REl - 0600204-33.2020.6.21.0088 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/04/2021 às 10:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razões pelas quais merece ser conhecido.

Preliminar

Inicialmente, analisando os autos eletrônicos, constato a existência de agravo de instrumento interposto pelos ora recorrentes (ID 8184833) em face de decisão interlocutória do magistrado de piso (ID 8184183), que indeferiu pedido liminar requerendo a interrupção de propaganda eleitoral em endereço eletrônico de campanha do candidato da coligação adversária.

Em relação ao cabimento de recursos contra decisões interlocutórias, assim dispõe o art. 19 da Resolução TSE n. 23.478/16:

Art. 19. As decisões interlocutórias ou sem caráter definitivo proferidas nos feitos eleitorais são irrecorríveis de imediato por não estarem sujeitas à preclusão, ficando os eventuais inconformismos para posterior manifestação em recurso contra a decisão definitiva de mérito.

§ 1º O juiz ou Tribunal conhecerá da matéria versada na decisão interlocutória como preliminar à decisão de mérito se as partes assim requererem em suas manifestações.

Destaco, também, o seguinte aresto do Tribunal Superior Eleitoral no mesmo sentido:

ELEIÇÕES 2014. REPRESENTAÇÃO. RECURSO INOMINADO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. IRRECORRIBILIDADE. APRECIAÇÃO. OPORTUNIDADE. JULGAMENTO. MÉRITO. DESOBRIGATORIEDADE. CONVITE. TOTALIDADE. CANDIDATOS. PARTICIPAÇÃO EM ENTREVISTA. CRITÉRIOS. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

I- É assente neste Tribunal Superior que, no processo eleitoral, necessariamente concentrado, as decisões interlocutórias não são impugnáveis de imediato. Eventual inconformismo deve ser externado no recurso contra a decisão definitiva.

II - O art. 45, IV, da Lei n° 9.504/97 não garante espaço idêntico a todos os candidatos na mídia, mas sim tratamento proporcional à participação de cada um no cenário político. Precedentes.

III - O espaço na programação dos veículos de comunicação deve ser conferido aos candidatos, tendo em vista a respectiva posição no cenário eleitoral, em conformidade com o aspecto material do princípio da isonomia.

IV - Atenta contra o princípio da razoabilidade obrigar os veículos de comunicação a convidar todos os candidatos registrados e a realizar cobertura jornalística diária, impedindo-os de exercer sua atividade em função de critérios mercadológicos, desde que não desbordem para o privilégio.

(TSE, RP n. 103246, Relator Ministro Admar Gonzaga Neto, publicado na sessão de 11.09.2014.)

Observo, a teor do disposto no § 1º do art. 19 supratranscrito, que, muito embora descabido o agravo de instrumento interposto naquele momento, os recorrentes não reiteraram agora, na via recursal adequada, seu inconformismo quanto à decisão interlocutória, razão pela qual deixo de analisar a matéria.

De qualquer modo, superada essa questão preambular, passo ao exame do mérito.

 

Mérito

Cuida-se de recurso interposto contra decisão do Juízo da 88ª Zona Eleitoral que julgou improcedente representação por propaganda eleitoral alegadamente irregular na internet.

A questão a ser enfrentada nos presentes autos cinge-se a definir se há irregularidade na transformação da página de conteúdo particular do então candidato ao cargo de prefeito, ora recorrido, para página pública de campanha. Não há indagação acerca do conteúdo específico de determinada propaganda eleitoral veiculada na URL. Questiona-se, tão somente, a conversão de página pessoal para pública de campanha, fazendo acompanhar as “amizades” preexistentes, sem o consentimento das pessoas envolvidas, o que poderia, em tese, gerar impulsionamento de conteúdo e vantagem indevida.

Importante também destacar, conforme esclarecido no decorrer da ação, que o endereço eletrônico objeto de análise e utilizado na campanha eleitoral foi devidamente comunicado à Justiça Eleitoral por ocasião do pedido de registro de candidatura, como determina o art. 28, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19.

A Lei n. 9.504/97, em seu art. 57-B, ao regular a propaganda eleitoral na internet, preceitua:

Art. 57-B. A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas:

I - em sítio do candidato, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no País;

II - em sítio do partido ou da coligação, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no País;

III – por meio de mensagem eletrônica para endereços cadastrados gratuitamente pelo candidato, partido ou coligação;

IV – por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de Internet assemelhadas cujo conteúdo seja gerado ou editado por:

a) candidatos, partidos ou coligações; ou

b) qualquer pessoa natural, desde que não contrate impulsionamento de conteúdos.

§ 1º Os endereços eletrônicos das aplicações de que trata este artigo, salvo aqueles de iniciativa de pessoa natural, deverão ser comunicados à Justiça Eleitoral, podendo ser mantidos durante todo o pleito eleitoral os mesmos endereços eletrônicos em uso antes do início da propaganda eleitoral.

Transcrevo, também, o disposto no inc. XIV do art. 37 da Resolução TSE n. 23.610/19, que assim define o impulsionamento de conteúdo:

Art. 37. Para o fim desta Resolução, considera-se:

[…]

XIV - impulsionamento de conteúdo: o mecanismo ou serviço que, mediante contratação com os provedores de aplicação de internet, potencializem o alcance e a divulgação da informação para atingir usuários que, normalmente, não teriam acesso ao seu conteúdo, incluída entre as formas de impulsionamento a priorização paga de conteúdos resultantes de aplicações de busca na internet, nos termos do art. 26, § 2º, da Lei nº 9.504/1997;

A despeito das alegações trazidas pela recorrente, entendo que não lhe assiste razão, uma vez que a modalidade de propaganda eleitoral em rede social está amparada por lei e não há vedação alguma no tocante à conversão de página pessoal em página de campanha.

Evidente, ainda, que não se pode confundir a utilização de “amigos” ou “curtidas” existentes anteriormente no perfil com o impulsionamento de campanha descrito na norma.

Dito isso, o meu entendimento vai no mesmo sentido do parecer do ilustre Procurador Regional Eleitoral, motivo pelo qual adoto seus fundamentos como razões para decidir (ID 8418383):

No presente caso, o candidato transformou a sua página pessoal na página oficial da campanha, de modo que todos os seus “amigos” e “seguidores” que anteriormente se vinculavam à sua página pessoal passaram a estar vinculados à sua página de candidato. Em que pese a aparente artificialidade da “conquista de apoio eleitoral”, o procedimento adotado não se caracteriza como um uso vedado das redes sociais no âmbito da propaganda eleitoral.

Conforme salientado na sentença, a página com o perfil do candidato foi informada para a Justiça Eleitoral e não está demonstrada a utilização de nenhum mecanismo que consista em impulsionamento ilegal ou disparo em massa de conteúdo. Os “amigos” que constavam no perfil pessoal original do candidato e não concordaram com a mudança puderam desligar-se do perfil ou expressar seu inconformismo com a mudança do conteúdo, como se vê em mensagens veiculadas na representação.

Cumpre salientar que o art. 28, §1º, da Resolução TSE nº 23.610/2019 permite que sejam “mantidos durante todo o pleito eleitoral os mesmos endereços eletrônicos em uso antes do início da propaganda eleitoral”. É dizer, não há obrigatoriedade de usar durante a campanha o mesmo perfil utilizado na précampanha, e tampouco há proibição de que os endereços eletrônicos preexistentes sejam utilizados durante a campanha, de modo que o direcionamento do perfil pessoal do candidato, para assumir a veiculação de mensagens políticas durante o período eleitoral, desde que previamente informado à Justiça Eleitoral, não caracteriza, por si só, algo irregular.

A estratégia utilizada para incorporar os “amigos” e “seguidores”, antes associados apenas à página pessoal, não pode ser considerada ilegal. Todos estes, uma vez cientes da transmutação do perfil pessoal em perfil eleitoral, poderão se desvincular da página, dando oportunidade a que o grupo político opositor eventualmente demonstre a queda no número de “amigos” e “seguidores”.

Nesse sentido, a estratégia adotada respeita a transparência, pois está claro para todos os usuários do Facebook que visitam e compartilham mensagens daquele perfil a natureza assumida pela página, não se vislumbrando a ocorrência de manipulação ou fraude.

Tal dinâmica faz parte do jogo eleitoral e cabe a cada candidato e a cada partido tentar angariar apoio em suas redes sociais, por meio dos mecanismos próprios de engajamento e atração que estas proporcionam. Todos os candidatos têm igual oportunidade para ter “relevância digital”, restando garantida a isonomia em virtude da mesma possibilidade de acesso. Não cabe à Justiça Eleitoral intervir para limitar a influência que os candidatos angariem licitamente, sobretudo se não estiver demonstrado abuso de poder econômico, político ou midiático.

Dessa forma, a manutenção da sentença é medida que se impõe.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo conhecimento e desprovimento do recurso, mantendo integralmente a sentença que julgou improcedente a presente representação.