REl - 0600875-85.2020.6.21.0143 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/04/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a eleitora ISABELLA SIDNEY DA SILVA publicou em seu perfil na rede social Facebook, no dia 1º de julho de 2020, manifestação com os dizeres abaixo:

VOTE CERTO...

VOTE NO NECO..

#TamoJuntoNessa #NecoPontePreta #NovoVereador #CachoeirinhaPrecisa

 

Na mesma postagem, foram coligidas duas imagens do pré-candidato, com apresentação gráfica semelhante à de volante, contendo as seguintes inscrições: “Humildade, fé e trabalho”, “Sou pré-candidato a vereador”, “Vamos conversar?”, e o nome “NECO” e o símbolo do partido.

O Juízo Eleitoral considerou caracterizado o ilícito de propaganda eleitoral antecipada, tendo em vista a existência de pedido explícito de voto, e julgou procedente a representação, aplicando a multa de R$ 5.000,00 à recorrente.

Pois bem.

Conforme o art. 1º, inc. IV, da EC n. 107/20, a propaganda eleitoral somente é permitida após 26 de setembro do presente ano, inclusive na internet.

Por outro lado, como cediço, a Lei n. 13.165/15, ao modificar a redação do art. 36-A da Lei n. 9.504/97, conferiu maior liberdade no período de pré-campanha. Assim, nos termos do dispositivo, são autorizadas veiculações que contenham menção à pretensa candidatura, a exaltação de qualidades pessoais dos candidatos, bem como a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais, entre outros, sendo imperioso que não envolvam pedido explícito de voto.

Interpretando o dispositivo em comento, o TSE, no julgamento do AgRg-AI n. 924/SP, em 26.6.2018, de relatoria do Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, estabeleceu os critérios hermenêuticos para a caracterização da propaganda eleitoral que transborde o permissivo legal para a pré-campanha, ficando assentado, no voto do e. Ministro Luiz Fux, que:

“(a) o pedido explícito de votos, entendido em termos estritos, caracteriza a realização de propaganda antecipada irregular, independentemente da forma utilizada ou da existência de dispêndio de recursos;

(b) os atos publicitários não eleitorais, assim entendidos aqueles sem qualquer conteúdo direta ou indiretamente relacionados com a disputa, consistem em ‘indiferentes eleitorais’, situando-se, portanto, fora da alçada desta Justiça Especializada;

(c) o uso de elementos classicamente reconhecidos como caracterizadores de propaganda desacompanhado de pedido explícito e direto de votos, não enseja a irregularidade ‘per se’, e

(d) todavia, a opção pela exaltação de qualidades próprias para o exercício de mandato, assim como a divulgação de plataformas de campanha ou planos de governo acarreta, sobretudo, quando a forma de manifestação possua uma expressão econômica minimamente relevante, os seguintes ônus e exigências: (i) impossibilidade de utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda (outdoor, brindes, etc); e (ii) respeito ao alcance das possibilidades do pré-candidato médio”.

 

Nessa senda, é necessário, em primeiro lugar, determinar se a mensagem veiculada possui conteúdo eleitoral, isto é, se está relacionada com a disputa. Caso contrário, constituirá um “indiferente eleitoral”, estando fora do alcance da Justiça Eleitoral.

Ressalta-se que a propaganda eleitoral antecipada também será identificada pelo uso de elementos que traduzam o pedido explícito de votos. Desse modo, "o pedido explícito de votos pode ser identificado pelo uso de determinadas 'palavras mágicas', como, por exemplo, 'apoiem' e 'elejam', que nos levem a concluir que o emissor está defendendo publicamente a sua vitória" (AgResp n. 29-31, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 03.12.2018).

Outrossim, ainda que ausente o pedido explícito de votos, haverá propaganda extemporânea com a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda ou quando ocorrer a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos, consubstanciado no uso de meios cuja expressão econômica ultrapassem as possibilidades de realização do pré-candidato médio.

Esses parâmetros foram explicitados igualmente em recente julgado do TSE:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL COM AGRAVO. ELEIÇÕES 2018. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Agravo interno contra decisão monocrática que negou seguimento a agravo nos próprios autos interposto para impugnar decisão de inadmissão de recurso especial eleitoral.

2. Na análise de casos de propaganda eleitoral antecipada, é necessário, em primeiro lugar, determinar se a mensagem veiculada tem conteúdo eleitoral, isto é, relacionado com a disputa.

3. Reconhecido o caráter eleitoral da propaganda, deve–se observar três parâmetros alternativos para concluir pela existência de propaganda eleitoral antecipada ilícita: (i) a presença de pedido explícito de voto; (ii) a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda; ou (iii) a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos.

4. No caso, conforme já destacado na decisão agravada, (i) a expressão "conclamando à todos [sic] uma união total por Calçoene" não traduz pedido explícito de votos, bem como (ii) o acórdão regional não traz informações sobre o número de pessoas que tiveram acesso à publicação ou sobre eventual reiteração da conduta, de modo que não há como concluir pela mácula ao princípio da igualdade de oportunidades. Ademais, o impulsionamento de publicação na rede social Facebook não é vedado no período de campanha, mas, sim, permitido na forma do art. 57–C da Lei nº 9.504/1997.

5. Na ausência de conteúdo eleitoral, ou, ainda, de pedido explícito de votos, de uso de formas proscritas durante o período oficial de propaganda e de qualquer mácula ao princípio da igualdade de oportunidades, deve–se afastar a configuração de propaganda eleitoral antecipada ilícita, nos termos do art. 36–A da Lei nº 9.504/1997.6. Agravo interno a que se nega provimento.

(Agravo de Instrumento n. 060009124, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 25, Data 05.02.2020.) (Grifei.)

 

Paralelamente, a Resolução TSE n. 23.610/19 estabeleceu que a livre manifestação do pensamento do eleitor na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem ou divulgar fatos sabidamente inverídicos sobre candidatos, partidos ou coligações, ainda que antes do início do período da propaganda eleitoral, conforme dispositivos que transcrevo:

Art. 27. (...).

§ 1º A livre manifestação do pensamento do eleitor identificado ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatos, partidos ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos.

§ 2º O disposto no § 1º deste artigo se aplica, inclusive, às manifestações ocorridas antes da data prevista no caput, ainda que delas conste mensagem de apoio ou crítica a partido político ou a candidato, próprias do debate político e democrático.

 

Como se percebe, a normatização privilegiou a liberdade do eleitor na difusão de ideias e opiniões na internet, sob a perspectiva de que a democracia está assentada na exposição e no confronto de propostas e concepções, em plena compatibilidade com o art. 5º, inc. IV, da CF/88, que consagra como garantia e direito individual a livre manifestação do pensamento, vedado o anonimato.

Desse modo, em proteção à liberdade de expressão e à discussão de ideias, "as manifestações identificadas dos eleitores na internet, verdadeiros detentores do poder democrático, somente são passíveis de limitação quando ocorrer ofensa à honra de terceiros ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos" (REspe n. 2949/RJ, Relator: Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 25.8.2014).

Nessa linha, o TSE tem sufragado que "as restrições impostas à propaganda eleitoral não afetam os direitos constitucionais de livre manifestação do pensamento e de liberdade de informação e comunicação (art. 220 [da] Constituição Federal), os quais devem ser interpretados em harmonia com os princípios da soberania popular e da garantia do sufrágio" (AI 115–64, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 29.02.2016). No mesmo sentido: RESPE n. 060759889, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, DJE de 05.12.2019.

Conclui-se que, ao eleitor, protagonista do processo eleitoral e verdadeiro detentor da soberania popular, não devem ser impostas limitações senão aquelas referentes à honra dos demais eleitores, dos próprios candidatos, dos partidos políticos e as relativas à veracidade das informações divulgadas.

Expostas essas premissas, no caso em exame, a recorrente, simpatizante do pré-candidato Juarez de Quadros Vieira (Neco Ponte Preta), realizou postagem em seu perfil pessoal no Facebook em favor da referida candidatura, com pedido explícito de voto, vez que declarou “VOTE CERTO... VOTE NO NECO..”, em período vedado à propaganda eleitoral.

Entrementes, entendo que as circunstâncias do caso concreto denotam que a conduta, embora formalmente ilícita, apresenta mínima influência ou efeito lesivo sobre o pleito, de modo que deve ser afastada a configuração da agressão à norma sob a perspectiva material do fato e de suas repercussões.

Com efeito, trata-se da manifestação isolada de apoio de simples eleitora à candidatura de terceiro, com quem nutria amizade anterior, e não de propaganda efetuada pelo próprio pré-candidato ou por qualquer outro ator eleitoral que pudesse obter proveito, ainda que indireto, da postagem.

Ademais, não há indício de que tenha havido atuação concertada entre a autora da publicação, o pré-candidato beneficiário e outras pessoas para a realização da propaganda.

Soma-se a isso o fato de a eleitora gozar de baixo ou nulo capital político, social ou midiático, vale dizer, ser inexpressivo o alcance de sua manifestação. Tanto é assim que a publicação questionada, até então, havia recebido duas interações, entre "curtidas" e "comentários".

Tais peculiaridades concretas, que denotam a ausência de qualquer desequilíbrio ou dano ao processo eleitoral, justificam o afastamento da penalidade, na linha do bem-lançado parecer ministerial, verbis:

Ainda que esteja caracterizado o pedido explícito de voto, o signo distintivo no presente caso é o fato de estarmos diante de manifestação de apoio de eleitor e não de propaganda do próprio candidato. Soma-se a isto o fato de se tratar de evento isolado, não tendo aportado nessa egrégia Corte outros processos envolvendo a aludida representada.

Assim a manifestação isolada de apoio a uma candidatura pela eleitora em uma única postagem, não impulsionada, sem notícia de atuação concertada com outras pessoas ou com o candidato, não nos parece tenha lesividade para prejudicar a finalidade pela qual foi estabelecida a limitação à propaganda eleitoral, que é garantir a igualdade de oportunidades entre os candidatos, evitando que o abuso do poder econômico ou político trouxesse benefícios aqueles candidatos que pudessem realizar longas campanhas eleitorais.

Sem lesividade ao bem jurídico tutelado, é desarrazoada a aplicação da multa, violando o princípio da proporcionalidade considerado o caso concreto.

 

Desse modo, impõe-se a reforma da sentença, para julgar improcedente a representação, afastando-se a multa aplicada a ISABELLA SIDNEY DA SILVA.

 

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, a fim de julgar improcedente a representação eleitoral.