REl - 0600530-86.2020.6.21.0057 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/04/2021 às 14:00

VOTO

Inicialmente, consigno que merece acolhida a preliminar arguida pela Procuradoria Regional Eleitoral, ao requerer o não conhecimento do recurso quanto ao Democratas de Uruguaiana, em razão de o partido ter formado coligação com a também recorrente Coligação Uruguaiana Para Todos para disputar as eleições majoritárias de 2020.

No Município de Uruguaiana, a eleição de 2020 para os cargos de prefeito e vice-prefeito foi decidida em segundo turno, e a ação foi ajuizada conjuntamente em 18.11.2020 pelo partido e a coligação, oportunidade em que a legenda partidária não detinha legitimidade ativa ad causam para atuar isoladamente perante a Justiça Eleitoral, nos termos do art. 6º, §§ 1º e 4º, da Lei das Eleições e da jurisprudência consolidada sobre o tema.

Segundo o disposto no art. 6º, § 4º, da Lei n. 9.504/97, o partido político coligado somente detém legitimidade para atuar de forma isolada no processo eleitoral quando questionar a validade da própria coligação, durante o período compreendido entre a data da convenção e o termo final do prazo para a impugnação do registro de candidatos.

A questão não se refere exclusivamente à ilegitimidade para a causa, mas também à falta de interesse processual do partido isolado (art. 17 do CPC), pois apenas a coligação formada para a disputa majoritária tem interesse no ajuizamento da ação.

O tema foi enfrentado por esta Corte em 27.10.2020, no julgamento do recurso REL 060034645, da relatoria do Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes.

Assim, em relação ao recorrente Democratas de Uruguaiana, não conheço do recurso interposto e julgo extinto o feito sem resolução do mérito por ausência de legitimidade e de interesse para figurar no polo ativo da ação, nos termos do art. 485, inc. VI, do CPC.

No mérito, o recurso postula a condenação dos recorridos por abuso de poder político ou de autoridade e pela prática de condutas vedadas aos agentes públicos, com fundamento nos seguintes dispositivos legais:

Constituição Federal

Art. 14 (...)

(...)

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

 

Lei das Inelegibilidades

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (Vide Lei nº 9.504, de 1997)

 

Lei das Eleições

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:

a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;

b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;

c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;

d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;

e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários;

 

De acordo com a inicial, os ilícitos teriam sido praticados no dia 29 de outubro de 2020 contra o eleitor Antônio Marcelo, o qual compareceu ao Hospital Santa Casa de Uruguaiana e recebeu a informação, do Sr. Wilson do RH, de que fora retirado do processo de seleção para a vaga de técnico de radiologia em razão de estar acompanhando certo “candidato”, e que a ordem teria sido dada pela própria administração do nosocômio.

A bem-lançada sentença concluiu pela improcedência dos pedidos, entendendo, corretamente, que o fato descrito nos autos não foi comprovado e nem se enquadra nos verbos nucleares previstos no inc. V do art. 73: nomear, contratar, admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens, por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional, ou remover, transferir ou exonerar servidor público ex officio.

Transcrevo as razões da decisão recorrida, cujos fundamentos adoto como razões de decidir:

A simples leitura do tipo já atesta que a conduta imputada aos investigados não concretiza o suporte fático da regra acima transcrita. Com efeito, o que se alega é que o aludido prejudicado teria sido preterido em relação a outros candidatos em seleção para a contratação de técnico em radiologia da Santa Casa de Caridade. Tal situação não se enquadra em nenhum dos verbos nucleares acima grifados.

O primeiro ponto que merece destaque é o fato de a seleção não ter objetivado a contratação, a rigor, de servidor público, sendo o posto de trabalho vinculado à Santa Casa, entidade que, embora esteja a sofrer requisição administrativa, ainda ostenta o caráter de pessoa jurídica de direito privado, tendo mantido o CNPJ próprio  - 98.416.225/0001-28 - (inteligência do art. 3º o Decreto Municipal 002/2019). Destarte, o processo seletivo não deu azo a um vínculo direto entre os contratados e a administração.

Em situação análoga, na qual não havia vínculo direto entre a Administração Publica e o contratado, o E. TSE afastou a caracterização da regra acima transcrita:

CHAPA ÚNICA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ABUSO DE PODER POLÍTICO. DISTRIBUIÇÃO DE BRINDES. COMEMORAÇÃO DO DIA DAS MÃES. AUSÊNCIA DE PROVA DO INTUITO ELEITORAL DO EVENTO. JORNAL. REALIZAÇÕES DO GOVERNO. TRATORES E INSUMOS AGRÍCOLAS. CONTINUIDADE DE PROGRAMA SOCIAL. AULA MAGNA. INAUGURAÇÃO DE OBRA PÚBLICA. DESCARACTERIZAÇÃO. USO DE SÍMBOLO. COMPETÊNCIA. COMPARECIMENTO PESSOAL. ENTREGA DE TÍTULOS FUNDIÁRIOS. ATO DE GOVERNO. VALE SOLIDARIEDADE. PROGRAMA DO GOVERNO
ANTERIOR. ENTREGA EM DOBRO NÃO COMPROVADA. CONDUTA VEDADA. SERVIDOR PÚBLICO OU AGENTE PÚBLICO. ESTAGIÁRIOS. CONTRATAÇÃO.
(...)
10. Ainda que se admita interpretação ampliativa do disposto no art. 73, V, da Lei 9.504/97 é necessário, ao menos, vínculo direto com a Administração.
11. Não comprovada a ligação entre as contratações e a campanha eleitoral, eventuais irregularidades devem ser apuradas em outras instâncias.
12. Recurso ordinário desprovido.
(Recurso Ordinário nº 2233, Acórdão, Relator(a) Min. Fernando Gonçalves, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 10.3.2010, Página 13/14.) (Grifei.)

No corpo do acórdão, bem explicou o Ministro Fernando Gonçalves:

Consoante se vê dos comentários ora apresentados, ainda que se admita interpretação ampliativa ao dispositivo em comento, é necessário ao menos que haja alguma forma de vínculo entre o contratado e a administração pública, o que não ocorre no caso de terceirizados. Deve ser considerado, ainda, ser impertinente a utilização de interpretação ampliativa no que toca a normas restritivas de direito, mormente se implicam na aplicação de sanção. Assim, nada há a reparar na conclusão do aresto recorrido quando afasta a incidência da vedação contida no art. 73, V, da Lei 9.504/97 à espécie. (Grifei.)

 Não bastasse isto, Antônio Marcelo não foi nomeado, contratado, admitido, demitido, sem justa causa, readaptado, removido, transferido ou exonerado, tido vantagens suprimidas ou, ainda dificultado ou impedido o exercício funcional.

Ora, é certo que acabou não sendo selecionado, não havendo de se cogitar da configuração dos verbos nomeado e admitido. Como nem chegou a ser contratado, não há como se confundir sua não seleção com os atos de demissão ou exoneração, muito menos há de se cogitar de readaptação (investidura em novo cargo compatível com limitações de saúde do servidor), remoção ou transferência, ou, ainda, a supressão de vantagens e a obstrução de exercício funcional, figuras que pressupõe a investidura no cargo.

Ao contrário do exposto pelos investigantes em sede de memoriais, o apontado Antônio Marcelo não fazia jus a qualquer vantagem, tampouco foi impedido de exercer sua função, isto só teria, eventualmente, ocorrido caso ele já fosse servidor público. Não o sendo, não há como se cogitar o exercício de qualquer função pública impedida ou dificultada, tampouco a supressão de vantagens típicas e já percebidas somente por quem tem vínculo com a administração e não com quem meramente pretende tê-lo.

A situação narrada só poderia ser enquadrada na regra em exame acaso se lançasse mão de uma interpretação analógica e/ou extensiva, todavia, as regras que tipificam condutas vedadas exigem interpretação estrita ou até mesmo restrita, uma vez que restringem a capacidade eleitoral passiva do cidadão, o direito fundamental dele concorrer no processo democrático de escolha da representação popular.  

Regras dessa natureza não podem ser interpretadas extensiva ou analogicamente, sob pena de o Juiz, com a colaboração das partes que o provocaram e participaram do processo judicial, e, em afronta ao princípio da separação das funções de Estado (art. 2º da CF), arvorar-se na condição de legislador, criando um obstáculo não previsto para a participação no processo eleitoral. 

Nesse sentido, também já se manifestou o TSE, consoante exposto no julgado antes referido e, conforme também exemplifica a ementa abaixo:     

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. ABUSO DO PODER POLÍTICO. GOVERNADOR. VICE-GOVERNADOR. CONDUTA VEDADA. SERVIDOR PÚBLICO. PODER LEGISLATIVO. CESSÃO. PREVISÃO LEGAL. AUSÊNCIA. RESTRIÇÃO DE DIREITOS. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.
1. A vedação contida no art. 73, III, da Lei nº 9.504/97 é direcionada aos servidores do Poder Executivo, não se estendendo aos servidores dos demais poderes, em especial do Poder Legislativo, por se tratar de norma restritiva de
direitos, a qual demanda,  portanto, interpretação estrita. 
2. Nas condutas vedadas previstas nos arts. 73 a 78 da Lei das Eleições imperam os princípios da tipicidade e da legalidade estrita, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previsto na lei (REspe n. 626-30/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 4.2.2016).
3. Agravo regimental desprovido.
(Recurso Especial Eleitoral n. 119653, Acórdão, Relator(a) Min. Luciana Lóssio, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 12.9.2016, Página 31.) (Grifei.)

Em assim sendo, ainda que se considerasse comprovado que o aludido  técnico em radiologia fora excluído da seleção por ato abusivo do prefeito, o que não foi considerado provado para este Juízo, conforme abaixo se demonstrará, a conduta vedada em exame não teria restado configurada, uma vez que o seu suporte fático difere da situação narrada. Por conseguinte, a demanda improcede no ponto.

2.2.2 Abuso de poder de autoridade (art. 14, § 9º da CF e art. 237 do CE).

Conforme já mencionado, os investigantes também invocaram as regras dispostas art. 14, § 9º da CF e art. 237 do CE, argumentando que a situação narrada configuraria abuso de autoridade. Para bem aclarar o ponto, transcrevo as regras invocadas:

Art. 14 (...)

§ 9º  Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Grifei.)

Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos. (Grifei.)

Diante da natureza de conceito jurídico indeterminado do abuso de autoridade ou abuso do poder de autoridade (art. 22, caput da lei Complementar nº 64/1990), a situação narrada na inicial é hábil a configurar, em tese, um ato abusivo, uma vez que o Prefeito investigado teria, por interposta pessoa, determinado a preterição de candidato ao emprego de técnico em radiologia na Santa Casa.

Cabe, contudo, verificar se a aludida situação concretizou-se ou não nos termos narrados. Sobre o ponto, a primeira questão que deve ser solvida é a prejudicial concernente à admissão ou não da gravação clandestina realizada por Antônio Marcelo como prova.

O primeiro ponto que deve ser esclarecido é a necessária diferenciação entre a gravação, no caso ambiental, ainda que clandestina e a interceptação de conversa travada presencialmente, por telefone ou qualquer outro meio.

Basicamente, podem se distinguir três espécie de captação de diálogos: a interceptação, a escuta e a captação e/ou gravação direta. A interceptação diz respeito à captação da conversa por um terceiro, sem que os interlocutores tenham conhecimento. A escuta corresponde à captação do diálogo também por um terceiro, todavia, desta feita, um dos interlocutores tem conhecimento de que a conversa está sendo captada. Por fim, a captação e/ou gravação direta ocorre quando um dos interlocutores, ainda que sem o conhecimento do outro, promove a gravação do diálogo.

Nessa mesma linha, a lição de Lenio Streck:

A doutrina, a conceituar interceptação, tem estabelecido subdivisões: (a) interceptação em sentido  estrito - captação da conversa por terceiro , sem a ciência de somente um interlocutor dos interlocutores; (b) escuta telefônica - captação da conversa com o conhecimento de somente um dos interlocutores. Ambas estão abrangidas pelo inciso XII [art. 5º CF], submetendo-se consequentemente, ao regramento da Lei n. 9.296/96. Situação distinta ocorre quando o próprio interlocutor grava a conversa, hipótese em que o Supremo Tribunal Federal  já entendeu como válida a prova daí decorrente, com o fundamento de que a garantia constitucional do sigilo refere-se à interceptação telefônica de conversa mantida por terceiros.  (Streck Lênio et. al. Comentários à Constituição do Brasil. 1ª ed. Saraiva. São Paulo. 2013. p. 292.) (Grifei.) 

Conforme se pode observar, a situação do presente feito não se confunde com àquelas abrangidas pelo o art. 5º XII, da CF e a respectiva Lei nº 9.296/1996 que o regulamentou. Trata-se, isto sim, de gravação ambiental, de captação direta feita por um dos interlocutores, no caso Antônio Marcelo.

Ressalte-se, tal circunstância é incontroversa nos autos. Alias, também incontroverso é o reconhecimento de que o diálogo foi travado entre Antônio e Vilson, na data aludida, não tendo sido invocada a falsidade da gravação apresentada.

A gravação direta, tal como a trazida aos autos, é aceita em nosso ordenamento jurídico, já tendo a questão sido definida pelo Pretório Excelso, ao fixar a tese do Tema 237, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 583937 QO-RG / RJ. In verbis:

É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.

Para bem aclarar a questão, vide a ementa do julgado:

AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.
(RE 583937 QO-RG, Relator(a): CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 19/11/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-10 PP-01741 RTJ VOL-00220-01 PP-00589 RJSP v. 58, n. 393, 2010, p. 181-194.) (Grifei.)

Cumpre consignar que tendo a tese sido fixada em julgamento com repercussão geral reconhecida, sua observância é obrigatória (inteligência do art. 1.039, caput, do CPC).

Há de se reconhecer que, na seara eleitoral, a jurisprudência ainda não se sedimentou, estando pendente de julgamento do Tema 979. Não obstante, não há motivo para divergência. Ora, se no processo penal, no qual os standarts probatórios são até mais rígidos, admite-se a prova obtida por meio de gravação direta clandestina, com mais razão, essa pode ser admitida no processo que tenha por objeto Direito Eleitoral.

Nesse sentido, é importante ressaltar que, a partir de 2012, o TSE passou a considerar como lícita a prova obtida por meio da captação direta, abandonando o entendimento de que tal prova só seria admissível mediante prévia autorização judicial, o que, praticamente, inviabilizava a admissão, colocando a margem da lei inúmeros flagrantes de ilícitos eleitorais. Nessa linha, bem exemplificam os julgados cujas ementas abaixo colaciono:

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. REPRESENTAÇÃO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. LICITUDE. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. TEMA DE FUNDO. OFERECIMENTO DE DINHEIRO EM TROCA DE VOTOS. PROVA ROBUSTA. REEXAME. PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 24/TSE. DESPROVIMENTO. 1. Recurso especial eleitoral interposto contra acórdão unânime do TRE/RS em que se mantiveram perda de diploma e multa impostas ao recorrente, Vereador de Guaporé/RS eleito em 2016, por compra de votos em reunião ocorrida no curso da campanha com inúmeros eleitores (art. 41-A da Lei 9.504/97). 2. O recorrente impugna, sob dois fundamentos, a licitude da filmagem em que aparece dialogando com eleitores: a) cuida-se de interceptação ambiental; b) ainda que se tratasse de gravação, ela ocorreu em ambiente particular, sem conhecimento dos demais interlocutores e sem decisum judicial que a autorizasse. 3. Segundo o TRE/RS, apesar de não identificada a pessoa que realizou a filmagem, "os vídeos [...] permitem verificar claramente que ela estava inserida no diálogo" e que "era também destinatári[a] da fala do candidato" (fl. 170), não havendo falar em interceptação. Concluir de modo diverso implicaria reexame de fatos e provas (Súmula 24/TSE).4. A teor da jurisprudência firmada por esta Corte para as Eleições 2016, em regra afigura-se lícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento dos demais, ainda que em ambiente privado. 5. Não consta do aresto qualquer circunstância que denote induzimento dos diálogos, razão porque entender de forma diversa esbarra no óbice da Súmula 24/TSE. 6. O caso dos autos é ainda mais emblemático, pois a reunião ocorreu em ambiente particular com acesso franqueado a qualquer um do povo (pátio externo da residência do candidato), o que reforça a licitude da prova, conforme jurisprudência. 7. O TRE/RS assentou que "as pessoas estavam dispostas em roda, e o candidato estava em pé, falando a todos" e que "o diálogo também ocorre entre o representado e alguma pessoa que nem sequer aparece na filmagem, evidenciando o alcance de sua fala para todos os presentes" (fl. 170). Ademais, o próprio recorrente admite no recurso especial (fl. 184) e no agravo (fls. 213-214) que a reunião ocorreu no pátio externo de sua residência. 8. Quanto ao tema de fundo, a moldura fático-probatória do aresto é clara no sentido de que o recorrente ofereceu dinheiro a eleitores em encontro realizado no curso da campanha, visando obter os votos destes, configurando-se captação ilícita de sufrágio. 9. Segundo a Corte a quo: a) "o candidato [...] claramente ofereceu o valor de R$ 150,00 à eleitora Dalva Aparecida da Silva, afirmando que entregaria R$ 100,00 para a eleitora [...] 'se vocês nos ajudarem depois...'"; b) "em seguida, a eleitora Dalva tranquiliza o candidato: 'a gente se acerta com quem se acerta com a gente'"; c) "os eleitores conversam sobre os santinhos, afirmando 'tem que ser o 12 [número do recorrente]'"; d) "para não deixar dúvidas de que a 'ajuda' solicitada se referia ao voto dos presentes, o candidato ainda tratou de distribuir santinhos aos eleitores, os quais ainda confirmaram o número da legenda na qual votariam" (fl. 170v). 10. Os testemunhos a que se reportou o recorrente são contraditórios e incapazes de infirmar o teor dos diálogos. 11. Conclusão diversa demandaria reexame de fatos e provas, providência inviável em sede extraordinária (Súmula 24/TSE). 12. Recurso especial desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 29873, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 190, Data: 01.10.2019, Página 27.) (Grifei.)

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2012. CANDIDATOS A PREFEITO (PAI E FILHO). AÇÃO PENAL. CRIME DE CORRUPÇÃO. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. LICITUDE. RESIDÊNCIA. ACESSO FRANQUEADO A QUALQUER UM DO POVO. NATUREZA PRIVADA. RELATIVIZAÇÃO. NEGATIVA DE PROVIMENTO.1.  No decisum monocrático, de relatoria do e. Ministro Jorge Mussi, proveu-se em parte o apelo dos agravantes - Prefeito de Paulínia/SP eleito em 2012 e seu genitor - tão somente para afastar o aumento de 1/3 da pena e, por conseguinte, fixar a pena de reclusão em 1 ano e 5 dias-multa. No mérito, manteve-se aresto unânime do TRE/SP que os condenou pela prática de corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral). 2.  Diálogos travados em ambiente particular - porém com acesso franqueado a qualquer um do povo - não estão protegidos pelas garantias constitucionais de privacidade e intimidade (art. 5º, X, da CF/88), inexistindo resguardo de sigilo por parte de candidato que realiza reunião em residência com inúmeras pessoas. Precedentes.3.  Licitude da prova dos autos assentada por esta Corte no julgamento das respectivas ações cíveis-eleitorais envolvendo os mesmos fatos (REspes 816-34 e 817-19, redator para acórdão Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 22/5/2019).4.  A moldura fática do aresto a quo revela que a demanda foi instruída com gravação ambiental realizada em dormitório de uma residência, em que Edson Moura e Edson Moura Junior figuram recebendo eleitores e lhes entregando dinheiro.5.  Os agravantes impugnam, sob dois fundamentos, a licitude da filmagem em que aparecem com eleitores: a) a hipótese cuida de ambiente privado; b) falta de identificação da pessoa responsável por captar as imagens.6.  Na espécie, apesar de o vídeo ter sido gravado em dormitório, os agravantes renunciaram à expectativa de privacidade ao receberem ali inúmeros eleitores, ainda que de forma individual.7.  Ademais, segundo o TRE/SP, apesar de não identificada a pessoa que realizou a filmagem, "a gravação ambiental, ainda que realizada de forma clandestina, desde que por iniciativa de um dos interlocutores, o que, segundo se infere da prova, ocorreu no caso em tela, não constitui prova ilícita" (fl. 1.144), não havendo falar em interceptação.8.  A Corte a quo consignou, ainda, que, "no âmbito da materialidade delitiva, a prova é complementada pelos documentos relativos às gravações ambientais (fls. 47/55 e 81/94), laudo de degravação de imagens (fls. 131/187), bem como pela prova oral da acusação, a teor do art. 167, do Cód. de Proc. Penal" (fl. 1.147).9.  Conclusão em sentido diverso demandaria reexame de fatos e provas, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.10.  Agravo interno a que se nega provimento.
(Recurso Especial Eleitoral nº 82241, Acórdão, Relator(a) Min. Luis Felipe Salomão, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 16.3.2020.) (Grifei.)

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. VEREADOR. ART. 41-A DA LEI N° 9.504/97. ART. 22 DA LC N° 64/90. PRELIMINAR. GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LICITUDE DA PROVA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. OFERTA DE BENESSES EM TROCA DE VOTO. CONFIGURAÇÃO. ABUSO DE PODER POLÍTICO OU DE AUTORIDADE. NÃO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. 1. A jurisprudência que vem sendo aplicada por este Tribunal Superior, nos feitos cíveis-eleitorais relativos a eleições anteriores a 2016, é no sentido da ilicitude da prova obtida mediante gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais e desacompanhada de autorização judicial, considerando-se lícita a prova somente nas hipóteses em que captada em ambiente público ou desprovida de qualquer controle de acesso.  2. Não obstante esse posicionamento jurisprudencial, mantido mormente em deferência ao princípio da segurança jurídica, entendimentos divergentes já foram, por vezes, suscitados desde julgamentos referentes ao pleito de 2012, amadurecendo a compreensão acerca da licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais e sem autorização judicial. 3. À luz dessas sinalizações sobre a licitude da gravação ambiental neste Tribunal e da inexistência de decisão sobre o tema em processos relativos às eleições de 2016, além da necessidade de harmonizar o entendimento desta Corte com a compreensão do STF firmada no RE n° 583.937/RJ (Tema 237), é admissível a evolução jurisprudencial desta Corte Superior, para as eleições de 2016 e seguintes, a fim de reconhecer, como regra, a licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e sem autorização judicial, sem que isso acarrete prejuízo à segurança jurídica. 4. A despeito da repercussão geral reconhecida pelo STF no RE n° 1.040.515 (Tema 979) acerca da matéria relativa à (i)licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais nesta seara eleitoral, as decisões deste Tribunal Superior sobre a temática não ficam obstadas, dada a celeridade cogente aos feitos eleitorais. 5. Admite-se, para os feitos referentes às Eleições 2016 e seguintes, que sejam examinadas as circunstâncias do caso concreto para haurir a licitude da gravação ambiental. Ou seja, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais e sem autorização judicial, em ambiente público ou privado, é, em regra, lícita, ficando as excepcionalidades, capazes de ensejar a invalidade do conteúdo gravado, submetidas à apreciação do julgador no caso concreto, de modo a ampliar os meios de apuração de ilícitos eleitorais que afetam a lisura e a legitimidade das eleições. 6. No caso, analisando o teor da conversa transcrita e o contexto em que capturado o áudio, a gravação ambiental afigura-se lícita, visto que os recorrentes protagonizaram o diálogo, direcionando-o para oferta espontânea de benesses à eleitora, de modo que restou descaracterizada a situação de flagrante preparado. 7. O ilícito descrito no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 se consubstancia com a oferta, a doação, a promessa ou a entrega de benefícios de qualquer natureza, pelo candidato, ao eleitor, em troca de voto, que, comprovado por meio de acervo probatório robusto, acarreta a cominação de sanção pecuniária e a cassação do registro ou do diploma.8. Acertada a decisão regional, visto que, a partir do teor da conversa anteriormente transcrito, objeto da gravação ambiental, depreende-se ter havido espontânea oferta de benesses, pelos recorrentes, à eleitora Juscilaine Bairros de Souza e seus familiares - oferecimento da quantia de R$ 500,00 (quinhentos reais), facilitação do uso dos serviços médicos da Unidade de Saúde Moisés Dias, oferta de gasolina e de veículos para transportar, no dia das eleições, os parentes que moram em outro município e promessa de emprego para o marido da eleitora -, vinculada ao especial fim de obter votos para o então candidato Gilberto Massaneiro, que participou ativamente da conduta. 9. O art. 22, XVI, da LC n° 64/90, com a redação conferida pela LC n° 135/2010, erigiu a gravidade como elemento caracterizador do ato abusivo, a qual deve ser apurada no caso concreto. A despeito da inexistência de parâmetros objetivos, a aferição da presença desse elemento normativo é balizada pela vulneração dos bens jurídicos tutelados pela norma, quais sejam, a normalidade e legitimidade das eleições, que possuem guarida constitucional no art. 14, § 9°, da Lei Maior. 10. Consoante jurisprudência deste Tribunal Superior, o abuso do poder político ou de autoridade insculpido no art. 22, caput, da LC n° 64/90, caracteriza-se quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade e a legitimidade da disputa eleitoral em benefício de candidatura própria ou de terceiros (RO n° 172365/DF, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 27.2.2018; RO n° 466997/PR, Rel. Gilmar Mendes, DJe de 3.10.2016; REspe n° 33230/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 31.3.2016). 11. Na hipótese dos autos, em que pese a moldura fática evidencie o uso desvirtuado da instituição pública, as circunstâncias não se afiguram suficientemente graves para macular a legitimidade e a isonomia do pleito, porquanto os fatos comprovados no acórdão cingem-se à eleitora específica e à ocasião única, o que, embora aptos a caracterizar captação ilícita de sufrágio, mostram-se inábeis para atrair a gravidade necessária à configuração do ato abusivo. 
12. Recurso especial parcialmente provido apenas para afastar a configuração do abuso do poder político em relação a ambos os recorrentes, mantendo-se a condenação de Gilberto Massaneiro pela prática de captação ilícita de sufrágio. Julgo prejudicado o pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso especial.
(Recurso Especial Eleitoral nº 40898, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 150, Data: 06.8.2019, Página 71/72.) (Grifei.)

O último julgado acima citado bem delineia a evolução da jurisprudência do TSE, que passou a admitir, via de regra, a captação direta como meio de prova.

No que concerne as particularidades do caso posto, nenhum circunstância evidencia a ilicitude do meio de prova. Com efeito, a conversa foi gravada na sala de um dos interlocutores, localizada no setor de RH do hospital. O mesmo interlocutor gravado foi quem chamou o interlocutor que gravou para a conversa e, de forma espontânea, falou o que foi captado. Nada no conteúdo da conversa expõe a intimidade e a vida privada do interlocutor gravado, mas sim a atuação dele durante o processo de seleção para a contratação de empregado do hospital. Destarte, não há nada que justifique a não admissão da prova obtida pela gravação, cabendo ressaltar que a Constituição salvaguarda a vida privada e não a prática de ilícitos, sejam eles de que natureza o for, penais, eleitorais, trabalhistas ou administrativos. 

Reconhecida a admissibilidade da prova obtida por meio da gravação juntada aos autos (entregue em cartório, transcrita na inicial), passo, propriamente, à análise das alegações de fato controvertidas.

A contratação de trabalhadores pela Santa Casa, conforme referido pela testemunha Vilson (vide depoimento do evento 54712619, a partir do trecho de 02 minutos e 06 segundos), deveria seguir a diretriz estabelecida no procedimento operacional padrão juntado no evento 48102649. Segundo consta no documento ,o procedimento consubstancia-se nas seguintes etapas (1) processo inicial, consistente no recebimento pelo RH da requisição de vaga; (2) divulgação da vaga existente; (3) seleção de candidatos composta pela seleção de currículos, explanação em grupo sobre as características da vaga, entrevista individual, avaliação psicológica, prova de conhecimentos específicos (se necessário), reunião consenso entre RH, o setor demandante da vaga e a Psicóloga.

No caso em tela, a seleção não teria seguido estritamente o procedimento operacional padrão exposto. É o que se constata a partir das declarações da testemunha Vilson (vide depoimento do evento 54712619, a partir do trecho de 05 minutos e 22 segundos e trecho de 06 minutos e 22 segundos da mídia do evento 54712629), relatando que primeiro foram consultados os antigos empregados da empresa terceirizada que trabalhavam no posto de saúde operando o aparelho de RX.

Ademais, no ofício de comunicação interna (evento 48102648), tal informação resta confirmada, tendo sido referido que, primeiramente, foram entrevistados dois técnicos somente, entre eles, Antônio Marcelo, diante da urgência para a contratação. Os referidos entrevistados teriam sido encaminhados para exames preliminares. Depois, tendo sido constatado que o aparelho de RX estaria danificado, não podendo ser operado, de imediato, a seleção teria sido ampliada.

Um dos pontos centrais da controvérsia diz respeito ao motivo pelo qual Antônio Marcelo não teria sido contratado, sendo objeto do presente feito definir se tal motivação adveio de abuso de poder de autoridade dos investigados. No documento juntado no evento 48102650, não consta tal motivação, mas tão somente a classificação atribuída a ele, com a anotação da qualificação técnica e circunstâncias pessoais de cada candidato. No referido documento, consta que Antônio Marcelo teria sido o último classificado.

Ao prestar seu depoimento, a testemunha Vilson afirmou que tal classificação teria sido devida ao perfil de Antônio Marcelo, o qual, teria sido classificado como inadequado para trabalhar em grupo, sendo o candidato invasivo, insistente já tendo essas características sido apontadas em testes psicológicos que o candidato teria se submetido em seleções anteriores (vide trecho de 06 minutos e 35 segundos do evento 54712619).

As afirmações da testemunha não são corroboradas pelo próprio documento de seleção, uma vez que, nas anotações constantes nele, não há nada apontado neste sentido. Outrossim, a observação final dando conta de que: "poderão ser aproveitados todos os candidatos, de acordo com a necessidade de pessoal", também contradiz a afirmação de que o candidato pudesse ter qualquer impedimento de ordem psicológica para exercer o cargo.

A conversa obtida por meio da gravação clandestina acaba por evidenciar que a não classificação do candidato dentro do número de vagas não teve como mote a qualificação técnica dele, ainda que não se possa inferir pelos documentos juntados que ele ostente uma qualificação melhor do que aqueles que foram selecionados. Da mesma forma, não indica que um problema de ordem psicológica tenha sido o motivo para a não contratação. Para bem aclarar o tema transcrevo o áudio:

Vilson RH: Passa Dirceu Marcelo: (...)

Vilson RH: (...) Marcelo. E ai, Marcelo.

Marcelo: como tá o senhor?

Vilson RH: tudo bem? Senta aí. Marcelo me diz o que aconteceu aí que (...) o que aconteceu, na, nesse meio tempo que (...) que não estava funcionando lá a UPA (...).

Marcelo: sobre o que?

Vilson RH: sobre o funcionamento do raio X lá da UPA.

Marcelo: nada.

Vilson RH: tu não andava acompanhando alguém, ou coisa assim?

Marcelo: quem?

Vilson RH: tu, nós temos aqui informação (...).

Marcelo: a não, o Eliseu?

Vilson RH: não, tu. Tu não andava acompanhando o pessoal? (...) chegou uns comentários aqui pra administração aqui da Santa Casa (...)

Marcelo: hã?

Vilson RH: (...) e o pessoal daqui não ficou muito contente e pediu até pra te tirar do processo de seleção.

Marcelo: mas do que, que tão se referindo?

Vilson RH: tão se referindo de comentários aí que você tá acompanhando alguém, ou acompanhando candidatos e com documento de que não consertaram um aparelho que era coisa baratinha.

Marcelo: eu? Não!

Vilson RH: é, então (...)

Marcelo: Não, não, não! Eu já sei de onde vem isso!

Vilson RH: É dai chegou pra gente esses, essas funções aqui e a administração ficou bem desgostosa e disse: “não que, então, não segue nem com o processo de seleção”. Chegou pra nós informações da administração de que não é pra dar continuidade na tua seleção. Então chegou essas (...) Perguntei com quem tu andou envolvido nesse período aí, por que deu uma repercussão bem negativa.

Marcelo: Mas se eu tava envolvido na URGVET e (...)

Vilson RH: (...) sim, mas tem essas questões aí e mas chegou nesse formato e (...) como a forma negativa que chegou da administração e (...) só que pra nós chegou nesse sentido e (...).

Marcelo: Mas daí eles tem que me provar né? Porque só eles falando. Fala direto.

Vilson RH: (...) é foi a administração, disse que não quer ninguém envolvido, ou falando mal, dizendo que...nós não queríamos contratar, que era questão de 5, 10 mil, o custo do aparelho e que a gente tá fazendo corpo mole pra consertar, coisas nesse sentido. E aí (...) por esse caminho que chegaram pra gente é então (...)

Marcelo: (...)

Vilson RH: aí ontem foi o técnico consertou o aparelho, ele disse que o aparelho estragou porque foi batido, a gente identificou portas arrombadas que não estavam também lá, tem uma série de coisas que a gente identificou lá também. A gente tem que mandar ajustar lá daí foi o pessoal daqui de manhã, já fez o (...) no equipamento novo lá. E daí tô com essa tua situação que a administração mandou suspender por enquanto essa (...)

Marcelo: Tudo bem, tudo bem, mas vou procurar saber essa (...) (Grifei.)

 

O diálogo acima transcrito indica que a administração do hospital teria ficado insatisfeita com o fato de Antônio Marcelo ter a criticado, notadamente quanto ao não concerto do aparelho de RX e quanto a não pronta contratação de profissionais, tendo esta aludida versão sido transmitida para terceiros. Os trechos acima grifados deixam isto claro. Este é o que se evidencia ter sido o motivo que teria prejudicado a contratação de Antônio Marcelo e não propriamente a eventual participação dele em atos da campanha eleitoral.  

Tal circunstância fica ainda mais clara diante do depoimento da testemunha Vilson, Diretor do RH do hospital, interlocutor do diálogo acima transcrito. Vide, nesse sentido, os trechos pertinentes abaixo transcritos:

Trecho de a    partir de 10 minutos e 41 segundos da mídia constante no evento 54712619:

Promotor: o Senhor sabe se ele tinha envolvimento com alguma campanha política?

Testemunha Vilson: Não. 

Promotor: Alguém lhe falou isso, durante o processo seletivo? 

Testemunha Vilson: também não sei lhe afirmar. Não, durante o processo seletivo não era nem no período eleitoral. O processo seletivo acho que foi lá em junho. 

Ao ser questionado pelo investigante sobre o ponto (Trecho a partir de 05 minutos e trinta segundos da mídia constante no evento 54712628).

Investigante: "Marcelo pergunta: mas de que tão se referindo? Vilson: tão se referindo a comentários aí que você tá acompanhando alguém, ou acompanhando candidatos e com documentos de que não consertaram o aparelho que era coisa baratinha" Eu quero que o Senhor nos explique do que que se trata esse trecho? Por que que o Senhor falou isso? qual o motivo? 

Testemunha Vilson: Eu recebo comentários, ou informações no RH, como a gente busca em redes sociais, ou a gente analisa o perfil ou a própria rádio corredor, isso é muito comum em empresas grandes e chegou para mim informações nesse sentido, era isso que eu estava questionando ele. Essas informações que chegam.   

Investigante: Aí eu tenho que lhe perguntar: qual é o problema de ele andar com candidatos?Porque ele está em uma seleção, o Senhor é quem determina a seleção e o Senhor questiona ele, "olha, eu vou te tirar da seleção porque tu tá andando com candidato". Por que, gostaria de entender?

Testemunha Vilson: Não, não é isso aí, é a forma de como ele tá colocando quanto a empresa que ele vai estar trabalhando que a gente não está querendo arrumar o aparelho. 

Investigante: Mas isso o Senhor não falou aqui, falou sobre candidatos.

Testemunha Vilson: Mas nós falamos sobre isso de aparelho, não sei até onde vai essa conversa, o que que esta escrito aí, mas a gente tem e essa conversa dura mais de dez minutos.

Investigante: "Vilson e daí chegou para gente essas funções aí e administração ficou bem desgostosa e disse não, que então não segue nem com o processo de seleção, chegou para nós informações da administração que não é para dar continuidade na tua seleção, perguntei com quem tu andou envolvido nesse período aí porque deu uma repercussão bem negativa". Agora, o Senhor nos diga, qual informação que o Senhor teve de que com quem que ele andou?   

Testemunha Vilson: Não, a informação que eu tinha, eu disse rádio corredor ou redes sociais é que o Marcelo andava com documentos dizendo que a gente não estava querendo arrumar o aparelho de RX.

Investigante: Andava com quem, com candidatos? 

Testemunha Vilson: Andava por aí com documentos, não estou dizendo que eram candidatos, ele andava com documentos.

Investigante: O Senhor falou.

Testemunha Vilson: Sim, mas ele andava dizendo que não arrumavam o aparelho que a gente não queria.    

(...)

Investigante: Por que o Senhor falou de candidatos? O Senhor ficou sabendo que ele andou com candidatos?

Testemunha Vilson: Eu soube que ele andou nos bairros, dizendo que a gente não arrumava o aparelho porque a gente não queria.   

Trecho a partir de 09 minutos e 43 segundos da mídia constante no evento 54712629.

Juiz: O que que foi decisivo para o Antônio ficar em quinto?

Testemunha Vilson: O comportamento dele. dito pela psicóloga, não por mim. Porque a psicóloga já conhecia ele de um processo anterior, eu não estava no hospital ainda.  

Juiz: A psicóloga, então, a grosso modo disse que ele era uma "pessoa difícil", esta questão de ser invasivo. isso é o que o Senhor diz que foi decisivo.

Testemunha Vilson: Foi um dos itens que foi decisivo para a classificação dos candidatos.

(...)

Trecho a partir de 11 minutos e 03 segundos do evento 54712629 e trecho a partir de 00 minutos e 00 segundos da mídia do evento 54712630:

Juiz: E essa questão que o Senhor colocou para ele que ele estaria falando desse processo da Santa Casa de consertar o aparelho ou não isso pesou na hora  de contratá-lo?

Testemunha Vilson: Não. isso já tava. Quando eu chamei ele, isso, o processo de seleção já tinha sido feito antes. Nós tínhamos identificado quem seria.

Juiz: Na hora em que vocês fizeram o processo de seleção, isso aí, vocês levaram em consideração ou não?

Testemunha Vilson: Mas isso aí, quando a gente fez o processo de seleção, isso não tinha acontecido isso ainda.  

Juiz: Por que que o Senhor falou disso então? (...)

Testemunha Vilson: até onde eu vi que estava escrito aí, não tem toda a conversa que a gene teve.

Juiz: Tá, tudo bem, mas tem uma conversa, posso até lhe ler tá (...),  mas tem um conversa de o Senhor falando: "tão se referindo de comentários aí que você está acompanhando alguém", o Senhor falou isso aí (...) "acompanhando candidatos com documentos de que não consertaram o aparelho. que era coisa baratinha", o Senhor se lembra de ter conversado esses termos com ele.

Testemunha Vilson: Sim. Chega informação até pela rádio corredor lá (...), então a conversa era nesse sentido. Que tavam por aí falando que.

Juiz: Mas (...) não pesou. Por que o Senhor perguntou isso para ele?

Testemunha Vilson: (...) a gente estava conversando, eu queria esclarecimento do porque a entidade, a gente estava buscando consertar as coisas e ele fazendo comentário de que a gente (...) .

Juiz: Isso aí, desgostou o Senhor e a administração, como o Senhor coloca, porque estava sendo veiculado na campanha política ou porque estava externado alguma coisa dos processos internos do hospital?

Testemunha Vilson: Ele estava falando de um processo interno de que ele não tinha conhecimento. Na verdade é nesse sentido, né. E como é que tu vai falar mal de um lugar que tu vai trabalhar.

Juiz: Sim.

Testemunha Vilson: É nesse sentido. Ele estava falando mal do local que ele possivelmente iria trabalhar.

Juiz: isso chegou a ser tema da campanha politica eleitoral deste ano?

Testemunha Vilson: Não. 

O depoimento da testemunha deixa claro que foi a atitude de Antônio Marcelo de criticar a administração da Santa Casa, do próprio local que pretendia trabalhar, responsabilizando a administração pelo não conserto do aparelho de raio x perante a comunidade o fato que maculou a avaliação do perfil do referido candidato rejeitado na seleção do nosocômio e não propriamente a opinião político-partidária dele.

Tal fato, acaba sendo demonstrada, de forma, cristalina, a partir do depoimento da própria testemunha Antônio Marcelo: 

Trecho a partir de 07 minutos e 20 segundos da mídia do evento 48102648. 

Testemunha Marcelo: [Vilson] O que que tu andou fazendo desde o dia 10/06? eu digo, bah!, desde de o dia 10/06 eu não sei, "tu não anda com umas pessoas aí? " eu disse desde o dia 10/06, eu disse assim eu ajudei o Eliseu, a tirar o cabeçote.  "não é o Eliseu, puxa pela memória aí"  eu digo, mas eu não sei. Aí foi que ele falou, viram tu com papel, com documento, mostrando que tinha dinheiro para arrumar o raio x para pessoas de outro partido, isso ai não pegou bem, a administração pediu para cancelar o teu contrato por causa disso ...

(...)

 Promotor: (...) então ele lhe disse, claramente, que não iam lhe contratar porque lhe viram com pessoas de outro partido? o Senhor chegou a argumentar?

Testemunha Marcelo: Não. Eu fiquei pasmo, sabe porque, porque eu na minha concepção eu disse eu não vou me envolver com política porque eu não vou ser contratado, tanto é que se puxarem eu não tenho nada, eu não curtia nada, eu não falava nada, com medo de acontecer isso, né.  

Trecho a partir de 02 minutos e 34 segundos do evento 48334394.

Investigado: (...) Mateus Eduardo no caso? ele lhe falou que trabalhava com o deputado Eric Lins, que trabalhava na campanha do delegado Epifânio?

Testemunha Marcelo: Não. no início não. deia eu lhe falar a verdade, não, no início, não. 

(...)

Testemunha Marcelo: Aí ele me apresentou o Eric Lins. Me apresentou o Eric Lins porque. Porque como eu disse para eles que eu não estava envolvido em política nenhuma para mim poder ter um emprego, quando aconteceu aquilo com o Vilson, eu não sabia o que fazer (...) 

Trecho a partir de 00 minutos e 40 segundos a mídia do evento 48334393 

Juiz: O Senhor conhece o Ronnie Mello, assim pessoalmente?

Testemunha Marcelo: Não, conheço assim normal, como qualquer pessoa conhece.

Juiz: ele chegou assim a participar de qualquer conversa com o Senhor?

Testemunha Marcelo: Não. 

Juiz: E o Fernando Tarragô que é médico?

Testemunha Marcelo: Não. 

Juiz: Ele se envolveu nessa seleção?

Testemunha Marcelo: não.

Juiz: O Senhor viu eles falando com o Vilson?

Testemunha Marcelo: Não, Senhor.

Juiz: O Vilson falou deles para o Senhor.

Testemunha Marcelo: Não, ele só comentou que a administração soube..

Juiz: Tá, falou que foi o Prefeito, Vice Prefeito?

Testemunha Marcelo: Não, Senhor. 

Trecho a partir de 01 minuto e 54 segundo do evento 48334393. :

Juiz: O Senhor participou da campanha politica, esse ano? 

Testemunha Marcelo: Não vou lhe mentir, depois que aconteceu todo esse caso, tudo que aconteceu, eu sai muito mal, que nem comentei o Doutor aqui, eu si mal muito mal e depois que aconteceu isso aí eu participei sim com o Delegado. Mas depois que ocorreu tudo isso aí. 

Juiz: Tá, então é isso que eu quero entender, o Senhor não tinha, tinha até se preservado, não participado de campanha política, mas aí falaram que o Senhor tinha participado?

Testemunha Marcelo: Sim, Senhor. 

Juiz: E da onde que surgiu, por que que?

Testemunha Marcelo: Aí que eu quero saber, por isso que eu não entendo. (Grifei.)  

 

Ora, conforme destacado, Antônio Marcelo, durante a seleção não se envolveu na campanha politica, só vindo a procurar o Deputado Eric Lins e o DEM, membro da coligação investigante, após ter sido rejeitado na seleção. Destarte, a versão da testemunha "denunciante" Antônio Marcelo vai ao encontro do que fora referido pela testemunha Vilson, no sentido de que, quando da gravação clandestina, a preterição de Antônio já havia ocorrido e não se deveu a nenhum ato político dele. Não foram, pois, os atos da campanha eleitoral, a ideologia política de Antônio ou a manifestação de seu pensamento político que prejudicaram a contratação dele.

A represália, se houve, foi no interesse de preservação dos próprios administradores do hospital e não dos investigados, o que até é compreensível, uma vez que, dificilmente, qualquer administrador contrataria alguém como empregado que está a lhe criticar perante a comunidade.

Não há, em absoluto, nenhuma prova de que os investigados tenham interferido no processo de seleção para a contratação dos técnicos de raio x da Santa Casa, tal alegação só se sustenta com base na ilação feita pelos investigante e pelo Ministério Público de ter ocorrido abuso de autoridade pelo simples fato de o Município ter promovido a requisição de bens do nosocômio.

A Administradora do hospital, Thaís Aramburu, ouvida como informante, confirmou (evento 54712610) que nem sequer ela participou da seleção, que o Prefeito não interfere na contratação de qualquer empregado do hospital. Não há nada nos autos que comprove a falsidade de tais afirmações.

Em que pese a amplitude conferida pelo art. 23 da Lei Complementar nº 64/1990, o  standart probatório exigido para o provimento de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral, com as consequências contramajoritárias que tem o condão de promover, no caso, ressalte-se, contra o resultado consagrado por mais de 70% do eleitorado local, não se satisfaz com uma mera ilação. Em assim  sendo, não tendo sido provado que o ato tenha sido praticado pelos ou visado o benefício dos investigados, a improcedência da demanda se impõe.

 

A sentença recorrida é irretocável.

À Justiça Eleitoral cumpre verificar se o fato descrito amolda-se a alguma infração descrita no Direito Eleitoral, sendo certo que, ainda que comprovada a alegada preterição do eleitor no preenchimento da vaga de técnico de radiologia, a prática de deixar de contratar não se conformaria às hipóteses de vedação dispostas no inc. V do art. 73 da Lei n. 9.504/97, por não se tratar de nomeação, contratação, admissão, demissão sem justa causa, supressão ou readaptação de vantagem, ou mesmo dificultação ou impedimento do exercício funcional, remoção, transferência ou exoneração de servidor ou empregado público.

Aliás, quanto a essas condutas, bem se verifica que a circunstância de preterir a contratação jamais caracterizaria demissão, supressão, readaptação de vantagem, dificultação ou impedimento do exercício funcional, remoção, transferência ou exoneração, que são atos que poderiam ser praticados apenas contra servidores em exercício, o que não é o caso, pois a ação se funda na falta de admissão.

Ademais, a alínea “d” do referido dispositivo legal excepciona “a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais”, e em nenhum momento trata do ato de deixar de contratar, preterir, não admitir eventual candidato à vaga destinada à prestação de serviço público essencial.

E como bem discorreu o nobre julgador de primeira instância, em matéria de direito sancionatório é vedada a interpretação analógica ou extensiva.

Portanto, mesmo que comprovado, o fato descrito na inicial nem de longe se caracterizaria como conduta vedada a agentes públicos.

Por fim, em relação à ocorrência de abuso de poder político ou de autoridade, deve ser considerado que, de acordo com o art. 22, inc. XVI, da LC n. 64/90, para a configuração do ato abusivo precisa ser considerada a gravidade das circunstâncias que o caracterizam diante da legitimidade da eleição em que verificado.

No caso concreto, conforme concluiu a Procuradoria Regional Eleitoral, “tal fato não teria o condão de afetar a normalidade e legitimidade do pleito, pois estaríamos tratando de apenas um único candidato à vaga preterido por razões eleitorais. Para o acolhimento da impugnação, faz-se necessário que haja prova robusta do abuso do poder político e de autoridade, pois a vontade do eleitor expressa nas urnas configura manifestação do princípio democrático, basilar na República Federativa do Brasil e pressuposto do Estado Democrático de Direito”.

Com essas razões, entendo que a sentença merece ser mantida por seus próprios fundamentos, pois os motivos de reforma são insuficientes para infirmar a conclusão pela improcedência dos pedidos condenatórios.

 

ANTE O EXPOSTO, acolho a preliminar de não conhecimento do recurso quanto ao DEMOCRATAS DE URUGUAIANA (DEM), declarando a sua ilegitimidade ativa ad causam e extinguindo o feito sem resolução do mérito em face da agremiação, com fundamento no art. 485, inc. VI, do CPC, e VOTO pelo desprovimento do recurso interposto pela COLIGAÇÃO URUGUAIANA PARA TODOS (DEM/PSB), dando por prequestionados os dispositivos legais invocados, nos termos da fundamentação.