REl - 0600293-18.2020.6.21.0036 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/04/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e adequado, motivo pelo qual dele conheço.

Em relação à preliminar de ilegitimidade passiva de MARIO RAUL DA ROSA CORREA e AMILCAR PEREIRA DE PEREIRA, candidatos a prefeito e vice-prefeito, bem como da COLIGAÇÃO QUARAÍ PODE MAIS, tenho que o tema se confunde com o mérito, motivo pelo qual será nele examinado.

No mérito, a controvérsia restringe-se à caracterização ou não das postagens impugnadas como sendo divulgação de pesquisa sem registro em relação à eleição majoritária no Município de Quaraí/RS. Ao que consta, a representada THAISE CORREA DALSASSO, candidata à vereadora (filha de MARIO RAUL DA ROSA CORREA, concorrente a prefeito no Município de Quaraí), divulgou, em 13.11.2020, no Facebook, suposta pesquisa eleitoral que apontava como vencedores do pleito de 2020 os representados MARIO e AMILCAR, candidatos da COLIGAÇÃO QUARAÍ PODE MAIS.

Acerca de pesquisas de opinião, o art. 33 da Lei n. 9.504/97 dispõe, in verbis:

Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:

I - quem contratou a pesquisa;

II - valor e origem dos recursos despendidos no trabalho;

III - metodologia e período de realização da pesquisa;

IV - plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho a ser executado, intervalo de confiança e margem de erro; (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

V - sistema interno de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do trabalho de campo;

VI - questionário completo aplicado ou a ser aplicado;

VII - nome de quem pagou pela realização do trabalho e cópia da respectiva nota fiscal. (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

 § 1º As informações relativas às pesquisas serão registradas nos órgãos da Justiça Eleitoral aos quais compete fazer o registro dos candidatos.

 § 2o  A Justiça Eleitoral afixará no prazo de vinte e quatro horas, no local de costume, bem como divulgará em seu sítio na internet, aviso comunicando o registro das informações a que se refere este artigo, colocando-as à disposição dos partidos ou coligações com candidatos ao pleito, os quais a elas terão livre acesso pelo prazo de 30 (trinta) dias.             (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3º A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações de que trata este artigo sujeita os responsáveis a multa no valor de cinqüenta mil a cem mil UFIR.

§ 4º A divulgação de pesquisa fraudulenta constitui crime, punível com detenção de seis meses a um ano e multa no valor de cinqüenta mil a cem mil UFIR.

 

O § 5º do art. 33 da Lei n. 9.504/97 (nesta acrescido pelo art. 3º da Lei n. 12.891/13) assim determina:

§ 5º é vedada, no período de campanha eleitoral, a realização de enquetes relacionadas ao processo eleitoral.

 

Na mesma linha, a Resolução TSE n. 23.600/19, que trata das pesquisas eleitorais nas eleições de 2020, assim estabelece em seu art. 23, §§ 1º a 3º:

Art. 23. Art. 23. É vedada, a partir da data prevista no caput do art. 36 da Lei nº 9.504/1997, a realização de enquetes relacionadas ao processo eleitoral. (Vide, para as Eleições de 2020, art. 4º da Resolução n. 23.624/2020)

§ 1º Entende-se por enquete ou sondagem o levantamento de opiniões sem plano amostral, que dependa da participação espontânea do interessado, e que não utilize método científico para sua realização, quando apresentados resultados que possibilitem ao eleitor inferir a ordem dos candidatos na disputa.

§ 2º A partir da data prevista no caput deste artigo, cabe o exercício do poder de polícia contra a divulgação de enquetes, com a expedição de ordem para que seja removida, sob pena de crime de desobediência.

§ 3º O poder de polícia não autoriza a aplicação de ofício, pelo juiz eleitoral, de multa processual ou daquela prevista como sanção a ser aplicada em representação própria (Súmula TSE n. 18).

 

Por fim, a Resolução TSE n. 23.624/20, que dispõe sobre o Calendário Eleitoral das Eleições 2020, informa o dia 27.9.2020 como data a partir da qual não é permitida a realização de enquetes relacionadas ao processo eleitoral.

Infere-se, portanto, que, nos termos do § 1º do art. 23 da Resolução TSE n. 23.600/19, “entende-se por enquete ou sondagem o levantamento de opiniões sem plano amostral, que dependa da participação espontânea do interessado, e que não utilize método científico para sua realização, quando apresentados resultados que possibilitem ao eleitor inferir a ordem dos candidatos na disputa”.

Ou seja: a pesquisa eleitoral stricto sensu – aquela devidamente registrada na Justiça Eleitoral – difere da enquete ou sondagem.

E para distinguir com clareza os aspectos atinentes a cada forma de pesquisa de opinião pública, recorro à atualizada doutrina do Promotor de Justiça Rodrigo López Zilio, que bem abordou o tema (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. p. 442):

A pesquisa eleitoral não se confunde com enquete ou sondagem. Com efeito, enquete ou sondagem consiste em um mero levantamento de opiniões, sem controle de amostra, que não utiliza método científico para sua realização, dependendo apenas da participação espontânea do entrevistado. A Lei nº 12.891/13 incluiu o §5º do art. 33 na LE, prevendo que “é vedada, no período de campanha eleitoral, a realização de enquetes relacionadas ao processo eleitoral". A regra proíbe a divulgação de tudo o que não se caracterize tecnicamente como pesquisa eleitoral, abrangendo tanto a realização de enquete como de sondagens. A vedação estabelecida ocorre desde que a enquete seja relacionada ao processo eleitoral, ou seja, faça referência a candidatos, partidos ou eleições (grifo nosso).

 

Assim, a enquete ou sondagem consiste em mero levantamento de opiniões, sem controle de amostra, que não utiliza método científico para sua realização, dependendo apenas da participação espontânea do entrevistado.

Não desconheço que as pesquisas eleitorais possuem um papel importantíssimo para as campanhas eleitorais e a escolha de candidatos. A avaliação constitui ferramenta ideal para verificação da disputa entre candidatos e a intenção de voto do eleitorado, muitas vezes espelhando e antevendo o desempenho no dia da eleição.

No caso, as postagens não se revelam como uma pesquisa eleitoral propriamente dita, nem tiveram a capacidade de gerar forte possibilidade de indução na vontade do eleitor, sendo incapazes de induzir ou manipular o eleitorado.

Note-se que as publicações (ID 11714933) foram compartilhamentos da página “NetUruguay”, que, no idioma espanhol, se refere a uma “consulta” da população de Quaraí, sem especificar número de pessoas, bairros, margem de erro e demais características de uma pesquisa eleitoral.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é no sentido de compreender que “simples enquete ou sondagem, sem referência a caráter científico ou metodológico, não se equipara ao instrumento de pesquisa preconizado em referido dispositivo" (REspe n. 754-92, rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 20.4.2018). Confira-se, a propósito:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. DIVULGAÇÃO DE SUPOSTA PESQUISA ELEITORAL SEM PRÉVIO REGISTRO. FACEBOOK. PUBLICAÇÃO DE DADOS SUPERFICIAIS. MULTA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. VERBETES DAS SÚMULAS 24 E 30/TSE. INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. A Corte Regional, instância exauriente na análise dos fatos e das provas, assentou que os dados publicados em página pessoal do Facebook não têm elementos mínimos para configurar pesquisa eleitoral, mais se assemelhando a enquete.

2. Segundo o Tribunal de origem, o texto divulgado não teve aptidão para iludir o eleitorado, diante da inexpressividade da página do Facebook, da primariedade da mensagem e do contingente ínfimo de pessoas pesquisadas. 3. A revisão do entendimento adotado pelo Tribunal a quo ensejaria o revolvimento das provas dos autos, providência vedada em sede extraordinária, a teor do verbete sumular 24 do TSE. 4. O acórdão regional está em consonância com a jurisprudência desta Corte em relação à incidência do art. 33 da Lei 9.504/97, firmada no sentido de que "simples enquete ou sondagem, sem referência a caráter científico ou metodológico, não se equipara ao instrumento de pesquisa preconizado em referido dispositivo" (REspe 754-92, rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 20.4.2018). Precedentes. Incidência do verbete da Súmula 30 do TSE. 5. O entendimento do Tribunal de origem encontra respaldo na orientação juris-prudencial desta Corte, no sentido de que a incidência da multa por divulgação de pesquisa eleitoral sem registro exige a presença de alguns elementos mínimos de formalidade para que seja considerada pesquisa de opinião, sem os quais o texto pode configurar mera enquete ou sondagem, cuja divulgação prescinde de registro e não enseja a aplicação de sanção pecuniária. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 38792 - Ministro Sergio Silveira Banhos – Data: 30.8.2019.) (Grifo nosso)

 

De outra sorte, de acordo com a Lei das Eleições e a Resolução TSE n. 23.600/19, para a realização de pesquisa eleitoral é necessário que a empresa responsável informe à Justiça Eleitoral quem a contratou; valor e origem dos recursos despendidos no trabalho; metodologia e período de realização da pesquisa; intervalo de confiança e margem de erro; questionário completo aplicado ou a ser aplicado; nome de quem pagou pela realização do trabalho e cópia da respectiva nota fiscal.

A divulgação de pesquisas eleitorais que não estejam devidamente registradas é considerada como ilícito eleitoral gravíssimo, que sujeita os responsáveis à pena de multa de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil, duzentos e cinco reais) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais).

Ainda, se a pesquisa divulgada for fraudulenta, ou seja, apresentar dados inverídicos, o fato caracteriza crime eleitoral punível com detenção de seis meses a um ano e multa no valor de R$ 53.205,00 a R$ 106.410,00.

Por conseguinte, tenho que não se mostra razoável punir os recorrentes com a pesada multa prevista para a divulgação de pesquisa sem registro quando é possível concluir pela inexistência de mínima potencialidade lesiva nas postagens realizadas, traduzindo-se em meros comentários sobre expectativa de levantamentos que poderiam vir a se realizar, inclusive com referência a site estrangeiro.

Diante da ausência de informações claras e específicas sobre dados de efetiva pesquisa eleitoral, como índices categóricos de desempenho entre candidatos, ou outros argumentos de ordem técnica próprios de levantamentos estatísticos, considero que o material não atrai a penalidade prevista no § 3º do art. 33 da Lei n. 9.504/97.

De fato, a simples referência à investigação de intenções de votos desprovida de qualquer dado concreto, a exemplo do número de entrevistados, período de realização, margem de erro, comparativos, índices, entre outros, não se equipara à divulgação de pesquisa eleitoral, conforme já assentado desde há muito por esta Corte Regional no julgamento do RE 9-51, relatoria do Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, julgado na sessão de 30.01.2014, cuja ementa transcrevo:

Recursos. Pesquisa eleitoral. Art. 18 da Resolução TSE n. 23.364/11. Eleições 2012.

Alegada veiculação de pesquisa sem registro junto à Justiça Eleitoral no horário da propaganda gratuita de rádio.

Mensagem que não se reveste de pesquisa, porquanto desprovida de dado concreto, a exemplo do número de entrevistados, período de realização, margem de erro, comparativos, índices e outros elementos indispensáveis para a sua formatação.

Reforma da sentença. Afastada a multa imposta.

Não conhecimento do apelo ministerial, por intempestivo. Provimento do recurso da coligação.

 

Assim, considerando que as postagens veiculadas na rede social Facebook caracterizam-se como enquete – ou seja, um levantamento informal de intenções de obtenção de voto – divulgada em período eleitoral, visto que publicada em novembro de 2020, cabe reconhecer a pretensão dos recorrentes de não qualificar a irregularidade como pesquisa eleitoral, não comportando a aplicação da penalidade prevista no art. 17 da Resolução TSE n. 23.600/19.

Ademais, os recorrentes comprovaram a devida remoção das postagens veiculadas, tão logo intimados para tanto.

Com essas considerações, merece ser parcialmente provido o recurso, devendo ser reformada a sentença lançada pelo Juízo da 036ª Zona Eleitoral, para o efeito de afastar a condenação ao pagamento de multa por divulgação de pesquisa eleitoral irregular.