REl - 0600703-02.2020.6.21.0093 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/04/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, há que se examinar se o comparecimento ao Conselho Tutelar dos referidos candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereadora, acompanhando o deputado federal responsável pela emenda parlamentar destinada a equipar o órgão de proteção da infância, caracteriza as condutas previstas no art. 73, incs. I e IV, da Lei n. 9.504/97 e o abuso de poder descrito no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90.

O ilustre Magistrado a quo, Dr. João Francisco Goulart Borges, julgou a representação improcedente, em sentença assim fundamentada (ID 12527783):

A presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral se refere a possível ocorrência de abuso de poder político e econômico por parte de candidato a Prefeito, uma vez que, em decorrência da destinação de emenda parlamentar, consistente na destinação de um automóvel ao Conselho Tutelar de Boqueirão do leão, o candidato sairia beneficiado com quebra da isonomia.

Conforme a prova coligida aos autos demonstrou, no dia 12/11/2020, o Deputado Federal Giovani Cherini esteve no Conselho Tutelar de Boqueirão do Leão/RS, acompanhado do então candidato a Prefeito, Jocemar Barbon, e seu Vice, Luiz Augusto Schmidt (“Guto”), ora eleitos nas eleições majoritárias, acompanhados da candidata à vereadora pelo partido PL, Érica Fontana (não eleita). Foram até lá para anunciar que o Deputado, por emenda parlamentar impositiva, contemplaria o órgão com uma viatura. Não houve discurso do candidato e nem pedido de votos.

Para a caracterização da conduta vedada descrita pelo art. 73, IV, da Lei das Eleições deveria haver demonstração de gravidade suficiente para a imposição da cassação do diploma. Contudo, para o MPE, a visita foi apenas oportunista, três dias antes das eleições, visando vincular a notícia da entrega de um veículo ao Conselho Tutelar, via emenda parlamentar impositiva, ao então candidato a Prefeito Jocemar, no mesmo partido, o PL. Logo após, já na sede do comitê de campanha, e, desta feita, em tom de campanha, Jocemar anunciou a todos a novidade, na presença do Deputado Cherini.

A prova também demonstrou que não houve pedido de votos, embora a presença dos candidatos a Prefeito e seu Vice, visitação esta que ao MPE pareceu ser de natureza institucional, não se tratando de conduta vedada pela legislação eleitoral. Em suma, oportunista, mas não ilegal.

Como se sabe, para a consumação do delito de corrupção eleitoral, na modalidade ativa, devem ser preenchidos os seguintes requisitos: (i) demonstração de que o corruptor ativo deu, prometeu ou ofereceu vantagem econômica de qualquer natureza; (ii) que a vantagem está vinculada, expressa ou implicitamente, à obtenção de voto ou abstenção; (iii) que a vantagem ofertada/prometida/entregue se destine ao eleitor com potencial de voto; (iv) que as condições fáticas devem evidenciar que a vantagem tem potencialidade de influir na liberdade de voto e; (v) que os eleitores sejam identificados/identificáveis.

A configuração da captação ilícita de sufrágio, prevista no artigo 41-A da Lei nº 9.504/97, exige prova robusta e incontroversa acerca da ocorrência dos fatos, ou seja, demonstração de que o candidato teve participação direta ou indireta no ato de doar, oferecer, prometer, ou entregar bem ou vantagem ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto.

Tais requisitos a meu ver não estão presentes, de modo que a ação deve mesmo ser julgada improcedente, como entendeu, e com razão, o MPE.

Do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a AIJE aberta pelo MDB de Boqueirão do Leão/RS.

 

Entendo que a conclusão sentencial pela improcedência da demanda não merece reparo.

A Constituição Federal, em seu art. 14, § 9º, prescreve que lei complementar estabelecerá casos de inelegibilidade, visando à proteção da normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

A Lei Complementar n. 64/90, cumprindo os desígnios da Carta Magna, dispõe, em seus arts. 19, parágrafo único, e 22, caput e inc. XIV:

Art. 19. As transgressões pertinentes à origem de valores pecuniários, abuso do poder econômico ou político, em detrimento da liberdade de voto, serão apuradas mediante investigações jurisdicionais realizadas pelo Corregedor-Geral e Corregedores Regionais Eleitorais.

Parágrafo único. A apuração e a punição das transgressões mencionadas no caput deste artigo terão o objetivo de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

(…).

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(…).

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;

 

No que tange às denominadas condutas vedadas a agentes públicos, interessa ao deslinde da presente causa o que preceitua o art. 73, incs. I e IV, da Lei n. 9.504/97, cuja redação transcrevo:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I – ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

(…).

IV – fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

 

Dado esse contexto normativo, há que se examinar a situação fática objeto da demanda.

Efetivamente, ressai incontroverso do exame dos autos que os recorridos, em 12.11.2020, acompanharam o Deputado Giovani Cherini à visita realizada ao Conselho Tutelar de Boqueirão do Leão, ocasião na qual o parlamentar anunciou às conselheiras presentes que o órgão seria contemplado com um automóvel, a ser adquirido com recursos financeiros advindos de emenda parlamentar impositiva de sua autoria.

As características do encontro são extraídas da resposta escrita encaminhada pelas conselheiras tutelares participantes (ID 12526633 e 12526583) a respeito da visita do congressista, na qual é descrito que:

Veio até o CT o candidato a prefeito Jocemar Barbon, Vice-prefeito Luis Augusto Schimidt “Guto”; juntamente com o deputado federal Giovani Cherini acompanhados da candidata a vereadora Erica Fontoura mais um casal que a princípio são assessores do deputado. O deputado Cherini falou que conseguiu um carro para o CT e que nas próximas semanas o CT receberá um ofício sobre o carro. Nós conselheiras ouvimos e não nos manifestamos, apenas escutamos sua afirmação de apoio ao Conselho Tutelar. Fernanda, Janaína.

 

Por sua vez, a prova oral colhida, consistente nos depoimentos de Adriane Cerini (ID 12527183), assessora do Deputado Giovani Cherini, e do próprio parlamentar (ID 12527233), corrobora as afirmações de que se tratou de uma reunião de cerca de 10 minutos, ocorrida nas dependências internas do Conselho Tutelar, da qual participaram, além dos recorridos Jocemar e Érica, apenas o Deputado Federal Giovani Cherini, dois auxiliares a ele ligados, e as Conselheiras Tutelares Fernanda e Janaína.

Além disso, depreende-se da prova produzida que o encontro visava ao anúncio, pelo congressista, da obtenção para o órgão, a partir de emenda parlamentar de sua autoria, de um veículo Citroen Air Cross, no valor aproximado de R$ 60.000,00, conforme também ratifica o ofício enviado pelo Gabinete do Parlamentar ao Vereador Jocemar Barbon e ao Conselho Tutelar de Boqueirão do Leão (ID 12526883).

Por sua vez, as conclusões aqui expostas são novamente confirmadas por print de foto da reunião, postada na página pessoal de Giovani Cherini no Facebook, em que se vislumbram o parlamentar em momento de fala e outros cinco ouvintes, não havendo a presença  de elementos, como camisetas, bandeiras, dísticos ou material impresso, que pudessem conferir uma conotação eleitoreira ao encontro (ID 12524933, segunda imagem).

De sua banda, o partido recorrente enfatiza que, na oitiva judicial, o Deputando Giovani Cherini não soube precisar quantas pessoas estavam no local, dizendo: “não lembro bem, era um tumulto muito grande aquele dia”.

A enfatizada hesitação da testemunha e a própria afirmação de ocorrência de um suposto “tumulto muito grande” são supridas de forma harmônica e suficiente a partir dos demais elementos acostados aos autos, já referidos. Inclusive, na continuidade do seu depoimento, Giovani Cherini afirma que o espaço no prédio do Conselho Tutelar era limitado, restando claro que o termo “tumulto” não se referia à aglomeração de pessoas naquele encontro, mas ao somatório de compromissos do parlamentar naquele dia.

Portanto, inexistem elementos hábeis a apontar que os ora recorridos tenham tido participação ativa no ato. Diversamente disso, ao que indicam as provas, JOCEMAR BARBON e ERICA FONTANA ingressaram na sala onde ocorreu o anúncio e ali permaneceram em silêncio, ao passo que LUIZ AUGUSTO SCHMIDT nem mesmo teria adentrado o recinto.

Ressalte-se que, ainda que os candidatos ERICA FONTANA e LUIZ AUGUSTO SCHMIDT não exercessem cargo público à época, nada os impedia, absolutamente, de acompanhar o deputado em visita institucional e reservada à repartição pública, com o objetivo de divulgar fato de interesse do órgão e da comunidade.

Do mesmo modo, o encaminhamento de ofício versando sobre a destinação de viatura ao Conselho Tutelar para endereço de e-mail particular da Conselheira Fernanda, assim como a falta de tratativas a tal respeito com a prefeitura, não retira, de modo algum, o caráter institucional da comunicação, nem permite a presunção de que o assunto desbordou do campo estritamente oficial ou que a reunião se desviou de sua finalidade pública.

Quanto ao aspecto, colho a criteriosa ponderação da Procuradoria Regional Eleitoral:

O fato do ofício contendo a formalização do anúncio ter sido encaminhado para o e-mail pessoal da conselheira tutelar Fernanda Chemin, que posteriormente o reencaminhou para o endereço eletrônico do Conselho Tutelar de Boqueirão do Leão (ID 12526833), não constitui indício de abuso de poder político, nem configura conduta vedada a agente público – ainda mais considerando a pandemia de COVID-19, em cujo contexto servidores públicos de todas as esferas têm, sistematicamente, utilizado recursos de natureza pessoal (número de celular, redes sociais, e-mail) para fins laborais, sem que isso seja considerado inapropriado.

 

Assim, no tocante à alegada prática de condutas vedadas, previstas nos incs. I e IV do art. 73 da Lei n. 9.504/97, é impositiva a confirmação da sentença.

Com efeito, inexistem elementos indicativos de que tenha havido cessão ou uso de bens móveis ou imóveis pertencentes ao Poder Público em prol de candidato, partido político ou coligação. A prova coligida aos autos aponta para a ocorrência tão somente de ato institucional no prédio em que se localiza o Conselho Tutelar, desprovido de qualquer conotação eleitoral flagrante.

Não havendo prova cabal de que o aparato estatal foi efetivamente utilizado para alavancar específica candidatura em detrimento das demais, não há que se falar em condenação pela conduta vedada descrita no art. 73, inc. I, da Lei das Eleições.

Nesse sentido, trago à colação precedente do TSE:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO. CANDIDATO BENEFICIÁRIO. CONDUTA VEDADA. ART. 73, INCISO I, DA LEI 9.504/97. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS DE QUE DETERMINADA ESCOLA PÚBLICA FOI UTILIZADA PARA FAVORECER CANDIDATURA.

INEXPRESSIVIDADE DA SUPOSTA CONDUTA PARA A DISPUTA ELEITORAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

1 No caso concreto, não há elementos que demonstrem, de forma cabal, que o aparato estatal foi utilizado de forma efetiva para beneficiar determinada candidatura em detrimento das demais, não havendo falar em condenação do suposto beneficiário pela conduta vedada descrita no art. 73, I da Lei das Eleições.

2. Agravo Regimental ao qual se nega provimento.

(Recurso Ordinário n. 800591, Acórdão, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 52, Data: 16.3.2017, p. 91.)

 

De igual sorte, não existem provas de que houve uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados pelo Poder Público, cabendo enfatizar que o automóvel se destinou de modo permanente ao órgão público, não se tendo notícias de qualquer favorecimento pessoal às integrantes do Conselho Tutelar ou a outros eleitores.

Na linha, já decidiu o TSE que "não existe a conduta vedada prevista no inciso IV do art. 73 quando o Estado doa um bem – como uma ambulância ou um carro de bombeiros – a um município, para ser utilizado pela coletividade" (RO n. 060137411, Relator Min. Luis Felipe Salomão, 23.4.2020).

Quanto à alegação de prática de abuso de poder, na esteira da jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, para a aplicação das drásticas sanções previstas no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90, faz-se necessária a existência de grave abuso de poder, caracterizado mediante a comprovação, de forma segura, da severidade dos fatos imputados e de sua significativa repercussão, apta a influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral:

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES DE 2018. PRESIDENTE E VICE–PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PRELIMINARES. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. LITISPENDÊNCIA. REJEIÇÃO. DEPOIMENTO PESSOAL. MEIO DE PROVA. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. CONSENTIMENTO DA PARTE. ADMISSIBILIDADE. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. ELEMENTOS. CARACTERIZAÇÃO. USO. RECURSOS PÚBLICOS OU PRIVADOS. GRAVIDADE. DESEQUILÍBRIO DO PLEITO. ENGAJAMENTO. EMPRESÁRIO. CAMPANHA DE CANDIDATO. VEICULAÇÃO. CRÍTICAS. LIMITES TOLERÁVEIS DO EMBATE ELEITORAL. POSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DA IGUALDADE DE CONDIÇÕES NA DISPUTA. COAÇÃO. EMPREGADOS. INICIATIVA PRIVADA. CONFIGURAÇÃO. ATO ABUSIVO. EXIGÊNCIA. PROVA SEGURA. MANIFESTO CONSTRANGIMENTO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.

1. A petição inicial é apta quando presentes seus elementos essenciais (partes, causa de pedir e pedido) e ausentes os vícios previstos no art. 330, § 1º, do CPC/2015, de modo a possibilitar às partes o exercício do contraditório e da ampla defesa, bem como o esclarecimento dos fatos no curso da instrução processual.

2. Há litispendência quando se repete ação em curso, de acordo com a tríplice identidade – partes, causa de pedir e pedido –, conquanto possa ser reconhecida entre ações eleitorais quando houver identidade com a relação jurídica–base das demandas.

Nesse sentido: RO nº 932–34/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE de 18/12/2017 e REspe nº 3–48/MS, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 10/12/2015.

3. As partes não estão obrigadas a prestar depoimento pessoal, ante a falta de previsão na LC nº 64/90 e o caráter indisponível dos interesses envolvidos, embora não estejam impedidas de fazê–lo, caso a isso se disponham (AgR–RMS nº 2641/RN, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 27/9/2018; RHC nº 131/MG, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJE de 5/8/2009; e HC nº 85.029, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ de 1º/4/2005).

4. Todos os meios legais e moralmente legítimos são aptos para provar a verdade dos fatos, submetendo–se ao controle e ao convencimento motivado do julgador (arts. 369 a 371 do CPC/2015).

5. Para se caracterizar o abuso de poder, impõe–se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não se constitui mais em fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, sendo agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento.

6. O abuso do poder econômico, por sua vez, caracteriza–se pelo emprego desproporcional de recursos patrimoniais (públicos ou privados), com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a legitimidade da disputa.

7. Não configura prática abusiva o engajamento de empresário na campanha de determinado candidato, mediante divulgação gratuita de vídeo em sua rede social, no qual se limita a veicular críticas dentro do limite tolerável do embate eleitoral e sem gravidade para causar desequilíbrio indevido e injusto na disputa. Há de prevalecer, nesse caso, a proeminência da garantia constitucional da livre manifestação de pensamento.

8. O ato de coagir empregados da iniciativa privada a votarem em certa candidatura pode vir a retratar o uso abusivo do poder econômico, desde que presente prova segura da prática de condutas concretas de manifesto constrangimento, capazes de incutir em contingente expressivo de pessoas a ideia de que o fato de determinado candidato não se eleger poderá ocasionar prejuízos a sua relação de trabalho. Demonstrada a escassez e a fragilidade do acervo probatório produzido para caracterizar a coação eleitoral, exsurge irrazoável e desproporcional impor as severas penas da Lei de Inelegibilidades.

9. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral, com base na compreensão da reserva legal proporcional e fundamento em provas robustas admitidas em direito, verificar a existência de grave abuso de poder, suficiente para ensejar as rigorosas sanções de cassação do registro, diploma ou mandato e inelegibilidade. Precedentes.

10. Ação de Investigação Judicial Eleitoral que, rejeitadas as questões preliminares, se julga improcedente.

(Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 060175489, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 54, Data: 20.3.2019.) (Grifei.)

 

No mesmo norte, o seguinte julgado:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. VEREADOR. ART. 41-A DA LEI N° 9.504/97. ART. 22 DA LC N° 64/90. PRELIMINAR. GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LICITUDE DA PROVA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. OFERTA DE BENESSES EM TROCA DE VOTO. CONFIGURAÇÃO. ABUSO DE PODER POLÍTICO OU DE AUTORIDADE. NÃO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

9. O art. 22, XVI, da LC n° 64/90, com a redação conferida pela LC n° 135/2010, erigiu a gravidade como elemento caracterizador do ato abusivo, a qual deve ser apurada no caso concreto. A despeito da inexistência de parâmetros objetivos, a aferição da presença desse elemento normativo é balizada pela vulneração dos bens jurídicos tutelados pela norma, quais sejam, a normalidade e legitimidade das eleições, que possuem guarida constitucional no art. 14, § 9°, da Lei Maior.

10. Consoante jurisprudência deste Tribunal Superior, o abuso do poder político ou de autoridade insculpido no art. 22, caput, da LC n° 64/90, caracteriza-se quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade e a legitimidade da disputa eleitoral em benefício de candidatura própria ou de terceiros (RO n° 172365/DF, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 27.2.2018; RO n° 466997/PR, Rel. Gilmar Mendes, DJe de 3.10.2016; REspe n° 33230/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 31.3.2016).

11. Na hipótese dos autos, em que pese a moldura fática evidencie o uso desvirtuado da instituição pública, as circunstâncias não se afiguram suficientemente graves para macular a legitimidade e a isonomia do pleito, porquanto os fatos comprovados no acórdão cingem-se à eleitora específica e à ocasião única, o que, embora aptos a caracterizar captação ilícita de sufrágio, mostram-se inábeis para atrair a gravidade necessária à configuração do ato abusivo.

12. Recurso especial parcialmente provido apenas para afastar a configuração do abuso do poder político em relação a ambos os recorrentes, mantendo-se a condenação de Gilberto Massaneiro pela prática de captação ilícita de sufrágio. Julgo prejudicado o pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso especial.

(Recurso Especial Eleitoral n. 40898, Acórdão, Relator Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 150, Data: 06.8.2019, p. 71/72.)

 

Igualmente, o fato de o deputado em tela, reunido com os recorridos e outros candidatos, na referida data do encontro, defronte ao comitê de campanha, ter gravado vídeo e produzido fotografias, então publicados em suas redes sociais pessoais e de campanha (ID 12524933, 12524983 e 12525033), não configura ilícito eleitoral.

Isso porque a simples menção da destinação de veículo ao Conselho Tutelar a partir da atuação de parlamentar ligado à agremiação, sem qualquer condicionamento ao voto ou à utilização da máquina administrativa e de recursos públicos na produção das peças, não tem o condão de configurar condutas vedadas ou abuso de poder político.

Cuida-se, em realidade, de propaganda lícita e regular, exercida nos termos da liberdade de expressão no âmbito da disputa eleitoral, por meio da exaltação das realizações dos candidatos e de seu grupo político de apoio em outras esferas de poder, expostos à avaliação e ao escrutínio popular.

Nesse sentido, cito a sedimentada jurisprudência deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL VEDADA. POSTAGEM EM PERFIL DE CAMPANHA NO FACEBOOK. CARGO MAJORITÁRIO. PROPAGANDA LÍCITA E REGULAR. REFORMA DA SENTENÇA. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra decisão que julgou parcialmente procedente representação fundada no art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97 – publicidade institucional vedada. Aplicação de multa.

2. Publicação de candidato ao cargo majoritário, realizada em perfil de campanha no Facebook, exaltando o desempenho da sua gestão como vice-prefeito. Não demonstrado o uso de recursos públicos para a confecção da postagem.

3. Circunstância fática caracterizadora de publicidade lícita, na qual o recorrente traz imagem de obra executada com verba obtida mediante apoio de vereador e de deputado federal. Não verificada a prática de conduta vedada, mas apenas o exercício de promoção pessoal e propaganda eleitoral regulares.

4. Provimento. Improcedência da representação.

(REl 0600369-46.2020.6.21.0067, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, julgado em 24.02.2021.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL. IMPROCEDENTE. ENALTECIMENTO DE ATOS DE GESTÃO. CANDIDATOS À REELEIÇÃO. AUSENTE VIOLAÇÃO ÀS NORMAS REGENTES. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente representação por propaganda eleitoral irregular, ao argumento que a publicidade veiculada pelos recorridos não desobedeceu às normas de regência, em especial aquelas constantes no art. 73 da Lei n. 9.504/97.

2. Evidenciado o enaltecimento de atos de gestão já praticados, absolutamente naturais na competição eleitoral. As imagens apresentadas pelo recorrente trazem realizações da gestão em curso. No ponto, os recorridos são candidatos à reeleição e, portanto, os temas relativos à saúde, educação, segurança e assistência social, por eles veiculados, encontram-se no âmbito do debate público.

3. Desprovimento.

(REl 0600206-16.2020.6.21.0116, Relator: Des. Eleitoral Gustavo Alberto Gastal Diefenthaler, julgado em 23.11.2020.)

Em relação ao áudio que teria sido encaminhado por Angélica, cunhada da conselheira Janaína, para a pessoa identificada como Beatriz (ID 12526683), embora a prova apresente indícios de uma narrativa envolvendo eventual compra de votos da família em favor do candidato Jocemar, não é possível depreender o exato contexto dos supostos fatos nem a sua relação com as imputações vertidas da petição inicial, consoante sua transcrição:

O Domingos o pai do Rodrigo Reginatti, falou que já tinha comprado o nosso voto né... que o Joia tinha vendido. (…). Que já tinha vendido nosso voto, que tava tudo certo. Eu já fiquei furiosa, nós não vendimo nosso voto, nos votemo consciente, né. E hoje de manhã o Adriano me falou assim ‘tu sabe quem que fez a confusão?’ Daí eu disse pra ele ‘não sei’. E ele disse ‘A Jana, do Silvano. Daí ele disse que a Jana hoje de manhã ligou pedindo desculpa, por causa que quem tava comprando voto era o Joia, o irmão dela. Comprando voto pro Jocemar. E eles VENDERAM o nosso voto pro Jocemar. Porque parece que O Jocemar teve ali essa semana, na casa do Silvano, e eles venderam o nosso voto. Sem conversar com nóis, venderam o nosso voto. E aí aconteceu essa situação toda embaraçosa.

Como se percebe, as circunstâncias da alegada “venda de votos” afirmada na mensagem não é esclarecida ou corroborada de forma suficiente por qualquer outro elemento de prova, bem como em nada se refere ao Deputado Cherini ou a alguma vantagem direta prometido a Janaína.

Vê-se, pois, que inexistem evidências de conduta vedada, quanto mais provas claras e robustas de grave abuso, como seria exigido para se cassar mandato eletivo obtido pelo voto popular ou impingir a inelegibilidade aos responsáveis pela conduta.

Nesse contexto, embora o recorrente enfatize que a disputa foi definida por apenas 18 votos de diferença entre o primeiro e o segundo colocados para no pleito majoritário, em um universo de 4.935 eleitores que compareceram para o voto, entendo que o caderno probatório não autoriza o reconhecimento, por prova cabal e induvidosa, da existência de abuso de poder político, não sendo apto a ensejar a reforma da sentença.

Portanto, em harmonia com a manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, não restando caracterizada a prática de condutas vedadas ou de outro ato que pudesse configurar abuso de poder político, deve ser integralmente mantida a sentença que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral originária.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.