REl - 0600384-30.2020.6.21.0062 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/04/2021 às 14:00

VOTO

Cuida-se de representação ajuizada com fundamento na prática de condutas vedadas, consistentes na autorização de publicidade institucional da Prefeitura de Marau nos três meses que antecedem o pleito e na realização de despesas com publicidade institucional no primeiro semestre de 2020, em montante superior à média dos primeiros semestres dos três anos imediatamente anteriores, quais sejam, 2019, 2018 e 2017, contrariando, assim, o art. 73, inc. VI, al. “b”, e inc. VII, da Lei n. 9.504/97, verbis:

Lei n. 9.504/1997

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

VI - nos três meses que antecedem o pleito:

(…)

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

(…)

VII - realizar, no primeiro semestre do ano de eleição, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos que antecedem o pleito;

(Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

 

De acordo com a Emenda Constitucional n. 107/20, foi permitida a realização de publicidade institucional no período vedado, independentemente da necessidade de reconhecimento pela Justiça Eleitoral, quando relacionada ao enfrentamento da pandemia. Além disso, a norma estabeleceu que as despesas liquidadas com publicidade institucional realizada até 15 de agosto de 2020 não podem exceder à média dos gastos dos 2 (dois) primeiros quadrimestres dos 3 (três) últimos anos que antecedem o pleito, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral:

Emenda Constitucional n. 107/2020

Art. 1º As eleições municipais previstas para outubro de 2020 realizar-se-ão no dia 15 de novembro, em primeiro turno, e no dia 29 de novembro de 2020, em segundo turno, onde houver, observado o disposto no § 4º deste artigo.

(…)

§ 3º Nas eleições de que trata este artigo serão observadas as seguintes disposições:

(…)

VII - em relação à conduta vedada prevista no inciso VII do caput do art. 73 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, os gastos liquidados com publicidade institucional realizada até 15 de agosto de 2020 não poderão exceder a média dos gastos dos 2 (dois) primeiros quadrimestres dos 3 (três) últimos anos que antecedem ao pleito, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

VIII - no segundo semestre de 2020, poderá ser realizada a publicidade institucional de atos e campanhas dos órgãos públicos municipais e de suas respectivas entidades da administração indireta destinados ao enfrentamento à pandemia da Covid-19 e à orientação da população quanto a serviços públicos e a outros temas afetados pela pandemia, resguardada a possibilidade de apuração de eventual conduta abusiva nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.

 

Assim, a emenda constitucional alterou o período considerado para o cálculo das despesas com publicidade institucional de seis para oito meses e estabeleceu a possibilidade de ser extrapolada a média de gastos, quando presente “caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral”.

Quanto à conduta vedada do art. 73, inc. VII, da Lei das Eleições, não se desconhece a doutrina de Rodrigo López Zilio trazida à colação nas razões recursais, no sentido de que o dispositivo, ao adotar a expressão “despesas com publicidade” de modo genérico, abrangeria publicidade de utilidade pública, mercadológica, legal e institucional.

Todavia, este Tribunal sedimentou sua jurisprudência na direção de que devem ser excluídas as rubricas de publicidade legal, tais como as concernentes a leis, decretos e editais, e aquelas que envolvem grave e urgente necessidade pública, a fim de resguardar o direito de acesso à informação dos atos estatais pelo cidadão e atender à finalidade da norma, que expressamente se refere à publicidade institucional.

A ilustrar o posicionamento, elenco as seguintes ementas:

Recurso. Conduta vedada. Propaganda institucional. Art. 73, inc. VII, da Lei n. 9.504/97. Prefeito e vice. Procedência. Multa. Eleições 2012.

Alegado excesso de despesas com publicidade institucional no ano do pleito com ultrapassagem da média de gastos dos três últimos anos.

Erro material do cálculo no parecer contábil ao deixar de distinguir despesas com publicidade de natureza oficial e às provenientes de publicidade tipicamente institucional.

Não caracterizado excesso de despesas com publicidade. Afastadas as penalidades impostas.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n 30598, ACÓRDÃO de 24.10.2014, Relatora DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 195, Data: 28.10.2014, Página 4.) (Grifei.)

 

Embargos de declaração com pedido de atribuição de efeitos infringentes. Alegada ocorrência de omissão no aresto que deu provimento a recurso e condenou o embargante à multa por infringência ao inciso VII do artigo 73 da Lei n. 9.504/97.

A publicação de atos legais/oficiais não se confunde com a publicidade institucional destinada à divulgação dos atos da administração pública, não sendo computados para fins de aferição do limite previsto no artigo 73, inciso VII, da Lei n. 9.504/97. Valores decorrentes de atos administrativos vinculados.

Efeitos infringentes para negar provimento ao recurso ministerial e manter a improcedência da representação.

Acolhimento.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 72666, Acórdão de 23.9.2014, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 172, Data: 25.9.2014, Página 2.) (Grifei.)

 

Entretanto, no caso concreto, a discussão sobre o ponto resulta irrelevante, tendo em vista estar correto o entendimento do juiz a quo ao apontar que a Emenda Constitucional n. 107/20 não dá margem à interpretação, no sentido de o cálculo incluir outro tipo de propaganda que não a institucional, pois o texto é claro ao fazer menção expressa à média de gastos liquidados com publicidade institucional.

Assim, acompanho o entendimento da Procuradoria Regional Eleitoral de que a coligação representante obrou em equívoco na sua causa de pedir quando considerou a média de gastos com publicidade em geral, e que devem ser consideradas as despesas com propaganda institucional informadas pelos representados, ora recorridos, nos autos do processo, na contestação:

Considerando que a Emenda Constitucional em questão, para as eleições de 2020, alterando o inc. VII do art. 73 da Lei das Eleições, dispôs expressamente que a conduta vedada está relacionada a uma média maior de gastos com publicidade institucional, cabia à coligação representante ter trazido aos autos os números relacionados especificamente à publicidade institucional, sendo ônus do representante a comprovação dos gastos com publicidade institucional nos dois primeiros quadrimestres nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020.

O fato constitutivo do direito da parte autora é o excesso de gastos com publicidade institucional até 15 de agosto de 2020 se comparado com a média de gastos dos dois quadrimestres dos últimos três anos. Competindo ao autor a prova do fato constitutivo do seu direito (art. 373, inc. I, do CPC).

Apesar da parte autora não ter informado a média dos gastos apenas com publicidade institucional, ônus que lhe cabia, essa informação foi trazida pelos próprios representados em sua contestação.

Assim, partindo-se dos números trazidos pelos próprios representados sobre os gastos com publicidade institucional, chega-se à seguinte tabela trazida na contestação:

Os próprios representados confirmam que os gastos liquidados com publicidade institucional até 15.08.2020 são (incluídas as despesas com Covid-19) de R$ 287.427,33, sendo que a média dos dois primeiros quadrimestres dos últimos três anos é de R$ 246.041,97. Portanto, o gasto em excesso e supostamente caracterizador da conduta vedada seria de R$ 41.385,36.

 

De fato, conforme bem observa a Procuradoria Regional Eleitoral, “os próprios representados fizeram prova de que houve excesso nos gastos com publicidade institucional se comparados com a média dos últimos três anos”.

Embora os recorridos aleguem que este excesso está amparado na Emenda Constitucional n. 107 por se tratar de despesas com a pandemia, assiste razão à recorrente e à Procuradoria Regional Eleitoral ao apontarem que cabia aos recorridos discriminar todos os gastos com a Covid-19 que excederam à média da publicidade institucional dos últimos três anos, a fim de que houvesse o reconhecimento judicial de que aquelas despesas foram realizadas e estão relacionadas com a doença, pois o ônus da prova do fato impeditivo do direito do autor é do réu.

Nesse sentido, os ponderados argumentos da Procuradoria Regional Eleitoral:

De fato, a Emenda Constitucional, conforme acima transcrita, permite que os gastos com publicidade institucional excedam a média dos três últimos anos em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral.

Primeiro, convém assinalar que esse caso de grave e urgente necessidade pública, por certo, está relacionado com a pandemia, pois a alteração legislativa decorreu da mesma, mas deverá ser aferido de acordo com as peculiaridades de cada município.

Dessa forma, nos termos em que vazado, o dispositivo em tela não dispensou uma análise, em cada caso concreto, da urgente e grave necessidade pública apta a autorizar a extrapolação dos gastos com publicidade.

Neste ponto, concordamos com o juiz a quo quando entende que esse reconhecimento pela Justiça Eleitoral da grave e urgente necessidade pública não necessita ser prévio, vez que muitos gastos com publicidade institucional relacionados à Covid-19 foram realizados antes mesmo da publicação da Emenda Constitucional, e estes também deveriam entrar no cômputo da exceção, pois efetivamente tratam-se de gastos excepcionais decorrentes, como é notório, de caso grave e urgente.

Por outro lado, a Emenda Constitucional exige um reconhecimento judicial de que determinados gastos em excesso realizados se deram em virtude de caso grave e urgente, do qual a pandemia é o maior exemplo.

 

Portanto, considerando que o valor em excesso da publicidade institucional alcança o total de R$ 41.385,36, e que os recorridos não se desincumbiram do ônus de comprovar que as despesas liquidadas com propaganda estavam todas vinculadas à Covid-19 em patamar equivalente, para abatê-las da importância total gasta com publicidade institucional até 15.08.2020, merece ser reformada a sentença.

Do exame dos elementos de prova juntados aos autos, verifica-se que a única prova produzida pelos recorridos se limita a uma listagem, por eles produzida, com a relação dos gastos concernentes à Covid-19 (ID 12199583), e a documentos de parte desses empenhos.

Apenas foram apresentados documentos dos fornecedores Candice Campos, Correio Marauense, Empresas Jornalística Folha de Marau Ltda., Darlan Nunes da Silva, Luciana Pessali Impressões e Encadernações Ltda. e Marlove Gaio (ID 12198933 e 12198933).

Contudo, conforme defende o órgão ministerial nesta instância: “Deveriam ter sido juntados documentos relacionadas a cada um dos empenhos para que o magistrado pudesse, à vista dos mesmos, reconhecer que todas as despesas informadas, ou ao menos até o valor do excesso, estão relacionadas com a pandemia. A título de exemplo, não se encontram documentos relacionados ao empenho com o fornecedor Silvestri & Silvestri Ltda., no valor de R$ 5.460,00, ou com Monteiro & Stelo Ltda no valor de R$ 4.000,00, além de outros”.

Além disso, a documentação dos procedimentos licitatórios ou de dispensa, juntada pelos representados, sequer faz referência à pandemia, e o reconhecimento pelo juízo a quo de que as despesas declaradas com a Covid-19, listadas no ID 12199583, se relacionaram com a doença ocorreu por amostragem, procedimento que não se mostra suficiente para abarcar todos os gastos excedentes realizados no período.

Conforme concluiu o Parquet nesta instância, não se nega ter havido gastos com publicidade relativa à pandemia, “contudo não foi possível, pelos documentos acostados, aferir se o valor declarado pela Prefeitura abarca integralmente despesas alusivas ao Covid-19, sendo que o reconhecimento pela Justiça Eleitoral de que a publicidade institucional em excesso (considerada a média) foi realizada em virtude da pandemia é uma exigência constitucional”.

Desse modo, acompanho o entendimento de que consiste fato incontroverso a superação da média de despesas dos dois quadrimestres dos últimos três anos no tocante à publicidade institucional no Município de Marau, e de que os recorridos não apresentaram documentação suficiente para que a Justiça Eleitoral reconheça que os gastos acima da média ocorreram integralmente em virtude de despesas com a pandemia.

A condenação dos recorridos por prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. VII, da Lei das Eleições é medida impositiva.

Quanto à conduta vedada descrita na al. “b” do inc. VI do art. 73 da Lei das Eleições, considerando ter sido comprovada a realização de gastos com publicidade institucional no período de três meses antes do pleito, a partir de 15 de agosto, no valor de R$ 62.130,02, e que não houve demonstração de que a integralidade das despesas está acobertada pelas exceções legais, como é o caso do enfrentamento da pandemia, também deve ser julgada procedente a representação.

Entretanto, também aqui deve ser levado em conta que, nos gastos de R$ 62.130,02, estão incluídas despesas com publicidade legal e oficial, podendo ser verificado, no documento juntado com a contestação (ID 12199733), que somente o valor de R$ 24.363,94 corresponde a gastos com publicidade institucional.

Embora os recorridos aleguem que toda a publicidade institucional posterior a 15 de agosto foi destinada ao enfrentamento da Covid-19, a falta de documentação comprobatória de todos os empenhos, aliada ao fato de que os documentos licitatórios ou de dispensa apresentados nos autos não fazem referência à pandemia, torna a condenação impositiva também neste ponto.

Consoante conclusão da Procuradoria Regional Eleitoral, “ainda que afastássemos o ilícito em relação às 4 contratações reconhecidas na sentença como lícitas (Correio Marauense, Folha de Marau, Darlan e Luciana Pessali), ainda sobrariam diversas contratações de publicidade não esclarecidas, p. ex. com Silvestri & Silvestri Ltda., Fundação Cultural Alvorada, Rádio Marau FM Ltda., Rodinei Agostini, Monteiro & Stelo Ltda., dentre outros)”.

Competia aos recorridos, uma vez provada a realização de publicidade institucional nos três meses anteriores ao pleito, demonstrar que a conduta não se enquadra na vedação do art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97 por estar abrangida pelas exceções legais, apresentando fato impeditivo do direito do autor, ônus do qual não se desincumbiram.

Destarte, merece ser reformada a sentença para a condenação também pelo art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei das Eleições, quanto à publicidade institucional realizada após 15 de agosto de 2020.

Quanto às sanções aplicáveis, acompanho o entendimento da Procuradoria Regional Eleitoral no sentido de que a aplicação de multa é suficiente, adequada e proporcional ao apenamento dos recorridos, na forma dos §§ 4º e 8º do art. 73 da Lei n. 9.504/97, considerando os valores irregulares em relação ao conjunto da publicidade institucional realizada, não se evidenciando gravidade suficiente para ensejar a sanção de cassação do diploma.

Além disso, ressalta-se que o candidato representado, prefeito, é penalizado na qualidade de responsável pela conduta vedada, além de beneficiário da prática, sendo o concorrente a vice-prefeito e a coligação sancionados apenas na condição de beneficiários do ilícito eleitoral.

Desse modo, merece reforma a sentença, com o parcial provimento do recurso para aplicação de multa à referida conduta vedada.

Tendo em conta que os fatos não ostentam elevada gravidade, a repercussão da conduta afigura-se mínima, pois não se tem notícia de que a publicidade tenha assumido contornos ostensivos no ano do pleito.

Assim, a sanção deve ser fixada em seu patamar mínimo de R$ 5.320,50 aos candidatos Iura Kurtz e Rui Carlos Gouvêa e à Coligação Marau no Caminho Certo, pela qual concorreram, para cada uma das condutas vedadas praticadas, totalizando a condenação em R$ 10.641,00, de modo individual.

 

ANTE O EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso, a fim de reformar em parte a sentença e julgar parcialmente procedente a ação, para o fim de condenar os candidatos Iura Kurtz e Rui Carlos Gouvêa e a Coligação Marau no Caminho Certo, de modo individual, ao pagamento de multa no valor de R$ 10.641,00 (dez mil, seiscentos e quarenta e um reais), nos termos da fundamentação.