REl - 0600457-34.2020.6.21.0019 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/04/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo. Preenchidos os demais pressupostos recursais, passo ao exame de mérito.

No mérito, a controvérsia está restrita à análise da existência de propaganda eleitoral antecipada. Consta que os recorridos teriam publicado fotos e vídeos na rede social Facebook com o fim de divulgar pré-candidaturas aos cargos majoritários no Município de Encruzilhada do Sul - RS. A fundamentação constante na sentença (ID 11163533) é no seguinte sentido:

Portanto, a conduta dos representados, nas mídias sociais, ainda que exaltem as suas qualidades pessoais, busquem apoio político, mencionam as ações políticas desenvolvidas e das que pretendem desenvolver, bem como a divulgação da pré-candidatura, visto que não envolvem pedido explícito de voto, são legais. Isso porque somente o pedido explícito de votos caracteriza a propaganda antecipada irregular, não importando a forma utilizada e nem a utilização de recursos financeiros.

No que concerne à imputação de impulsionamento ilegal, tenho que não restou demonstrada qualquer irregularidade.

Por primeiro anoto que era impossível aos representados usarem o CNPJ de candidato nas postagens virtuais, tendo em vista que não tinha iniciado o período de registro de candidaturas. Da mesma forma, todas as normas referentes à propaganda eleitoral não se aplicam, posto que não iniciado, ainda, o período de realização desta.

Por outro lado, não restou demonstrado que os representados estão realizando impulsionamentos irregulares, sendo que esse exercício de liberdade de expressão encontra-se autorizado no art. 57-C da Lei das Eleições, desde que não contenha pedido explícito de votos e nem implique em gastos desproporcionais do pré-candidato médio.

Assevero, por oportuno, que a exceção prevista em lei, possibilitando os anúncios pagos para fins de propaganda eleitoral,  também deve ser estendida ao período pré-eleitoral, pois, não há sentido permitir o uso desse instrumento de liberdade de expressão durante a campanha eleitoral e proibi-lo antes desse período. Nesse sentido o acórdão acima mencionado.

Assim, considerando que o gasto com a divulgação de publicidade levado a efeito pelos impugnados está ao alcance do “pré-candidato médio”, não verifico a sua ilicitude.

 

Para que se possa compreender em profundidade o tema abordado, é necessário tecer algumas considerações preliminares sobre a evolução do entendimento acerca da caracterização da propaganda eleitoral antecipada.

A redação original da Lei n. 9.504/97, em seu art. 36, definia propaganda antecipada como qualquer publicação, divulgação ou promoção de candidatura anterior a 05 (cinco) de julho do ano da eleição. Alterações legislativas trouxeram um abrandamento das multas pelo descumprimento da regra (Lei n. 12.034/09) e uma flexibilização sobre a exposição dos pré-candidatos em período anterior à data de início da campanha eleitoral (Lei n. 13.165/15).

A edição da Lei n. 13.165/15 autorizou a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidade pessoais dos pré-candidatos, vedando apenas o pedido explícito de voto (art. 36-A, caput, da Lei n. 9.504/97). A motivação dessa maior liberdade no período de pré-campanha decorreu da redução do período de campanha, que era, anteriormente, permitida a partir de 5 de julho do ano da eleição e passou a ser autorizada após 15 de agosto. Para o pleito de 2020, foi postergada, excepcionalmente, para 27 de setembro em razão da Covid-19 (EC n. 107/20).

A respeito do tema, transcrevo o que constou no voto do Min. Edson Fachin, relator do Recurso Especial Eleitoral n. 060022731 (DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 123, Data: 01.7.2019):

Nas eleições anteriores a 2010, havia total proibição de propaganda eleitoral antes do dia 5 de julho (posteriormente modificado para o dia 15 de agosto), de modo que nenhuma referência à pretensão a um cargo eletivo poderia ser manifestada, à exceção da propaganda intrapartidária, com vistas à escolha em convenção.

A jurisprudência do TSE alcançava, também, a divulgação de fatos que levassem o eleitor a não votar em determinada pessoa, provável candidato, caracterizando-se o ato como propaganda eleitoral antecipada, negativa. Da mesma forma, era coibida a mensagem propagandística subliminar ou implícita que veiculasse eventual pré-candidatura, como a referência de que determinada pessoa fosse a mais bem preparada para o exercício de mandato eletivo.

A partir das eleições de 2010, porém, criou-se a figura do pré-candidato, sendo lícita a sua participação em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, desde que não houvesse pedido de votos, exigindo-se das emissoras de rádio e de televisão apenas o dever de conferir tratamento isonômico.

Nas eleições de 2014, a Lei n. 12.891/2013 ampliou a possibilidade do debate político-eleitoral, permitindo a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar de planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições. Além disso, tornou lícita a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, retirou a proibição de menção a possível candidatura, vedando apenas o pedido de votos.

Nas eleições de 2016, a pré-campanha foi consideravelmente ampliada, pois a Lei n. 13.165/2015 permitiu a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, além de diversos atos que podem ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet, com a única restrição de não haver pedido explícito de voto. Ou seja, à exceção dessa proibição, não há, atualmente, uma diferença substancial para os atos de propaganda antes e depois do chamado “período eleitoral” que se inicia com as convenções dos partidos políticos.

 

Quanto à redação do art. 36-A da Lei n. 9.504/97, o Min. Luís Roberto Barroso, relator do Recurso Especial Eleitoral n. 060048973, assentou que, ao longo do tempo, houve inequívoca valorização do direito à liberdade de expressão, onde a figura do pré-candidato pode iniciar a campanha eleitoral antes de 15 de agosto, desde que não realize pedido explícito de voto.

Diante da dicção legal, o entendimento do TSE tem sido de caracterizar propaganda eleitoral antecipada apenas a hipótese de pedido explícito de voto (AgrRg-REspe n. 4346/SE – j. 26.6.2018 – Rel. Min. Jorge Mussi).

E o pedido explícito de voto igualmente pode ser identificado pelo uso de determinadas “palavras mágicas” (magic words) - como, por exemplo, "apoiem" e "elejam"- que nos levem a concluir que o emissor está defendendo publicamente a sua vitória (AgRg-REspe n. 2931/RJ – j. 30.10.2018 - Rel. Min. Luís Roberto Barroso).

Em relação aos atos de pré-campanha, a compreensão tem sido de caracterizar como incompatível a realização de condutas que extrapolem os limites de forma e meio permitidos durante o período autorizado da campanha eleitoral, sob pena de ofensa ao equilíbrio que deve haver entre os competidores (REspe n. 0600227-31/PE – j. 09.04.2019 – Rel. Min. Edson Fachin).

Ainda, são utilizados os critérios estabelecidos no voto do Ministro Luiz Fux (AgRg-AI n. 924/SP - j. 26.06.2018 – Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto):

[…]

(a) o pedido explícito de votos, entendido em termosestritos, caracteriza a realização de propaganda antecipada irregular, independentemente da forma utilizada ou da existência de dispêndio de
recursos; (b) os atos publicitários não eleitorais, assim entendidos aqueles sem qualquer conteúdo direta ou indiretamente relacionados com a disputa, consistem em ‘indiferentes eleitorais’, situando-se, portanto, fora da alçada desta Justiça Especializada; e (c) o uso de elementos classicamente
reconhecidos como caracterizadores de propaganda, desacompanhado de pedido explícito e direto de votos, não enseja irregularidade per se; todavia, a opção pela exaltação de qualidades próprias para o exercício de mandato, assim como a divulgação de plataformas de campanha ou planos de
governo acarreta, sobretudo quando a forma de manifestação possua uma expressão econômica minimamente relevante, impõe os seguintes ônus e exigências: (i) impossibilidade de utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda (outdoor, brindes, etc); e (ii) respeito ao
alcance das possibilidades do pré-candidato médio.

 

Esses parâmetros foram também explicitados por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento n. 060009124, Relator Min. Luís Roberto Barroso:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL COM AGRAVO. ELEIÇÕES 2018. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. Agravo interno contra decisão monocrática que negou seguimento a agravo nos próprios autos interposto para impugnar decisão de inadmissão de recurso especial eleitoral.

2. Na análise de casos de propaganda eleitoral antecipada, é necessário, em primeiro lugar, determinar se a mensagem veiculada tem conteúdo eleitoral, isto é, relacionado com a disputa.

3. Reconhecido o caráter eleitoral da propaganda, deve–se observar três parâmetros alternativos para concluir pela existência de propaganda eleitoral antecipada ilícita: (i) a presença de pedido explícito de voto; (ii) a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda; ou (iii) a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos.

4. No caso, conforme já destacado na decisão agravada, (i) a expressão "conclamando à todos [sic] uma união total por Calçoene" não traduz pedido explícito de votos, bem como (ii) o acórdão regional não traz informações sobre o número de pessoas que tiveram acesso à publicação ou sobre eventual reiteração da conduta, de modo que não há como concluir pela mácula ao princípio da igualdade de oportunidades. Ademais, o impulsionamento de publicação na rede social Facebook não é vedado no período de campanha, mas, sim, permitido na forma do art. 57–C da Lei nº 9.504/1997.

5. Na ausência de conteúdo eleitoral, ou, ainda, de pedido explícito de votos, de uso de formas proscritas durante o período oficial de propaganda e de qualquer mácula ao princípio da igualdade de oportunidades, deve–se afastar a configuração de propaganda eleitoral antecipada ilícita, nos termos do art. 36–A da Lei nº 9.504/1997.6. Agravo interno a que se nega provimento. (Agravo de Instrumento nº 060009124, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 25, Data: 05.02.2020.) (Grifo nosso)

 

Em resumo, a tendência do TSE é de restringir os atos de pré-campanha por limites de conteúdo (vedação do pedido explícito de voto e das “palavras mágicas” equivalentes) e forma (vetando atos de pré-campanha por formas proibidas de propaganda na campanha eleitoral), apontando uma postura de exame do caso concreto, dos custos da publicidade (especialmente quando a forma de pré-campanha extrapolar o limite do candidato médio).

Postas essas notas introdutórias, passo a analisar a hipótese fática.

Conforme se constata nos autos, em especial em prints juntados à peça exordial (ID 11161983), em momento algum houve pedido explícito de voto. Não restou demonstrado em nenhuma das provas colacionadas que o representado tenha buscado vantagem eleitoral, tratando-se de postagens que revelam a pré-candidatura, mas sem pedido explícito de voto.

Sobre o tema, há julgado da relatoria do Des. Eleitoral Gustavo Alberto Gastal Diefenthäler de 21 de setembro de 2020:

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. REDE SOCIAL. FACEBOOK. ART. 36-A DA LEI N. 9.504/97. NÃO CONFIGURADA. IMPROCEDENTE. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra decisão que julgou procedente representação por propaganda eleitoral antecipada, em razão de veiculação, na rede social Facebook, de foto, dizeres e indicação de pré-candidatura ao cargo de vereadora. Concessão de medida liminar determinando a retirada, da rede mundial de computadores, do conteúdo veiculado.

2. A edição da Lei n. 13.165/15 autorizou a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, vedando apenas o pedido explícito de voto (art. 36-A, caput, da Lei n. 9.504/97). A premissa da maior liberdade aos pré-candidatos decorre da redução do período de campanha eleitoral, anteriormente permitida a partir de 5 de julho do ano da eleição e, posteriormente, após 15 de agosto (postergada para 27 de setembro no ano em curso, em razão da COVID-19 - EC n. 107/20). Trata-se, exatamente, de instrumento nivelador das chances dos competidores.

3. Segundo o entendimento do TSE, caracteriza propaganda eleitoral antecipada apenas o pedido explícito de voto, que pode também ser identificado pelo uso das denominadas “palavras mágicas” (magic words). A tendência é restringir os atos de pré-campanha pelo conteúdo (vedação do pedido explícito de voto e das “palavras mágicas” equivalentes) e forma (vetando atos praticados por formas proibidas de propaganda na campanha eleitoral), apontando uma postura de exame do caso concreto e dos custos da publicidade (especialmente quando a forma de pré-campanha extrapolar o limite do candidato médio).

4. Entretanto, o caso dos autos não é de extrapolação, uma vez que a manifestação da pré-candidata foi realizada em seu perfil pessoal do Facebook, não possui expressão econômica de gasto eleitoral, sequer indica ter sido objeto de impulsionamento e, em tudo, está adequada àquela manifestação regularmente realizável pelo “candidato médio”. Considerada lícita a conduta, deve ser revogada a liminar que vedou a veiculação do conteúdo da postagem.

5. Provimento do recurso, para julgar improcedente a representação.

(RECURSO ELEITORAL 0600024-80.2020.6.21.0164.)

 

Outra questão que merece relevo é a licitude do meio utilizado (postagem em perfil próprio de Facebook), ou seja, uso de ferramenta lícita e permitida pela legislação eleitoral durante o período de campanha, cuja publicidade é de baixo custo, não sendo meio apto a extrapolar o limite de gastos do “candidato médio” ou caracterizar abuso do poder econômico.

Ainda mais evidente a licitude da conduta dos recorridos quando observado o fato de que não houve, em momento algum, pedido explícito de voto. Assim, sendo a conduta lícita e permitida, a improcedência da representação é corolário lógico-jurídico.

Relativamente à alegação de que houve irregular impulsionamento de postagens, tenho que o argumento também não enseja o provimento recursal. Embora seja inequívoco que o representado GILMAR CARVALHO DA SILVA realizou impulsionamento de suas postagens de pré-candidatura, tenho que não é possível a aplicação do art. 57-C da Lei n. 9.504/97. O fato é que, conforme fundamentação, as publicidades realizadas por Gilmar não configuram propaganda eleitoral antecipada justamente por não possuírem pedido explícito de voto. Por lógica, a vedação à veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, inclusive com a necessidade de que constasse a expressão “Propaganda Eleitoral”, não se aplica ao caso concreto.

Não se tratando de propaganda eleitoral, pode qualquer cidadão publicar os conteúdos que bem entender e patrociná-los se assim lhe convier. Seria paradoxal dizer que não houve propaganda eleitoral antecipada, mas que ocorreu impulsionamento ilegal da publicidade.

Assim, a sentença não merece reparos.

Ante o exposto, VOTO pelo DESPROVIMENTO do recurso, para o fim de manter a sentença em sua íntegra.