REl - 0600513-10.2020.6.21.0135 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/04/2021 às 14:00

VOTO

Inicialmente, não conheço das contrarrazões apresentadas pelos recorridos no ID 11282183, em razão de sua manifesta intempestividade.

Os recorridos foram intimados para apresentação de contrarrazões ao recurso interposto, pelo PJe, em 08.11.2020, e a peça foi ofertada somente em 10.11.2020, após o prazo de 1 (um) dia previsto no art. 22 da Resolução TSE n. 23.608/19, que regulamenta o art. 96, § 8º, da Lei das Eleições:

Art. 22. Contra sentença proferida por juiz eleitoral nas eleições municipais é cabível recurso, nos autos da representação, no PJe, no prazo de 1 (um) dia, assegurado ao recorrido o oferecimento de contrarrazões em igual prazo, a contar da sua intimação para tal finalidade (Lei nº 9.504/1997, art. 96, § 8º).

Parágrafo único. Oferecidas contrarrazões ou decorrido o prazo respectivo, os autos serão imediatamente remetidos ao tribunal regional eleitoral, no PJe, na classe Recurso Eleitoral (RE).

 

Portanto, não conheço das contrarrazões.

No mérito, aduz a recorrente que os recorridos praticaram ato de abuso de poder de autoridade e violaram o art. 73, incs. I e III, da Lei n. 9.504/97:

art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado.

 

A sentença recorrida julgou improcedente a ação, concluindo que a representante não se desincumbiu do ônus de comprovar que, no momento em que realizada a gravação do vídeo impugnado, o Secretário Municipal da Saúde estava em horário de expediente. Além disso, apontou o juízo a quo que “o vídeo foi gravado em local de uso comum, de livre acesso, onde poderia ter sido produzida propaganda por qualquer candidato, de qualquer agremiação”, merecendo ser transcritas as razões de decidir:

Improcede a representação.

Inexistiu exercício abusivo de poder político na espécie.

A matéria é de singeleza franciscana.

Não houve demonstração de que o Secretário participara da gravação em horário de expediente - carga probatória do Representante.

Ainda, em tempos de pandemia, o conceito de "horário de expediente" é volátil e desfasado.

Argumento débil e indemonstrado.

Ademais, a alegação de uso de bem público por filmagem, em terreno a ser construída a unidade de saúde, aparta-se de lógica e razoabilidade.

Qualquer um poderia efetivar gravação no local.

Escrever mais é repetir o óbvio à exaustão.

Reproduzo, pela adequação, a leitura do Parquet Eleitoral - da lavra do e. Dr. Gustavo Ramos Viana:

"A participação do Secretário de Saúde do Município não caracteriza abuso de poder e conduta vedada. Primeiro, porque não restou demonstrado que a gravação tenha ocorrido no chamado horário de expediente. E, segundo, porque talvez sequer se possa falar na aplicabilidade de tal horário a Secretário de Município. No máximo, pode ter sido inadequada a participação do Secretário, como destacado na decisão que concedeu a liminar, mas insuficiente para que se reconheça abuso de poder político.

Por fim, a mera visualização da propaganda demonstra que o vídeo foi gravado em local de uso comum, de livre acesso, onde poderia ter sido produzida propaganda por qualquer candidato, de qualquer agremiação".

 

Em suma: ausente mínima razoabilidade à pretensão, o inacolher da pretensão é medida de rigor.

Isso posto, julgo improcedente a representação.

 

Apesar do inconformismo da recorrente, suas razões não são suficientes para infirmar a conclusão da sentença.

As condutas vedadas foram previstas para garantir a igualdade de condições entre os candidatos, impedindo que os ocupantes de cargos públicos se valham dessa condição para obter benefícios eleitorais.

O fato de o candidato recorrido ter realizado propaganda eleitoral a partir de dados de projetos de obra pública mantidos em arquivos da administração municipal não caracteriza, necessariamente, o uso de bens ou de serviços públicos com malferimento à isonomia entre os candidatos.

Nesse ponto, considerando que os dados pormenorizados sobre projetos de obras públicas podem ser solicitados por qualquer cidadão interessado, não se verifica a existência de ato abusivo ou quebra da paridade de armas em virtude da elaboração de material de campanha com base em tais informações.

De fato, a propaganda eleitoral anunciando a obra é forte indício do desvio de finalidade, mas, por si só, não é prova suficiente do uso da máquina pública em benefício da campanha de candidato, pois a referência a serviços públicos e a divulgação de sua imagem na campanha é, em regra, admitida pela jurisprudência:

RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL E CONDUTA VEDADA. USO DE IMAGENS DE BEM PÚBLICO NA PROPAGANDA ELEITORAL VEICULADA NO HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO NA TELEVISÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. NÃO CONFIGURADA REALIZAÇÃO DE PROPAGANDA EMBEM PÚBLICO OU BENEFÍCIO A CANDIDATO OU PARTIDO. NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO.

1. Alegação de propaganda irregular e conduta vedada consistentes no uso de imagens de um centro de saúde municipal, na propaganda eleitoral veiculada no horário eleitoral gratuito na televisão. Ausência de realização de propaganda eleitoral em bem público e de benefício a candidato ou partido político. Não configuração da conduta vedada e da propaganda irregular.

2. O que a lei veda é o uso efetivo do aparato estatal em benefício de determinada candidatura, o que não se configura pela simples captura de imagens do bem público.

3. Parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral pela manutenção da sentença que julgou improcedente a representação.

4. Nega-se provimento ao recurso.

(TRE/SP, RECURSO n. 48119, Acórdão de 15.10.2012, Relator ANTONIO CARLOS MATHIAS COLTRO, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 15.10.2012 PSESS - Publicado em Sessão, Data 15.10.2012.)

 

Recursos. Ação de investigação judicial eleitoral. Art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012.

Parcial procedência da ação no juízo originário. Aplicada multa aos representados.

[...]

O comparecimento de candidato em solenidade de entrega de moradias populares não afronta a legislação de regência, uma vez que ausentes atos direcionados à campanha eleitoral.

Não reconhecido o uso da máquina pública ou a captação ilegal de votos. A divulgação da construção de casas populares como promessa de campanha de candidato não enseja qualquer ilicitude, sendo elemento integrante da sua plataforma política.

[...]

Provimento aos demais apelos.

(TRE/RS, Recurso Eleitoral n. 46547, Acórdão de 24.09.2013, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 183, Data 3.10.2013, Página 6.)

 

De igual modo, não foram demonstrados a data e o horário de gravação do vídeo nem foi requisitada informação à administração municipal para se verificar se, no momento da filmagem, o Secretário Municipal de Saúde Guilherme Ribas Smidt estava efetivamente em horário de expediente e no exercício da sua função.

Nesse ponto, não é razoável exigir que o agente público se apresentasse na propaganda omitindo a menção ao cargo público que ocupa.

Quanto ao uso de bens públicos, entendo correta a sentença ao apontar que o local da filmagem se trata de área comum acessível a qualquer dos candidatos ao pleito. A recorrente afirma que as imagens foram captadas em área pública que não é de livre acesso, mas não comprova a alegação, merecendo ser levada em conta a avaliação feita pelo juiz sentenciante nessa questão.

Com idêntico raciocínio, colho na manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral:

(…)

Ora, era ônus do autor comprovar os fatos constitutivos do direito almejado, providência da qual não se desincumbiu a contento no processo. Pela análise da inicial, sequer houve pedido de produção de prova testemunhal, muito menos a juntada de rol de testemunhas. Contentou-se o autor com a juntada de captura de tela, fiando-se num vídeo que em nenhum momento trouxe ao processo e que não se encontra mais disponível na rede mundial de computadores.

Quanto ao referido vídeo e ao suposto uso privilegiado de bens públicos, convém trazer a análise isenta empreendida pelo órgão ministerial na primeira instância (ID 11281683):

Conforme demonstraram a contestação dos requeridos e os documentos com ela trazidos, o vídeo produzido e utilizado na propaganda eleitoral do candidato Givago não utilizou dados que tenham sido por ele obtidos em razão de pertencer ao mesmo partido do Prefeito Municipal e tampouco por ter ocupado cargo na Administração.

Na verdade, se tratam de dados públicos, que poderiam ser acessados por qualquer pessoa. A participação do Secretário de Saúde do Município não caracteriza abuso de poder e conduta vedada. Primeiro, porque não restou demonstrado que a gravação tenha ocorrido no chamado horário de expediente.

E, segundo, porque talvez sequer se possa falar na aplicabilidade de tal horário a Secretário de Município. No máximo, pode ter sido inadequada a participação do Secretário, como destacado na decisão que concedeu a liminar, mas insuficiente para que se reconheça abuso de poder político.

Por fim, a mera visualização da propaganda demonstra que o vídeo foi gravado em local de uso comum, de livre acesso, onde poderia ter sido produzida propaganda por qualquer candidato, de qualquer agremiação. (grifos acrescidos).

Portanto, não comprovados pelo autor os fatos constitutivos do seu direito.

Mesmo que assim não fosse, no que se refere à participação de Secretário Municipal em campanha de candidato, e considerando se tratar de fato isolado, há decisões do TSE que afastam a submissão daquele, enquanto agente político, a jornadas rígidas de trabalho para efeito de incidência do art. 73, III, da Lei das Eleições, conforme refere o julgado que segue:

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. AÇÃO DEINVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER POLÍTICO. CONDUTA VEDADA. PREFEITO. VICE-PREFEITO.

(…)

5. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul manteve o reconhecimento das condutas vedadas do art. 73, I e III, da Lei9.504/97, em face do comparecimento de secretários em ato de campanha no horário de expediente, bem como em razão do fornecimento de número de celular como contato por ocasião do requerimento do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP), conclusão que não se amolda à jurisprudência desta Corte e ao sistema normativo.

6. Conforme já se decidiu, “os agentes políticos não se sujeitam a expediente fixo ou ao cumprimento de carga horária, o que afasta a incidência do inciso III do referido dispositivo legal” (RP 145-62, rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 27.8.2014).7. A mera indicação de número de telefone da administração pública, no bojo de Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP), não se amolda ao tipo do art. 73, I, da Lei9.504/97, para o qual se exige a cessão ou o uso efetivo, em benefício de candidato, partido político ou coligação, de bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. Afastamento das condutas vedadas descritas no art.73, I e III, da Lei 9.504/97.(…)

(Recurso Especial Eleitoral nº 32372, Acórdão, Relator(a) Min.Admar Gonzaga, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico,Tomo 65, Data 04/04/2019, Página 64/65)

 

Por último, convém frisar que inexiste impedimento jurídico a que um servidor público, desde que fora do expediente, e como cidadão, venha a participar da campanha de um candidato.

Ademais, não se verifica abuso de poder econômico no mero fato de o conteúdo ser patrocinado, constituindo tal uma modalidade lícita de propaganda, inclusive com previsão no art. 57-C da Lei nº 9.504/97.

Também não verificado gasto excessivo, até porque, segundo os documentos trazidos com a inicial, o candidato gastou apenas R$ 100,00 com o impulsionamento.

Cumpre frisar, por fim, que, para que se configure abuso de poder político ou econômico, o fato deve ostentar uma tal gravidade a ponto de afetar anormalidade e a legitimidade das eleições, circunstância que, nem proximamente, se evidencia no caso em tela.

Destarte, a manutenção da sentença de improcedência é medida que se impõe.

 

Dessa forma, entendo não haver provas suficientes da conduta vedada e do ato abusivo imputados aos recorridos, motivo pelo qual deve ser mantida a sentença de improcedência da representação.

 

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento ao recurso.