendo os autores a apuração de uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico em benefício dos concorrentes, com a consequente cassação de  diplomas e declaração de inelegibilidades:

Constituição Federal:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

(…)

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)

 

Lei Complementar n. 64/90:

Art. 19. As transgressões pertinentes à origem de valores pecuniários, abuso do poder econômico ou político, em detrimento da liberdade de voto, serão apuradas mediante investigações jurisdicionais realizadas pelo Corregedor-Geral e Corregedores Regionais Eleitorais.

Parágrafo único. A apuração e a punição das transgressões mencionadas no caput deste artigo terão o objetivo de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

 

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(…)

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;

(Redação dada pela Lei Complementar n. 135, de 2010)

(…)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

(Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

 

O abuso de poder econômico ocorre quando o uso de parcela do poder financeiro é utilizada indevidamente, com o intuito de obter vantagem, ainda que indireta ou reflexa, na disputa do pleito.

Pela ótica doutrinária, o abuso de poder econômico consiste no “(...) emprego de recursos produtivos (bens e serviços de empresas particulares, ou recursos próprios do candidato que seja mais abastado), fora da moldura para tanto traçada pelas regras de financiamento de campanha constante da Lei nº 9.504/97” (Decomain, Pedro Roberto. Elegibilidade e Inelegibilidades. São Paulo: Dialética, 2004, p. 197).

Tais requisitos encontram-se plenamente caracterizados no caso dos autos, pois há farta prova do interesse eleitoral e da sua interferência na legitimidade do pleito, extraindo-se a convicção de que foi obtido ilegítimo proveito eleitoral com a vantagem fornecida aos eleitores, utilizada como verdadeira máquina eleitoral.

Conforme bem apontado pela douta Procuradoria Regional Eleitoral:

É importante salientar que Maquiné-RS é uma pequena cidade do litoral norte gaúcho, com menos de 6000 eleitores. Nesse cenário, a oferta de atendimento médico gratuito, por um profissional conceituado na região, na área de dermatologia, especialidade muito requisitada e que não é adequadamente disponibilizada pelo SUS, consiste numa vantagem econômica extremamente relevante.

Condicionando a oferta de tais atendimentos médicos gratuitos à vitória eleitoral de EDER LUIS RODRIGUES e RONALDO EDER RECH, e clamando a população a votar em tais candidatos, SALEH ABDALLA JÚNIOR abusou de seu poder econômico – derivado de sua posição de médico especialista, referência na região, e da capacidade de ofertar gratuitamente um atendimento médico altamente requisitado – ao incutir nos eleitores a motivação de uma “vantagem econômica de ocasião” para direcionar os seus votos. Tem-se com clareza, nesse caso, o desvirtuamento do processo eleitoral, com a formação da vontade do eleitor ficando sujeita à capacidade do detentor de poder econômico de direcioná-la em favor do candidato a quem pretenda beneficiar (Gomes, José Jairo, Direito Eleitoral. 14. ed. - São Paulo: Atlas, 2018, p. 732, 733).

No presente caso, o vídeo gravado pelo médico foi postado no perfil do Facebook do candidato EDER LUIS RODRIGUES, com o subsequente compartilhamento pelos demais recorridos candidatos a Vereador, amplificando o alcance da publicação, de modo a gerar, em poucas horas, uma inegável repercussão eleitoral sobre um pequeno município.

(…)

É imperioso, portanto, o reconhecimento do abuso do poder econômico no caso dos autos, com vistas a reafirmar o propósito de cidadania incutido no ideal das eleições, afastando iniciativas insidiosas que prometam benefícios aos eleitores com o objetivo de impedir a livre escolha dos candidatos.

 

De todo o contexto, ressai inevitável que a vantagem tenha sido entendida pelo eleitorado como plataforma de campanha, pois se tornou flagrante o fato de que a vitória dos candidatos à eleição majoritária representaria a concessão de atendimento médico gratuito.

É manifesto o comprometimento da lisura do pleito em razão da oferta gratuita de consultas médicas ter sido condicionada ao voto em Eder e Edinho, candidatos recorridos. A disputa não foi legítima.

O assistencialismo realizado durante o período de campanha refoge aos fins democráticos do Estado de Direito, sendo mais grave ainda o uso do atendimento de saúde privado para fins eleitorais.

As provas revelam clara prática abusiva. Em específico texto sobre o tema, a Procuradora Regional da República, Silvana Batini, explica que o fenômeno do assistencialismo político é observado e estudado por diversos ângulos das ciências sociais, como prática arraigada na cultura política do Brasil:

Traço comum a todas as iniciativas, respeitadas as diferenças no modus operandi, são a exploração da miséria, a construção da liderança política em torno da suposta generosidade e benevolência, o cultivo da dependência e da subserviência, e os efeitos deletérios do atraso e da manutenção dos estados de carência.

(Centros assistencialistas, abuso de poder econômico e Democracia: o necessário enfoque. TRE-RJ, Revista de Jurisprudência, Rio de Janeiro, n. 2, p. 7-12, set. 2011. Disponível em http://www.tre-rs.gov.br/arquivos/BATINI_Silvana_Centros_assistencialistas.pdf Acesso 04.08.2017.)

 

Por todas essas razões, merece ser tratada como gravíssima, e justificadora da decretação da inelegibilidade, a utilização do serviço de saúde para o angariamento de voto dos eleitores.

A propósito do grau de reprovabilidade desse tipo de conduta, bem como da proporcionalidade e da razoabilidade da sanção de inelegibilidade, assenta a jurisprudência do TSE sobre o tema:

ELEIÇÕES 2010. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E CONDUTA VEDADA. SUBSISTÊNCIA DAS CONDENAÇÕES TÃO SOMENTE EM RELAÇÃO À CONDUTA VEDADA. ART. 73, INCISO IV, DA LEI Nº 9.504/97. UTILIZAÇÃO. CIRURGIAS DE LAQUEADURA SUBVENCIONADAS PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). PROMOÇÃO ELEITORAL. CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. COMPROVAÇÃO DA ANUÊNCIA DO BENEFICIÁRIO. REPETIÇÃO. FUNDAMENTOS RECURSAIS. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO SUMULAR 182 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DESPROVIMENTO.

(...)

2. Hipótese em que, a teor do conjunto probatório angariado aos autos, restou incontroverso que, durante o período eleitoral de 2010, foram oferecidas cirurgias de laqueadura de trompas no âmbito de hospital particular subvencionado pelo SUS, as quais eram utilizadas como instrumento de promoção da candidatura do agravante ao cargo de deputado estadual. Tal fato denota o grau de reprovabilidade da conduta, bem assim, a proporcionalidade e razoabilidade da manutenção das sanções de cassação de diploma e de multa acima do mínimo legal (art. 73, IV, §§ 4º e 5º, da Lei nº 9.504/97).

3. Agravo regimental a que se nega provimento

(Recurso Ordinário n. 6453, Acórdão, Relator Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 01.3.2016.)

 

Concluo, portanto, que os candidatos abusaram do poder econômico no pleito de 2020, ferindo a legitimidade da eleição majoritária de Maquiné.

Quanto à sanção, acompanho a conclusão da Procuradoria Regional Eleitoral no sentido de que não se verifica a responsabilidade dos postulantes a vereador, pois esses não seriam beneficiados com os votos que foram pedidos como contrapartida às consultas médicas, além de não ser possível caracterizar a participação que tiveram nos atos (o compartilhamento do vídeo inicialmente postado pelo candidato a prefeito) como conduta com gravidade suficiente para justificar a imposição das sanções previstas na LC n. 64/90.

Da mesma forma, não há que se falar em sancionamento quanto ao candidato a vice-prefeito Ronaldo Rech, pois, embora tenha sido beneficiário do abuso de poder econômico, não restou evidenciada nos autos sua participação de modo a atrair a incidência da declaração da inelegibilidade.

Merecem ser condenados à declaração da inelegibilidade exclusivamente o concorrente a prefeito, não eleito, Eder Luis Rodrigues, e o médico Saleh Abdalla Júnior, por terem participação e responsabilidade inequívocas no abuso do poder econômico, dado que o profissional gravou a filmagem e ofereceu a vantagem, e o candidato foi beneficiário e postou, originalmente, em seu perfil no Facebook, o vídeo com a promessa realizada pelo dermatologista, endossando o seu agir.

Tal conduta revela a ciência e anuência com a prática abusiva, razão pela qual ambos devem ser sancionados com a declaração da inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 anos subsequentes ao pleito de 2020, conforme previsto no art. 22, inc. XIV, parte inicial, da LC n. 64/90.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, com o fim de reformar a sentença em parte e julgar parcialmente procedente a ação, para declarar a inelegibilidade de EDER LUIS RODRIGUES e de SALEH ABDALLA JÚNIOR para as eleições a se realizarem nos 8 anos subsequentes ao pleito de 2020, de acordo com o previsto no art. 22, inc. XIV, parte inicial, da LC n. 64/90, nos termos da fundamentação.