REl - 0601010-52.2020.6.21.0158 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/04/2021 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo e reúne os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Preliminar

Os recorrentes juntaram novos documentos ao recurso. Tendo em vista tratar-se de documentos que não demandam análise técnica mais aprofundada, conforme entendimento firmado por esta Corte, deles conheço.

No tocante ao pedido de desentranhamento dos memoriais juntados pelos recorridos, inexistente qualquer prejuízo processual, rejeito o requerido.  

Mérito

A decisão do juízo a quo julgou procedente a representação por divulgação de pesquisa não registrada, condenando os recorrentes, de forma solidária, ao pagamento de multa no valor de R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais), com base no art. 33, § 3º, da Lei n. 9.504/97 e art. 21 da Resolução TSE n. 23.600/19.

Pois bem.

Restou incontroverso nos autos que os recorrentes, de fato, divulgaram em suas redes sociais a pesquisa eleitoral registrada sob o n. 03118/2020, realizada pelo IBOPE entre 18 e 24 de novembro de 2020, como sendo uma pesquisa elaborada pelo Instituto Data Folha, nos dias 27 e 28 de novembro do mesmo ano. Tal situação configurou a divulgação de pesquisa fraudulenta e, portanto, não registrada, em desrespeito ao disposto no art. 33, § 3º, da Lei n. 9.504/97 e no art. 21 da Resolução do TSE n. 23.600/19:

Lei n. 9.504/97

Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações: 

(...) 

§ 3º A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações de que trata este artigo sujeita os responsáveis a multa no valor de cinqüenta mil a cem mil UFIR. 

Resolução TSE n. 23.600/19

Art. 21. Os responsáveis pela publicação da pesquisa não registrada ou em desacordo com as determinações legais, inclusive o veículo de comunicação social, poderão arcar com as consequências da publicação, mesmo que estejam reproduzindo matéria veiculada em outro órgão de imprensa.

 

Como se extrai da própria regulamentação, o fato de os recorrentes terem replicado uma notícia originalmente divulgada por órgãos de imprensa, a qual trazia como matéria pesquisa eleitoral não registrada, não afasta sua responsabilidade.

Veja-se que a questão da análise da boa ou má-fé pouco importa para a responsabilização, que deve ser aferida de forma objetiva.

 Isso porque, diante da inegável influência que uma pesquisa pode exercer sobre o eleitor, especialmente sobre o indeciso, a finalidade da regulamentação consiste em assegurar ao máximo a lisura, o equilíbrio e a efetividade do pleito, exigindo-se do responsável pela divulgação a cautela de diligenciar sobre a existência do seu registro. 

A obrigatoriedade de cadastro contida no art. 4º da Resolução TSE n. 23.600/19, por meio do PesqEle, disponível nos sítios eletrônicos dos TREs, busca justamente atribuir credibilidade à pesquisa ali registrada, dando confiabilidade e segurança ao eleitor. Exigir o cadastro e não exigir a diligência do divulgador em aferi-lo seria o mesmo que esvaziar o sentido da norma, retirar sua razão de existir.

Nesse sentido, a jurisprudência que segue:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL INADMITIDO. AGRAVO. REPRESENTAÇÃO POR DIVULGAÇÃO DE PESQUISA ELEITORAL IRREGULAR. PUBLICAÇÃO NO FACEBOOK DE PESQUISA NÃO REGISTRADA NA JUSTIÇA ELEITORAL. ART. 33 DA LEI 9.504/97. ACÓRDÃO REGIONAL EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL, QUE SE ORIENTA NA LINHA DE QUE A DIVULGAÇÃO DE PESQUISA ELEITORAL SEM O PRÉVIO REGISTRO DAS RESPECTIVAS INFORMAÇÕES RESULTA NA APLICAÇÃO DE MULTA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. (Grifei.)

(TSE - AI: 8173920166260174 São Bernardo Do Campo/SP 69082017, Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Data de Julgamento: 05.04.2018, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico - 10.04.2018 - Página 3-6.) E. AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.

 

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. DIVULGAÇÃO DE PESQUISA ELEITORAL SEM REGISTRO. PUBLICAÇÃO NO FACEBOOK. INCIDÊNCIA DO ART. 33 DA LEI 9.504/97. 1. A divulgação, ainda que incompleta, de pesquisa eleitoral não registrada, previamente, no TSE, submete o responsável pela divulgação ás sanções previstas no alt. 33, § 3º, da Lei nº 9.504/97. 2. Candidato divulgou pesquisa em suas redes sociais sem verificação de seu registro junto ao TSE. 3. A norma proibitiva contida no § 3º, do art. 33, da Lei 9.504/1997, alcança também a divulgação por meio de publicações na rede social Facebook, uma vez que aquele diploma não faz qualquer exigência quanto a uma forma especial de violação. 4. Recurso desprovido. Autos encaminhados ao MPE para investigação. (Grifei.)

(TRE-SE - RE: 060026229 POÇO VERDE - SE, Relator: GILTON BATISTA BRITO, Data de Julgamento: 01.12.2020, Data de Publicação: MURAL - Mural da Secretaria/Cartório, Data: 03.12.2020.)

 

RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. DIVULGAÇÃO DE PESQUISA SEM PRÉVIO REGISTRO NA JUSTIÇA ELEITORAL. PUBLICAÇÃO NO FACEBOOK. MULTA DEVIDA. ART. 33, § 3º, LEI N.º 9.504/97. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO ELEITORAL. 1. A alegação de configuração de enquete ou pesquisa eleitoral não pode ser analisada quando se tratar de inovação recursal, já que não foi trazida na contestação, o que viola o art. 342, do Código de Processo Civil. 2. E ainda que assim não fosse, não há como considerar a postagem como enquete, uma vez que não há qualquer informação que indique que o gráfico representativo do percentual de intenção de votos por candidato foi feito a partir de uma coleta informal de dados. 3. O princípio da inescusabilidade da lei exclui o argumento de desconhecimento da proibição legal por ser pessoa humilde e de pouca instrução, pois o artigo 3º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro presume o conhecimento do teor da lei e a vedação de pesquisa eleitoral sem registro está prevista na Lei das Eleiçoes desde o início, sendo regulamentada em todas as eleições por Resoluções do TSE. 4. Não há como excluir a multa sob o fundamento de boa-fé, vez que o art. 33, § 3º, da Lei n. 9.504/97 é de aplicação objetiva, ou seja, sem registro prévio a ninguém é lícito difundir pesquisa e o descumprimento dessa regra sujeita o infrator à multa, que, no caso, já foi aplicada no mínimo legal. 5. A proibição de divulgar pesquisas eleitorais não registradas tem o escopo de resguardar o eleitor de informações e/ou dados eventualmente falsos, disseminados por quem tenha interesse no resultado do respectivo pleito, ou seja, o bem jurídico tutelado é a autenticidade das informações e a moralidade das eleições. 6. Desprovimento do recurso eleitoral para manter a sentença que condenou o Recorrente à multa no valor de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil, duzentos e cinco reais), ressalvado meu entendimento pessoal. (Grifei.)

(TRE-MA - RE: 39348 SERRANO DO MARANHÃO - MA, Relator: DANIEL BLUME PEREIRA DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 02.5.2018, Data de Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo 91, Data: 18.5.2018, Página 6.)

 

ELEIÇÕES 2018 - REPRESENTAÇÃO – RECURSO - JUIZ AUXILIAR – PESQUISA ELEITORAL - INTERNET - FACEBOOK - DIVULGAÇÃO SEM PRÉVIO REGISTRO - COMPARTILHAMENTO DE PUBLICAÇÃO - APLICAÇÃO DE MULTA – ART. 33, § 3º, DA LEI N. 9.504/1997 - PROCEDÊNCIA.

1. “Esta Corte já decidiu que todos aqueles que divulgam pesquisa eleitoral sem prévio registro na Justiça Eleitoral, inclusive aqueles que compartilham, no Facebook, pesquisa originalmente publicada por terceiro, estão sujeitos ao pagamento de multa, nos termos do § 3º do art. 33 da Lei 9.504/97. Precedentes.” (AgR-REspe nº 53821/SP, rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 08.6.2018).

2. “Para que fique configurada a divulgação de pesquisa eleitoral, sem prévio registro na Justiça Eleitoral, nos termos do art. 33, § 3º, da Lei 9.504/97, basta que tenha sido dirigida para conhecimento público, sendo irrelevante o número de pessoas alcançado pela divulgação e sua influência no equilíbrio da disputa eleitoral”. (AgRg-REspe 108-80/ES, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 17/8/2017).

Eleições 2018. Agravo. Representação eleitoral. Diretório municipal. Compartilhamento de pesquisa de opinião pública sem registro. Cargo de governador. Publicação no Facebook. Enquete ou mero levantamento. Não configuração. Veiculação de percentuais de voto, nome dos candidatos e instituto responsável pelo estudo. Inversão do julgado. Reexame de prova. Inadmissibilidade. Enunciado nº 24 da Súmula do TSE. Alegação de boa-fé. Insuficiência. Replicação sem a devida cautela. Culpa grave. Caracterização. Verbete Sumular nº 30 do TSE. Dissídio jurisprudencial não demonstrado. Enunciado nº 28 da Súmula do TSE. Negado seguimento ao agravo. (Grifei.)

(TSE - AI: 06020911220186240000 Florianópolis/SC, Relator: Min. Geraldo Og Nicéas Marques Fernandes, Data de Julgamento: 07.2.2020, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico - 11.2.2020 - n. 29.)

Dessa forma, tendo os recorrentes divulgado pesquisa eleitoral não registrada, mesmo que seja replicando matéria jornalística, não vejo como afastar sua responsabilização diante da exigência legal de cautela.

De toda sorte, cumpre referir que não se trata de mera reprodução de matéria jornalística, conforme sustentado pelos recorrentes. 

Como bem pontuado pela Procuradoria Regional Eleitoral, os recorrentes produziram uma peça de propaganda eleitoral, a qual continha, além dos elementos gráficos típicos, dados da pesquisa, como número de eleitores ouvidos, data de sua realização e número do registro perante o TSE, de modo a conferir plena credibilidade à postagem. 

Ainda, o caso dos autos em nada se assemelha à jurisprudência trazida pelos recorrentes, onde foi afastada a responsabilidade de uma eleitora que, isoladamente, compartilhou o exato teor de publicação jornalística que trazia pesquisa não registrada. 

Neste feito, afere-se a conduta de candidato a prefeito de capital e de coligação com partidos políticos experientes, bem assessorados, acostumados com os procedimentos destinados a garantir a lisura do pleito. Ademais, custa acreditar que os recorrentes tiveram todo zelo na montagem da propaganda eleitoral, mas não se preocuparam em aferir a veracidade das informações ali contidas.

No tocante à aplicação da multa, esta é consequência automática da conduta ilícita, nos termos do art. 17 da Resolução TSE n. 23.600/19:

Art. 17. A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações constantes do art. 2º desta Resolução sujeita os responsáveis à multa no valor de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil, duzentos e cinco reais) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais) (Lei nº 9.504/1997, arts. 33, § 3º, e 105, § 2º).

Assim, a discricionariedade do juízo de condenação deve limitar-se apenas ao quantum de multa. 

Para tratar da questão, oportuno transcrever a brilhante fundamentação exarada na sentença a quo:

(...)

Em razão da veiculação de resultado de pesquisa a um registro que corresponde à pesquisa anterior, realizada por instituto diverso, está-se diante de publicação de pesquisa não registrada.

(...)

Pois bem, não é caso de perquirição de boa-fé, mas de exigir-se responsabilidade na divulgação de dados tão importantes, especialmente para o dia em que foram publicadas, e mínima preocupação com as informações prestadas nas mídias sociais.

Veja-se que há preocupação do sistema eleitoral com a divulgação de dados publicados na propaganda eleitoral, através do artigo 9º da Resolução 23.610, prevendo a verificação da fidedignidade da informação, com razoável segurança para sua utilização:

Art. 9º A utilização, na propaganda eleitoral, de qualquer modalidade de conteúdo, inclusive veiculado por terceiros, pressupõe que o candidato, o partido ou a coligação tenha verificado a presença de elementos que permitam concluir, com razoável segurança, pela fidedignidade da informação, sujeitando-se os responsáveis ao disposto no art. 58 da Lei nº 9.504/1997, sem prejuízo de eventual responsabilidade penal.

O objetivo da lei é o de prevenir a desinformação na propaganda eleitoral. E no caso concreto, a pesquisa sem registro e com dados não verdadeiros foi alardeada nas mídias sociais do candidato eleito e de sua Coligação.

Cada candidato ou coligação possui um departamento jurídico, como se sabe, até mesmo pela propositura de ações ou defesas apresentadas à Justiça Eleitoral nesse pleito municipal, sendo inadmissível que uma pesquisa inexistente, usando de dados falsos, tenha sido publicada sem a prévia conferência ao sistema Pesquele do TSE.

(...)

Indubitável, portanto, a ocorrência do fato e a responsabilidade dos representados que agiram com falta de precaução e cuidado. A eventual existência de crime deverá ser apurada na seara adequada. 

Aplica-se à hipótese o artigo 17 da referida Resolução:

Art. 17. A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações constantes do art. 2º desta Resolução sujeita os responsáveis à multa no valor de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil, duzentos e cinco reais) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais) (Lei nº 9.504/1997, arts. 33, § 3º, e 105, § 2º).

E, ainda, o artigo 33, § 3º da Lei 9504/97:

Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:

§ 3º A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações de que trata este artigo sujeita os responsáveis a multa no valor de cinqüenta mil a cem mil UFIR.

O ocorrido, além de grave, é inusitado no RS, porque não se localizou caso semelhante na jurisprudência do Tribunal deste Estado. Os casos localizados sempre apontaram um diferencial, seja de ilegitimidade do candidato, da coligação, do Partido, ou a publicação não caracterizava uma pesquisa eleitoral, ou a publicação fora feita em página de eleitor, etc.

(...)

Inegável que as pesquisas eleitorais têm grande poder de influência sobre os eleitores, pois se caracterizam como uma prévia das intenções de voto, especialmente pelos indecisos ou pelos defensores do voto útil. Ainda, pondere-se existir um grau de confiança no complexo trabalho realizado pelas empresas especializadas em pesquisas eleitorais, pela opinião pública.

Considere-se que o instituto escolhido como responsável pela pesquisa impugnada foi nada menos que o Datafolha, reconhecidamente idôneo.

A legislação obriga os interessados ao prévio registro da metodologia de trabalho, para  viabilizar o controle público e judicial das pesquisas, como se verifica do art. 33 da Lei n. 9.504/97, estabelecendo elevada penalidade pecuniária para o caso de divulgação sem prévio registro.

Considerando tudo quanto está fundamentado, gravidade da situação, dia da ocorrência do fato impossibilidade de aceitação da alegada boa-fé, bem como a inegável influência do resultado da pesquisa não verdadeira nos eleitores, fixo a pena de multa no máximo previsto, ou seja, em R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais).

(...)

 

Como ressaltado pela magistrada na decisão a quo, o fato é inusitado no Rio Grande do Sul. Inusitado porque não é comum verificar tal falta de diligência por parte de candidato e partidos tão experientes em campanha, situação que coloca em dúvida a boa-fé dos recorrentes.

Além do mais, trata-se de pesquisa eleitoral fraudulenta/não registrada divulgada às vésperas do 2º turno da disputa ao cargo de prefeito de capital. É inegável que tal fato dificultou a retratação ou a retificação do conteúdo informado, sendo capaz de influenciar o voto do eleitor antes do pleito, aumentando, com isso, a potencialidade lesiva da conduta. 

Cumpre referir que o fato de os recorrentes providenciarem a retirada da pesquisa de suas redes sociais em pouco mais de uma hora após sua divulgação, como alegado, torna-se irrelevante diante da circunstância de a veiculação ter ocorrido às vésperas da eleição e utilizado meio de comunicação com alta velocidade na disseminação da informação. 

Por essas razões, entendo correta a fixação da multa em seu patamar máximo.

Assim, o recurso interposto pelos recorrentes não merece provimento, devendo a sentença ser mantida por seus próprios fundamentos. 

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.