REl - 0600647-25.2020.6.21.0042 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/04/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas.

 

1. Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal.  Contudo, merece ser apenas parcialmente conhecido. De acordo com o disposto no art. 6º, §§ 1º e 4º, da Lei n. 9.504/97, verbis:

Art. 6º É facultado aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações para eleição majoritária, proporcional, ou para ambas, podendo, neste último caso, formar-se mais de uma coligação para a eleição proporcional dentre os partidos que integram a coligação para o pleito majoritário.

§ 1º A coligação terá denominação própria, que poderá ser a junção de todas as siglas dos partidos que a integram, sendo a ela atribuídas as prerrogativas e obrigações de partido político no que se refere ao processo eleitoral, e devendo funcionar como um só partido no relacionamento com a Justiça Eleitoral e no trato dos interesses interpartidários.

(...)

§ 4º O partido político coligado somente possui legitimidade para atuar de forma isolada no processo eleitoral quando questionar a validade da própria coligação, durante o período compreendido entre a data da convenção e o termo final do prazo para a impugnação do registro de candidatos.

 

Com a alteração introduzida pela EC n. 97/17, no art. 17, § 1º, da Constituição Federal, os partidos políticos conservaram a sua autonomia para a definição dos critérios de escolha e o regime de suas coligações no pleito majoritário, vedando-se, entretanto, a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal.

Da conjugação dessas normativas, tem-se, como regra, que os partidos políticos são partes legítimas à propositura de ações eleitorais de forma individualizada, exceto no pleito majoritário, quando estiverem coligados a outras agremiações, pois, no pleito proporcional, por força do referido comando constitucional, a sua atuação será sempre isolada.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e deste Regional é uníssona nesse sentido, como colho das seguintes ementas:

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2014. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. PREFEITURA. PERÍODO VEDADO. DEPUTADO FEDERAL. BENEFICIÁRIO. REEXAME. SÚMULA 7/STJ. DESPROVIMENTO.

Do histórico da demanda.

1. Alexandre Lucena (Prefeito de Cidade Gaúcha/PR) e José Carlos Becker de Oliveira e Silva (Deputado Federal reeleito em 2014) foram multados em R$ 15.000,00 cada um por ostensiva propaganda favorável ao segundo recorrente em informativo institucional do Município que circulara já durante o período de campanha nas eleições gerais de 2014 (art. 73, VI, b, da Lei 9.504/97).

Das questões preliminares.

1. O recurso cabível é o especial, porquanto na inicial pugnou-se apenas por se impor multa aos recorrentes.

2. Partido político que se coligou apenas para pleito majoritário tem legitimidade para agir de modo isolado no proporcional, situação em que se enquadra o recorrido (Diretório Estadual do Partido do Movimento Democrático Brasileiro). Precedentes.

3. O pedido delimita-se pelos fatos imputados aos réus e não pela errônea capitulação legal que deles se faça (precedentes). Embora a exordial remeta à conduta vedada do art. 73, II, da Lei 9.504/97 (uso em favor de candidato de materiais e serviços custeados pelo erário), correta a subsunção dos fatos pela Corte Regional ao art. 73, VI, b (publicidade institucional em período crítico).

Da matéria de fundo.

(…)

(Respe n. 156388, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 27.9.2016.) (Grifei.)

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. FACEBOOK E INSTAGRAM. INDEFERIMENTO. CONTRARRAZÕES. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE ATIVA. PARTIDO POLÍTICO COLIGADO. ATUAÇÃO ISOLADA. ACOLHIMENTO. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.

1. Inconformidade contra decisão que indeferiu a representação ao fundamento de que o pedido foi realizado de forma genérica, sem especificar o rito processual, e que não se trata de divulgação realizada no rádio ou na televisão após o início da propaganda eleitoral, nos termos dos arts. 322, 324 e 485, incs. I e IV, do CPC.

2. Preliminar de ilegitimidade ativa. Agremiação integrante de coligação. Nos termos do disposto no art. 6º, § 1º, da Lei n. 9.504/97, a coligação deve funcionar como um só partido no relacionamento com a Justiça Eleitoral e no trato dos interesses interpartidários. Em seu § 4º, o qual foi incluído pela Lei n. 12.034/09, é expresso em determinar que, quando coligado, o partido político detém legitimidade para atuar de forma isolada perante a Justiça Eleitoral exclusivamente para questionar a validade da própria coligação. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e desta Corte é uníssona no sentido de entender que partido político, quando coligado, não possui legitimidade para atuar isoladamente no processo eleitoral. Sendo a demanda atinente à eleição majoritária, em que o partido se encontra coligado, é patente sua ilegitimidade ad causam, impondo-se a extinção do feito, sem julgamento do mérito.

3. Acolhida a preliminar. Extinção sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inc. VI, do CPC.

(TRE-RS, RE n. 0600346-45.2020.6.21.0150, Relator SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, publicado na sessão de julgamento de 29.10.2020.) (Grifei.)

 

Logo, partindo dessas premissas legais e jurisprudenciais, o RECORRENTE que, na eleição majoritária, compôs a COLIGAÇÃO UNIÃO DO POVO POR SANTA ROSA (PT / PC do B, PL / PDT), não detém legitimidade para pleitear, por meio da presente AIJE, a condenação de ANDERSON MANTEI e BALDEMIR EDUARDO ULRICH e da COLIGAÇÃO UNIÃO PARA AVANÇAR (CIDADANIA /PRTB / PSL / PP / MDB / PTB), pela qual disputaram os cargos de prefeito e vice-prefeito, como beneficiários da prática de abuso de poder político e econômico ou de condutas vedadas, em decorrência dos fatos narrados na inicial.

A legitimidade ativa ad causam do RECORRENTE, na hipótese, restringe-se ao questionamento da licitude dos fatos estritamente no que se relacionam ao pleito proporcional, alcançando os ilícitos eleitorais imputados a CLÁUDIO SCHIMIDT, candidato à reeleição ao cargo de vereador pelo MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB), devido à publicação do vídeo em seu perfil pessoal na rede social Facebook, assim como a ALCIDES VICINI, prefeito à época, na condição de agente político igualmente indicado como responsável pelas práticas ilícitas.

Pontuo que, no caso concreto, a demanda foi ajuizada em 09.11.2020, ou seja, quando ainda se encontrava em curso o período eleitoral, não ensejando, portanto, o debate acerca da legitimação concorrente da coligação e dos partidos políticos que a integraram para o ajuizamento de demandas eleitorais após a realização das eleições, em face da eventual possibilidade de divergência entre os seus respectivos interesses, como reconhecido em julgados deste Tribunal, na esteira de precedentes da Corte Superior (TRE-RS, RE n. 310-71, Relator Des. Eleitoral JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, DEJERS de 16.8.2017, p. 3; TSE, AI n. 695-90, Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJE de 02.9.2014, p. 104).

Por essas razões, adotando parcialmente o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, conheço o recurso tão somente em relação a CLÁUDIO SCHIMIDT e ALCIDES VICINI e, de ofício, declaro a ilegitimidade ativa ad causam do PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de Santa Rosa para a propositura da presente AIJE relativamente a ANDERSON MANTEI, BALDEMIR EDUARDO ULRICH e a COLIGAÇÃO UNIÃO PARA AVANÇAR (CIDADANIA /PRTB / PSL / PP / MDB / PTB), extinguindo o processo, quanto a estes, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 485, inc. VI, do CPC.

 

2. Mérito

Ao sentenciar o feito, a magistrada de primeiro grau indeferiu a inicial da presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE por considerar manifestamente inadequada a via processual eleita para o processamento do pedido de condenação de CLÁUDIO SCHIMIDT e ALCIDES VICINI pela prática de abuso de poder político e econômico (art. 22, caput, da LC n.64/90), devido à ausência de um indício mínimo de prova, ou de requerimento de dilação probatória, acerca da potencialidade lesiva dos fatos objeto da exordial para influenciar o resultado das eleições, extinguindo o processo sem resolução de mérito (art. 485, incs. I e IV, do CPC).

No tocante à conduta de ALCIDES VICINI, considerou que haveria óbice à continuidade do processo, devido à impossibilidade de enquadramento da sua conduta em qualquer das hipóteses descritas no art. 73 da Lei n. 9.504/97, o que, ademais, deveria ter sido objeto de representação específica.

Nada obstante assista razão ao RECORRENTE quanto à possibilidade de cumulação de pedidos em Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE destinados a apurar, concomitantemente, a prática de abuso de poder em suas diferentes modalidades e de condutas vedadas, seguindo-se o rito descrito no art. 22 da LC n. 64/90 (TSE, RO n. 0601628-06.2018.6.12.0000, Relator Ministro TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, DJE de 05.3.2020, pp. 75-86), e a jurisprudência deste Regional tenha se firmado no sentido de dispensar a comprovação da potencialidade lesiva das condutas abusivas para interferir no resultado do pleito, bastando que as circunstâncias fáticas revistam-se de gravidade para afetar a legitimidade do processo eleitoral, não foram narrados fatos que pudessem embasar a pretensão condenatória do RECORRENTE.

De acordo com os fatos deduzidos pelo RECORRENTE, CLÁUDIO SCHIMIDT, que buscava reeleger-se vereador no Município de Santa Rosa pelo MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) no pleito de 2020, publicou o vídeo acostado no ID 12349083 em seu perfil pessoal na rede social Facebook no dia 16.10.2020, no qual, em conversa com um morador (de alcunha “Índio”) do Bairro Lajeado Figueira, falou a respeito de obra de calçamento de via pública que seria executada até o final da gestão de ALCIDES VICINI, prefeito à época e apoiador da COLIGAÇÃO UNIÃO PARA AVANÇAR (CIDADANIA /PRTB / PSL / PP / MDB / PTB), pela qual ANDERSON MANTEI e BALDEMIR EDUARDO ULRICH disputavam a eleição majoritária.

ALCIDES VICINI, por sua vez, em filmagem realizada nas dependências de seu gabinete na Prefeitura de Santa Rosa, apareceu informando a abertura do processo licitatório e garantindo aos moradores a realização da obra até o final do seu mandato, circunstância qualificadora do uso da estrutura pública com finalidade eleitoral, da realização de publicidade institucional e inauguração de obra pública em período vedado, e, ainda, de abuso de poder político e econômico (art. 73, incs. I e VI, al. "b", e 77, caput, da Lei n. 9.504/97 e art. 22, caput, da LC n. 64/90).

A finalidade eleitoral restaria demonstrada ao término do vídeo, com a divulgação da imagem do “santinho” utilizado na campanha de CLÁUDIO SCHIMIDT, caracterizando-se a potencialidade lesiva da conduta para interferir na normalidade das eleições pela ampla difusão da propaganda eleitoral entre os usuários das redes sociais.

Além disso, o áudio divulgado por Índio em grupo de WhatsApp (ID 12349133) revelaria o seu envolvimento na cooptação de votos para candidatura de CLÁUDIO SCHIMIDT, a quem atribuiu o mérito da consecução da obra pública.

Analisando o contexto fático posto sob análise, verifico, de plano, que em nada se relaciona ao comparecimento de ALCIDES VICINI, no exercício do cargo de prefeito de Santa Rosa, à inauguração de obra pública no Bairro Lajeado Figueira, nos três meses que antecederam o pleito, inexistindo qualquer indicativo do cometimento da conduta vedada prevista no 77, caput, da Lei n. 9.504/97.

O mesmo observo sob o prisma da realização de propaganda institucional por ALCIDES VICINI em benefício da candidatura de CLAÚDIO SCHIMIDT nos três meses anteriores às eleições (art. 73, inc. VI, al. "b", da Lei n. 9.504/97).

Nessa linha, o vídeo (ID 12349083) foi postado no perfil pessoal de CLÁUDIO SCHIMIDT na rede social Facebook, ao passo que, como vem sendo reiteradamente decidido pelo Tribunal Superior Eleitoral em casos análogos, (…) a veiculação de postagens sobre atos, programas, obras, serviços e/ou campanhas de órgãos públicos federais, estaduais ou municipais em perfil privado de rede social não se confunde com publicidade institucional autorizada por agente público e custeada com recursos públicos, a qual é vedada aos agentes públicos nos três meses que antecedem as eleições (TSE, RE 0600326-23/ES, Relator RODRIGO MARQUES DE ABREU JÚDICE, DJE de 21.1.2021, pp.7-9).

Ressalto que, no vídeo em questão, CLÁUDIO SCHIMIDT discorreu a respeito e mostrou a imagem de uma reunião que havia sido realizada com os moradores do Bairro Lajeado Figueira, na qual postularam o calçamento da via pública de acesso à localidade.

Na sequência, mediante recurso de edição de vídeo, aparecem as imagens de ALCIDES VICINI, gravadas em seu gabinete na Prefeitura de Santa Rosa, respondendo à reivindicação da comunidade, modalidade de comunicação que, segundo sustentado em sua defesa, foi priorizada em detrimento do atendimento presencial aos cidadãos no prédio da municipalidade, por conta dos riscos decorrentes da pandemia do novo Coronavírus (COVID-19).

Diante desse cenário, não identifico hipótese de uso da máquina pública na produção e na divulgação da postagem voltada a beneficiar campanhas eleitorais em canal exclusivo da Administração em ambiente das redes sociais, elemento indispensável ao reconhecimento da propaganda institucional, segundo as diretrizes adotadas na interpretação da norma proibitiva do art. 73, inc. VI, al. "b", da Lei n. 9.504/97 (TSE, RESPE n. 0000376-15.2016.6.08.0027/ES, Relator Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO, DJE de 17.4.2020).

No tocante a CLÁUDIO SCHIMIDT, refiro, ainda, que a veiculação de suas realizações como vereador em seu perfil particular no Facebook constitui atividade lícita de campanha eleitoral, que não ultrapassa a fronteira da mera promoção pessoal, consistente na prestação de contas de suas atividades ao longo do exercício do mandato parlamentar, prerrogativa inerente à livre manifestação de pensamento em meio, aliás, acessível a todos os candidatos.

Essa mesma prerrogativa é indiscutivelmente reconhecida aos eleitores que, em suas manifestações nos diversos meios de comunicação e redes sociais em espaços democráticos, podem externar suas convicções e preferências político-partidárias, a exemplo do que observei no áudio postado por “Índio” em grupo de WhtasApp (ID 12349133) relativamente à candidatura de CLÁUDIO SCHMIDT, sem que disso ressalte, sequer em tese, a sua participação em esquema de captação de votos em troca da pavimentação da via pública no Bairro Lajeado Figueira.

Pelo idêntico motivo de não extrair da explanação fática o uso do aparato estatal em benefício da candidatura de CLÁUDIO SCHMIDT, entendo que a presente demanda não merece trânsito quanto ao pedido condenatório pela prática da conduta vedada descrita no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, cujo núcleo é o emprego de bens pertencentes à administração em desvio de finalidade eleitoral, provocando distorções na isonomia entre os candidatos.

Por derradeiro, da análise do conjunto probatório acostado aos autos pelo RECORRENTE, nem ao menos em raciocínio hipotético extrai-se o cometimento de abuso de poder político ou econômico, por intermédio do uso irregular da estrutura pública municipal, que pudesse autorizar a instauração de AIJE com vistas à condenação dos RECORRIDOS à penalidade de cassação do registro ou diploma, com fundamento no art. 22, caput e incs. XIV e XVI, da LC n. 64/90, de modo que não constato negativa de prestação jurisdicional com o indeferimento da petição inicial que pudesse justificar o retorno dos autos ao primeiro grau, para que fosse dado seguimento à instrução do processo.

Diante do exposto, VOTO por:

a) de ofício, extinguir o processo sem resolução de mérito relativamente a ANDERSON MANTEI, BALDEMIR EDUARDO ULRICH e à COLIGAÇÃO UNIÃO PARA AVANÇAR (CIDADANIA /PRTB / PSL / PP / MDB / PTB), em virtude de ilegitimidade ativa ad causam do PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de Santa Rosa (art. 485, inc. VI, do CPC);

b) conhecer parcialmente o recurso interposto pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de Santa Rosa, apenas com relação a CLÁUDIO SCHIMIDT e a ALCIDES VICINI, negando-lhe provimento, ao efeito de manter a decisão que indeferiu a inicial da presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral e extinguiu o processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, incs. I e IV, do CPC.

É como voto, senhor Presidente.