MSCiv - 0600050-51.2021.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/05/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Neste mandamus, indeferi a inicial, com fulcro no art. 10 da Lei n. 12.016/09, por entender ausentes ilegalidade ou abuso de poder a serem rechaçados, assim como por não vislumbrar, no caso dos autos, a presença de direito líquido e certo, ou seja, incontroverso, evidente, detectável de plano, a ser garantido via ação mandamental.

A decisão monocrática por meio da qual indeferi a inicial do mandado de segurança foi consignada nos seguintes termos:

Primeiramente, destaco que, conforme a dicção do art. 1º da Lei n. 12.016/09, o mandado de segurança constitui medida cabível “para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data ou, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade”.

Trata-se de instrumento de emprego excepcionalíssimo que pressupõe direito líquido e certo, de um lado, e ilegalidade ou abuso de poder cometido por autoridade pública, de outro.

Nesse contexto, é cediço que cabe a impetração de mandado de segurança contra pronunciamentos judiciais. No entanto, a ação mandamental somente é admitida contra ato de cunho jurisdicional na hipótese prevista no enunciado da Súmula n. 22/TSE: “não cabe mandado de segurança contra decisão judicial recorrível, salvo situações de teratologia ou manifestamente ilegais”. (Grifo nosso)

Nesse sentido, a jurisprudência:

MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE BUSCA E APREENSÃO. LIMINAR. INDEFERIDA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INEXISTÊNCIA. DECISÃO COMBATIDA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. ILEGALIDADE OU TERATOLOGIA. NÃO CONFIGURADA. DENEGAÇÃO DA ORDEM.

1. "(...) O mandado de segurança é remédio constitucional destinado a prevenir e coibir ilegalidade ou abuso de poder em face de direito líquido e certo, demonstrado, de modo inequívoco, na petição inicial.

2. Na linha da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, caracteriza-se direito líquido e certo quando a regra jurídica incidente sobre os fatos incontestes configurar direito da parte. Precedente.

3. O cabimento do mandamus em face de decisões judiciais requer a ocorrência de decisão teratológica ou capaz de causar dano irreparável a direito líquido e certo do impetrante, inexistente na espécie. "(Agravo Regimental em Recurso em Mandado de Segurança nº 4783, Acórdão de 21/06/2016, Relator(a) Min. MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 126, Data 01/07/2016, Página 6/7 )

2. In casu, as provas colacionadas nos autos não demonstram indícios suficientes de condutas ilícitas que viabilizem a concessão da ordem.

3. Denegação da ordem pleiteada.

(MANDADO DE SEGURANÇA n 44670, ACÓRDÃO n 44670 de 07/03/2017, Relator FRANCISCO MAURO FERREIRA LIBERATO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 46, Data: 09.3.2017, Página 11.)

Como visto, trata-se de instrumento cabível em hipóteses excepcionais, em caso de decisões teratológicas, flagrantemente ilegais ou revestidas de abuso de poder.

Na espécie, o impetrante busca a suspensão de decisão interlocutória proferida nos autos da AIME n. 0600562-85.20206.21.0059, ajuizada em face do impetrante pelo órgão do Ministério Público Eleitoral em atuação junto à 59ª Zona do Estado.

Aponta como ato coator o seguinte despacho, in verbis:

Rejeito a alegação intempestividade da peça contestacional, observada a certidão cartorária.

Autorizo a inclusão das testemunhas, bem como a substituição da testemunha Karina Bussmann por Ederson Maia, eis que não preclusa tal possibilidade.

As demais preliminares suscitadas confundem-se com o mérito, razão pela qual serão analisadas por ocasião do julgamento.

Designo o dia 24/03/2021, às 13h30min para realização de audiência de instrução, a qual será realizada pela Plataforma Cisco Webex Meetings, através de navegador e/ou aplicativo Cisco Webex Meetings, oportunidade em que será realizado o depoimento pessoal, sendo vedado o comparecimento ao Foro.

A sala de audiência virtual poderá ser acessada através do link:

https://meetingsamer23.webex.com/meetingsamer23-

pt/j.php?MTID=m9cdbd7fc1ccd701ade60b1a2240887c4

Notifique-se, pessoalmente, a parte requerida, advertindo-a de que sua ausência ou recusa em depor ensejará a aplicação da pena de confissão, nos termos do art. 385, §1º, CPC, inclusive para que cientifique suas testemunhas acerca da audiência designada, propiciando os meios necessários para que prestem depoimento de forma virtual, zelando para que estejam em local silencioso e de forma que uma não ouça o depoimento da outra, sob pena de nulidade e perda da prova.

Qualquer dúvida ou dificuldade de acesso, exclusivamente relacionadas à realização da audiência virtual, poderá ser contatada pelo e-mail alopes@tjrs.jus.br.

(Grifos no original)

Da leitura do excerto acima transcrito, verifico que a presente ação não reúne as condições mínimas ao seu processamento, uma vez que não vislumbro, no caso dos autos, a presença dos pressupostos autorizadores da concessão do pleito.

Com efeito, inexiste, na hipótese, o direito subjetivo, alegadamente líquido e certo, que justifique retirar da autoridade judicial a faculdade de determinar a produção das provas que entenda necessárias em busca da verdade, com o objetivo de alcançar solução justa ao litígio.

Aliás, no caso específico da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME, tendo em vista a necessidade de produção de prova robusta e inequívoca diante da gravosidade do provimento perseguido, a prerrogativa encontra previsão expressa no art. 5º, §§ 2º e 3º, da Lei Complementar n. 64/90, aplicável à espécie por força do disposto no art. 171 da Resolução TSE n. 22.154/06. Eis os dispositivos em comento:

Res. TSE n. 22.154/06:

Art. 171. O mandato eletivo poderá também ser impugnado perante a Justiça Eleitoral após a diplomação, no prazo de quinze dias, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude (Constituição Federal, art. 14, § 10).

§ 1º A ação de impugnação de mandato eletivo observará o procedimento previsto na Lei Complementar nº 64/90 para o registro de candidaturas e tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé, aplicando-se as disposições do Código de Processo Civil apenas subsidiariamente (Constituição Federal, art. 14, § 11; Res.-TSE nº 21.634, de 19.2.2004).

§ 2º À ação de impugnação de mandato eletivo não se aplica a regra do art. 216 do Código Eleitoral.

 

LC n. 64/9:

Art. 5° Decorrido o prazo para contestação, se não se tratar apenas de matéria de direito e a prova protestada for relevante, serão designados os 4 (quatro) dias seguintes para inquirição das testemunhas do impugnante e do impugnado, as quais comparecerão por iniciativa das partes que as tiverem arrolado, com notificação judicial.

§ 1° As testemunhas do impugnante e do impugnado serão ouvidas em uma só assentada.

§ 2° Nos 5 (cinco) dias subsequentes, o Juiz, ou o Relator, procederá a todas as diligências que determinar, de ofício ou a requerimento das partes.

§ 3° No prazo do parágrafo anterior, o Juiz, ou o Relator, poderá ouvir terceiros, referidos pelas partes, ou testemunhas, como conhecedores dos fatos e circunstâncias que possam influir na decisão da causa.

 

Também não verifico ilegalidade manifesta, abuso ou teratologia na decisão do juízo de piso. Ao contrário, entendo que a juíza impetrada, como titular do poder instrutório, agiu dentro da sua esfera de competência, não excedendo os limites impostos à atividade judicante.

É certo que, na condição de destinatária última do acervo probatório, cabe à autoridade judicial, sopesando as circunstâncias do caso concreto, analisar a necessidade de produção de outras provas além das já constantes nos autos ou indicadas pelas partes.

Trata-se, portanto, de mero inconformismo quanto à condução da instrução por parte da magistrada singular, não evidenciada qualquer nulidade ou prejuízo à parte.

Importa mencionar, ainda, a título meramente informativo, a preexistência de decisão, já transitada em julgado, relacionada à matéria, prolatada pelo Des. Gerson Fischmann nos autos do MSCiv n. 0600034-97.2021.6.21.0000, no qual o impetrante objetivava, igualmente, obstaculizar medidas instrutórias determinadas pelo juízo da 59ª Zona Eleitoral na condução da AIME 0600562-85, mais especificamente, naquele caso, a abertura de prazo para apresentação de réplica pela parte autora, na qual o impetrante não obteve êxito - uma vez que o relator considerou descabida a impetração e, por consequência, indeferiu a inicial - renovada agora, em verdadeira superposição, respeitadas as particularidades de cada caso.

Assim, uma vez que o ato hostilizado não se presta a legitimar ataque por meio da ação mandamental aviada, o indeferimento da inicial é medida que se impõe.

Com essas considerações, com fulcro nos arts. 10 da Lei 12.016/09 e 485, inc. I, do CPC, indefiro a petição inicial e não conheço do mandado de segurança.

(...)

 

Como se observa, a decisão está devidamente fundamentada.

Por sua vez, os argumentos trazidos no agravo não lançam nenhum novo elemento jurídico ou fático que justifique a modificação do decisum. Ao contrário, trata-se a insurgência de mera reiteração dos argumentos anteriormente expendidos, o que demonstra que o agravante pretende revisitar razões suficientemente justificadas, e não o reconhecimento de direito líquido e certo, até porque inexistente.

Anoto que as circunstâncias específicas do presente caso não admitem paralelo com a jurisprudência trazida pelo agravante à guisa de paradigma. Pondero, primeiramente, que, nos autos do suposto paradigma, a ação mandamental foi impetrada em face de decisão proferida pelo juízo singular em processo de Representação por conduta vedada (n. 0600614-50.2020.6.21.0134), ao passo que, nestes autos, a irresignação do ora agravante diz com decisão prolatada em sede de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. Trata-se, portanto, de ações de natureza diversa, às quais, por expressa previsão legal, se deve imprimir ritos procedimentais igualmente diversos (art. 22 da LC n. 64/90 na Representação e art. 3º e seguintes do mesmo diploma legal na AIME).

Além disso, a decisão referida pelo ora agravante foi exarada por ocasião do julgamento do mérito do Mandado de Segurança n. 0600461-31.2020.6.21.0000, impetrado em face de decisão do Juízo da 134ª Zona Eleitoral, enquanto que, aqui, não se está a decidir sobre a questão posta no mérito deste Mandado de Segurança, mas, sim, cuida-se de determinar se o decisum comporta irresignação por meio do remédio constitucional.

Nessa senda, conforme consignado na decisão ora agravada, a ação mandamental somente é admitida contra ato de cunho jurisdicional na hipótese prevista no enunciado da Súmula n. 22/TSE: “não cabe mandado de segurança contra decisão judicial recorrível, salvo situações de teratologia ou manifestamente ilegais”.

Assim, não se tratando, no caso vertente, de decisão teratológica, manifestamente ilegal ou revestida de abuso de poder, o despacho da magistrada da 59ª Zona de Viamão não comporta desafio por meio da ação proposta.

Destaco, por oportuno, que, via de regra, nas ações eleitorais somente há previsão de interposição de recurso contra a sentença, ocasião na qual serão devolvidas à análise do Tribunal Eleitoral todas as questões jurídicas e fáticas decididas pelo juízo de primeira instância, as quais não serão objeto de preclusão, de forma que o acesso ao duplo grau de jurisdição resta plenamente assegurado.

Nesse sentido, o pacífico entendimento do Tribunal Superior Eleitoral acerca da matéria, como demonstram as ementas dos seguintes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AIJE. INCIDENTE DE FALSIDADE. INDEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO. JUIZ ELEITORAL. IMPETRAÇÃO. DENEGAÇÃO DA ORDEM. MATÉRIA IMPUGNÁVEL POR MEIO DE RECURSO PRÓPRIO. SÚMULA Nº 267/STF. INCIDÊNCIA. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. PROCURAÇÃO. AUSÊNCIA DE JUNTADA. IRREGULARIDADE ANOTADA NA DECISÃO MONOCRÁTICA. PERSISTÊNCIA, NÃO OBSTANTE, NA INTERPOSIÇÃO DO AGRAVO REGIMENTAL. NÃO CONHECIMENTO.

1. A decisão do juiz eleitoral que indefere o processamento de incidente de falsidade, manejado com o objetivo de apontar supostas trucagens de vídeos que instruíram a inicial, comporta recurso próprio, não sendo a via do mandado de segurança o meio adequado para impugnar, no ponto, referido decisum. Incidência, na espécie, da Súmula nº 267/STF.

2. In casu, não há nos autos procuração outorgada aos patronos do agravante, deficiência esta apontada na decisão monocráticae que, não obstante, persistiu na interposição do regimental

[…]

(Grifei.)

(Ac. de 1.12.2015 no AgR-RMS nº 2459, rel. Min. Luciana Lóssio.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA EM SEDE DE REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. IRRECORRIBILIDADE.

1 - Nas ações regidas pela Lei Complementar nº 64/90, é irrecorrível decisão interlocutória, podendo ser impugnado o seu conteúdo no recurso a ser interposto para o Tribunal ad quem da sentença que julgar a causa.

2 - Agravo regimental desprovido.

(Grifei.)

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 35676, Acórdão de 22/10/2009, Relator Min. FERNANDO GONÇALVES, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 228, Data: 02.12.2009, Página 49.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. PREFEITO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AIJE. DESCABIMENTO.

1. Nos termos da jurisprudência consolidada desta c. Corte, nas ações regidas pela Lei Complementar nº 64/90, entre elas a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), é irrecorrível decisão interlocutória, podendo ser impugnado o seu conteúdo no recurso a ser interposto para o Tribunal ad quem da sentença que julgar a causa.

2. Sendo manifestamente incabível o recurso interposto perante o e. TRE/PR, o recurso especial dele proveniente também não pode ser admitido, razão pela qual deve ser negado provimento ao recurso.

3. Agravo regimental não provido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 25386, Acórdão de 31.3.2011, Relator Min. ALDIR GUIMARÃES PASSARINHO JUNIOR, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 19.4.2011, Página 52.)
 

Na mesma linha, a jurisprudência deste Regional:

Recurso. Ato que deferiu juntada de documentos em ação de investigação judicial eleitoral. Alegação de que tal medida importaria em aditamento da peça inicial após o oferecimento da contestação, gerando substancial alteração da causa de pedir. Tese improcedente ante o fato de o teor dos documentos não ser estranho aos pleitos da exordial e diante da inexistência de qualquer prejuízo à defesa. Pacífica a jurisprudência do TSE no sentido de que as decisões interlocutórias, em sede de ação de investigação judicial eleitoral, não admitirem enfrentamento por recurso, aguardando a deliberação do mérito para o exercício do duplo grau de jurisdição. Flagrante caráter protelatório da irresignação. Não-conhecimento

(Grifei.)

(AIJE 106. Rel. Dr. Jorge Alberto Zugno, DJ: 17.2.2009.)

 

Recurso. Investigação judicial eleitoral cumulada com pedido de anulação de pleito. Rejeição de embargos de declaração contra decisão a quo indeferitória de pedido liminar para suspensão de diplomação. Pacífica a jurisprudência do TSE no sentido de que decisões interlocutórias, em sede de ação de investigação, não admitem enfrentamento por recurso inominado. A inexistência de decisão definitiva do magistrado de primeiro grau impede o exame da matéria pela Corte Regional. Não conhecimento.

(AIJE 159, Rel. Des. Sylvio Baptista Neto, DJ: 17.4.2009.)

 

Recurso. Investigação judicial eleitoral. Indeferimento de requerimento do Ministério Público para renovação da audiência de testemunha designada. Ausência do parquet.

Pacífica a jurisprudência do TSE no sentido de irrecorribilidade das decisões interlocutórias. Matéria passível de reapreciação por esta Corte apenas no julgamento do recurso interposto contra sentença de primeiro grau.

(…)

Não conhecimento.

(Grifei.)

(Recurso Eleitoral n. 100000270, Acórdão de 30.3.2010, Relator DR. ÍCARO CARVALHO DE BEM OSÓRIO, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 51, Data: 07.4.2010, Página 2.)

Dessa forma, destaco a impropriedade da via eleita, no presente caso, para atacar a decisão interlocutória prolatada pelo juízo singular, a qual deve ser impugnada por meio do recurso inominado previsto no art. 265 do Código Eleitoral.

Com essas considerações, uma vez que as razões apresentadas pelo agravante não afastam os fundamentos lançados no decisum monocrático por mim exarado, mantenho a decisão, submetendo-a a este Tribunal.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento do agravo regimental e, no mérito, pelo seu desprovimento, nos termos da fundamentação.