REl - 0600292-89.2020.6.21.0082 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/04/2021 às 14:00

 VOTO

O recurso é tempestivo.

A sentença (ID 18757983) recorrida imputou ao eleitor a pena de suspensão de função pública, ao fundamento de que a documentação apresentada (ID 18757833) seria inidônea. Observe-se o que consta na sentença:

Conforme a bem-lançada certidão do ID 55895041, de lavra da diligente Chefe do Cartório Eleitoral, o atestado odontológico apresentado pelo mesário faltoso apresenta sérios indícios de fraude.

Veja-se que o atestado sequer tinha o nome do profissional que o firma, sendo o CRO aposto à mão ao final – nem mesmo há carimbo no documento.

O documento, ademais, é datado de 14/11/2020, um sábado. Em contato com a Clínica Odontológica “Dental Center”, a Chefe do Cartório obteve informação de que a clínica não funciona aos sábados.

Feito contato telefônico com o mesário faltoso, possibilitando que apresentasse explicação plausível, o mesário praticamente confessou que obteve o atestado com uma dentista “parente sua”.

Há, pois, reitero, fundados indícios de fraude no documento apresentado.

Não acolho, por essas razões, a justificativa do mesário.

Passo ao sancionamento:

Conforme certidão do ID 56018710, o mesário faltoso é servidor público municipal. Dessa forma, incide à espécie a previsão do artigo 124, §2º, do Código Eleitoral.

Reputo gravíssima a conduta do mesário, pois tentou justificar a falta apresentando em juízo documento fraudulento.

Por todas essas razões, imponho ao mesário ANDRE BECKER EVANGELHO a pena de suspensão de sua função pública pelo prazo de 15 dias, com desconto proporcional de seus vencimentos.

 

Em seu recurso, André Becker Evangelho demonstrou que recebeu atendimento odontológico no sábado, fora do consultório, em caráter de emergência, visto que havia quebrado um dente. O atestado foi juntado aos autos, possui o CRO/RS da profissional que realizou o procedimento e a CID da enfermidade tratada.

Com efeito, assiste razão ao recorrente. Tenho que o documento é idôneo e a ausência ao pleito está plenamente justificada, na medida em que não existe nenhuma comprovação de que o atestado não foi emitido pela profissional que assina o documento.

O fato de o eleitor referir que “conseguiu o atestado com a dentista” não deve ser interpretado como um ato de má-fé, visto que, na sequência, confirma ter recebido o atendimento odontológico (ID 18757883).

Com esse mesmo entendimento, a Procuradoria Regional Eleitoral (ID 24408933):

Contudo, tem-se que o contexto fático trazido na apelação, apesar de não estar acompanhado por outros elementos de prova, é plausível se consideradas as informações trazidas aos autos. Primeiro, porque a identificação da profissional signatária, pelo número do CRO, é fácil de se obter mediante pesquisa no sítio do Conselho Federal de Odontologia (https://website.cfo.org.br/profissionais-cadastrados/? cro=RS&categoria=todas&especialidade=todas&inscricao=18514&nome=), percebendo-se que, realmente, o número de inscrição 18514 corresponde a Tagila Prates Ribeiro. Depois, porque, na certidão lavrada pela serventuária do cartório eleitoral, percebe-se que o mesário, longe de confessar que teria produzido, em conluio com a profissional, um atestado forjado, insiste que efetivamente realizou o procedimento com a dentista Tagila em consultório em São Gabriel, ocasião em que “extraiu um dente”. Ora, tal asserção, feita de maneira espontânea pelo mesário, confere com o código da “CID 10 K08.1” aposto no atestado, que se refere ao gênero “outros transtornos dos dentes e de suas estruturas de sustentação” e à espécie “perda de dentes devida a acidente, extração ou a doenças periodontais localizadas”. A afirmação, sustentada por pessoa leiga e, até então, sem qualquer instrução sobre a forma de dirigir a sua defesa, aponta para a veracidade do atestado produzido. Outrossim, o fato de confirmar “que conseguiu o atestado com a dentista Tagila e que seria meio parente sua” não deve ser lido de maneira dissociada das informações constantes no parágrafo anterior da certidão, em que a serventuária relata que o objetivo da diligência era esclarecer a identidade do profissional que assinou o atestado, além do fato apurado de que a clínica odontológica não funcionava aos sábados. Nesse contexto, parece factível que o mesário tenha apenas confirmado a identidade da profissional com quem obteve o atestado e que a informação do parentesco seja para justificar o atendimento em um sábado ante a emergência alegada, não sendo, ademais, raro que cirurgiões dentistas possuam mais de um local de trabalho, bem como que possam efetivar diagnósticos, encaminhamentos e pequenos procedimentos sem todo o instrumental de uma clínica odontológica. Assim, parece razoável com os elementos colhidos nos autos que o recorrente tenha sofrido uma lesão dentária e procurado uma dentista próxima, pois seria uma emergência em um sábado, tendo a mesma efetivado o diagnóstico, um procedimento condizente com a urgência e o medicado. Ademais, tendo em vista a precariedade da instrução realizada, aliada ao fato de que não foi realizada qualquer perícia que pudesse elidir a versão apresentada pelo mesário, cabível a aplicação, ao caso, do princípio do in dubio pro reo, visto que se trata de aplicação de sanção. Desse modo, impõe-se o provimento do recurso, com o afastamento da sanção imposta na sentença.

 

Dessa forma, diante das peculiaridades do caso concreto, tenho que restou comprovado o motivo da ausência do recorrente  ao pleito, devendo a sentença ser reformada.

Diante do exposto, VOTO pelo PROVIMENTO do recurso, a fim de reformar a sentença e acolher a justificativa de ausência do mesário ao pleito.