REl - 0600724-92.2020.6.21.0055 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/04/2021 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo. Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

Mérito

Cuida-se de apreciar o recurso interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA e pelo PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO, ambos de Parobé, contra a sentença proferida pelo Juízo da 55ª Zona Eleitoral que, julgando improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) proposta contra o prefeito e vice-prefeito do Município de Parobé, candidatos à reeleição no pleito de 2020, entendeu não caracterizada a prática de abuso de poder político e de conduta vedada.

Adianto que não assiste razão aos recorrentes.

Por elucidativa, transcrevo parte da bem-lançada decisão de primeiro grau:

(...)

Trata-se de ação de investigação judicial eleitoral pela qual a parte autora almeja a aplicação aos réus das sanções de cassação e inelegibilidade, imputando-lhes a prática de abuso de poder político e condutas vedadas.

A Constituição Federal, com o fito de preservar a normalidade e a legitimidade do pleito eleitoral, buscando, precipuamente, elidir abusos que acarretassem no desequilíbrio das eleições, dispôs:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

(…)

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)

O legislador infraconstitucional, visando a efetivar o mandamento magno, editou a Lei Complementar n.º 64/1990 prevendo a figura processual da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), a qual visa a apurar, dentre outras condutas, o abuso de poder de autoridade ou político em benefício de candidato ou de partido político, veja-se:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

Ademais, por ser o rito do art. 22 da LC 64/1990 considerado o comum do processo civil eleitoral, outras diversas pretensões podem ser opostas por intermédio deste procedimento, como é o caso da representação por condutas vedadas igualmente oposta neste expediente.

Nesse sentido:

Resolução n.º 23.547/17 do TSE: art. 23. As representações que visarem à apuração das hipóteses previstas nos arts. 23, 30-A, 41-A, 45, inciso VI, 73, 74, 75 e 77 da Lei nº 9.504/1997 observarão o rito estabelecido pelo art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990.

Levando-se em consideração a multiplicidade de imputações, para melhor sistematizar a presente fundamentação, subdivido-a em tópicos distintos.

II.I – DO ABUSO DE PODER POLÍTICO OU DE AUTORIDADE

Em pragmática e breve definição, tem-se o abuso de poder político quando o indivíduo utiliza indevidamente a função pública na qual é investido, com o fito de beneficiar determinadas candidaturas de modo a macular a normalidade e legitimidade das eleições.

Neste contexto, o TSE já decidiu que “o abuso do poder político pode ocorrer mesmo antes do registro de candidatura, competindo à Justiça Eleitoral verificar a conotação eleitoral da conduta”(Ac.-TSE, de 16.12.2014, no REspe nº 68254, rel. Min. Gilmar Mendes.).

Ademais, conforme é possível extrair do art. 22, XVI, da LC 64/1990, a configuração do ato abusivo prescinde de demonstração da potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, sendo imprescindível, no entanto, evidenciar a gravidade das circunstâncias que o caracterizaram.

Veja-se, portanto, que é indispensável para a caracterização do ato abusivo a efetiva demonstração da ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma citada, qual seja, a legitimidade e normalidade das eleições.

Ainda, destaco importante lição de Marcelo Abelha Rodrigues, no sentido de ser exigido pelo legislador que “o abuso de poder seja praticado para beneficiar candidato ou partido político. O fato de se ter concretamente beneficiado ou ter gerado dividendos é irrelevante. O tipo legal contenta-se com o fato de o ato ter sido praticado com o intuito de beneficiar partido ou candidato. Não por acaso, portanto, que a potencialidade lesiva não é elemento decisivo para configurar o ato abusivo”.[1]

Diante da multiplicidade de fatos imputados aos réus, convém nova subdivisão.

II.I.I – Da distribuição de máscaras

Os demandantes alegam que o réu Diego, na condição de prefeito de Parobé, promoveu pessoalmente, nas ruas da cidade, durante vários dias (especialmente em 06/06/2020), a distribuição de máscaras de proteção respiratória adquiridas pelo poder público.

Diante deste contexto fático, sustentaram que a entrega de máscara, de forma pessoal, aos contribuintes da cidade, sem qualquer critério e sem autorização legal, implica no reconhecimento do abuso de poder político e econômico, uma vez que os bens (máscaras) foram adquiridos com dinheiro público, em evidente utilização da máquina pública em favor dos representados.

Tenho que não restou caracterizado o ato abusivo imputado.

Embora a técnica legislativa relativamente ao ato normativo supracitado – atos de abuso de poder – ofereça amplo espaço à atuação judicial, faz-se imprescindível a adoção de cautela na análise dos fatos e de ponderação em eventual aplicação de sanções, haja vista o risco de desvirtuar a legitimidade do sistema democrático.

Deste modo, para que seja adequadamente evidenciado o ato de abuso de poder, é imprescindível que o conjunto probatório produzido nos autos aponte o móvel do agente no sentido de beneficiar determinada candidatura, assim como a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Em que pese a prova dos autos evidencie a efetiva distribuição das máscaras à população, não há evidências da intenção de beneficiar candidatura.

Friso que os autores requereram de forma genérica a oitiva de apenas duas testemunhas. Neste contexto, ainda que inquiridas, e ainda que sua inquirição fosse direcionada à presente controvérsia, não seria plausível considerar o relato de apenas duas testemunhas como prova suficiente a demonstrar que a distribuição das máscaras teria a finalidade de beneficiamento de candidatura.

Veja-se. É curial ressaltar que não se está a exigir a produção de prova impossível, tampouco se está a fazer juízo de ingênua moral ao depositar confiança desmedida em suposta intenção gratuita e sincera de quem disputa o pleito eleitoral.

Repiso, portanto, a necessidade de amplas evidências e de cautela do julgador, a fim de que as sanções cassatórias não sejam utilizadas como instrumento a desvirtuar a soberania popular, que é fundamento de nosso Estado Democrático de Direito.

As fotos e vídeos anexos à inicial não evidenciam, por si, o intento abusivo de beneficiar candidatura, mormente diante da ausência de qualquer referência, no material distribuído, apta a pessoalizar o candidato, partido ou candidatura.

Reforço que o reconhecimento de ato abusivo e a aplicação das correlatas sanções, a partir de amplas ilações, traria drásticas consequências ao processo democrático.

A grave – e com traços de ineditismo – circunstância pandêmica globalmente vivenciada, atrelada ao precário sistema brasileiro de saúde, à hipossuficiente condição econômica da maioria da população a ensejar a necessidade de utilização de tal sistema, ao considerável índice de contágio presente no Vale do Paranhana, às drásticas consequências atreladas à movimentação comercial das cidades a partir de eventual necessidade de controle de fluxo, entre diversos outros resultados desmedidamente danosos, confortam a presença do Chefe do Executivo na conscientização dos munícipes à prevenção de contágio, sem que, por si só, configure induzimento de cunho eleitoral.

Diante de tais circunstâncias é que, após detida análise aos autos e árdua ponderação dos fatos, é que afasto o abuso de poder político imputado aos réus.

II.I.II – Da suposta distribuição de móveis

Os demandantes alegam que os demandados implementaram, à míngua de autorização legal, o ‘Banco de Móveis’, com a finalidade de auferir doação de móveis usados e repassá-los a famílias de baixa renda.

Diante deste contexto fático, sustentaram que a criação do ‘banco de móveis’, sem autorização legal da Câmara Municipal, evidencia manobras eleitoreiras que refletem o abuso de poder político dos demandados, os quais se utilizaram da máquina pública para a execução da ação beneficente.

Os demandados, por outro lado, alegaram que receberam móveis enviados de particulares em benefício de parobeenses vitimados por eventos da natureza que sucederam nos idos do inverno passado. Diante de tal circunstância, tendo em vista o estado de desabrigamento das vítimas e a necessidade de guarda dos bens, a fim de que não sofressem deterioração e obtivessem a adequada destinação, fez-se necessária, na tese dos réus, mera interligação entre doadores e donatários, não havendo intenção eleitoral.

Sucede que, com a mesma cautela já referida na fundamentação relativa à imputação anterior, não vislumbro ato abusivo pelos demandados.

As provas que embasam a tese dos autores, consubstanciadas em matérias jornalísticas, não evidenciam o caráter abusivo da conduta, relativamente à intenção de beneficiar candidatura.

Repiso aqui as ponderações já tecidas quanto à formação de conclusões com embasamento em teses subjetivas.

Não evidenciado, portanto, o intento de beneficiar candidaturas, inviável é o reconhecimento do ato de abuso de poder político imputado aos demandados.

II.II – DAS CONDUTAS VEDADAS

Com a intenção de proteger a igualdade de oportunidades entre os candidatos nos pleitos eleitorais, também visando a preservar a normalidade e legitimidade das eleições, a Lei n.º 9.504/97 expressamente vedou diversas condutas.

É de se frisar que, para a aplicação da sanção cassatória a partir das condutas vedadas, deve haver a perfeita subsunção da conduta ao tipo legal e a demonstração da ofensa ao bem jurídico tutelado – lisura das eleições – uma vez que as condutas vedadas são caracterizadas pela legalidade estrita.

Neste mesmo sentido é pacífica a jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2012. AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PREFEITO E VICE-PREFEITO, VEREADOR E ENTÃO PREFEITO. ABUSO DE PODER, CONDUTAS VEDADAS E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. (…) 5. A indevida utilização de poucas requisições para abastecimento de combustível que teriam sido destinadas aos carros de som utilizados em campanhas eleitorais não se enquadra na hipótese de conduta vedada prevista no art. 73, IV, da Lei nº 9.504/97, seja por não se tratar de bem ou serviço de caráter social, seja em razão de não ter sido identificado o uso promocional no momento da entrega ou do abastecimento. A jurisprudência do TSE é pacífica no sentido de que as hipóteses de condutas vedadas são de legalidade estrita. Precedentes. (Recurso Especial Eleitoral nº 53067, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Data 02/05/2016, Página 52-54).

Embargos. Representação. Conduta vedada. Art. 73, VII, da Lei nº 9.504/97. 1. Recebem-se como agravo regimental os declaratórios, com pretensão infringente, opostos contra decisão individual, na linha da jurisprudência predominante do TSE. 2. As hipóteses de condutas vedadas são de legalidade estrita. 3. Para fins de incidência do art. 73, VII, da Lei das Eleições, deve ser considerada a média dos últimos três anos anteriores ao ano do pleito, uma vez que o referido dispositivo legal não faz menção à média mensal. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento. (Recurso Especial Eleitoral nº 30204, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 42, Data 28/02/2014, Página 54)

Recurso Especial. Conduta vedada. Art. 73, IV, da Lei nº 9.504/97. Não-enquadramento no tipo. Para a incidência do inciso IV do art. 73 da Lei das Eleições, supõe-se que o ato praticado se subsuma na hipótese de "distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público". As hipóteses de condutas vedadas são de legalidade estrita. Recurso Especial conhecido e a que se dá provimento. (Recurso Especial Eleitoral nº 24864, Acórdão de, Relator(a) Min. Luiz Carlos Madeira, Publicação: DJ – Diário de justiça, Data 28/10/2005, Página 136)

As condutas vedadas imputadas, as quais serão oportunamente deslindadas, são as elencadas nos seguintes dispositivos:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...)

IV – fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

(...)

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

(...)

Art. 74. Configura abuso de autoridade, para os fins do disposto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, a infringência do disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, ficando o responsável, se candidato, sujeito ao cancelamento do registro ou do diploma.

A partir destas condutas enunciadas, passo a analisar a (in)ocorrência da subsunção dos fatos alegados.

II.II.I – Da suposta distribuição gratuita de bens em favor de candidatura

O conjunto fático é o mesmo articulado no tópico “II.I.I – Da distribuição de máscaras” – aos quais reporto-me para evitar tautologia – alterando-se somente a imputação do ilícito, qual seja, aqui, o descrito no art. 73, IV, da Lei n.º 9.504/97.

Veja-se que o tipo da vedação exige que o ato praticado seja “em favor de candidato, partido político ou coligação”.

Diante deste contexto, considerando que rechacei as imputações de ato de abuso de poder político relativamente aos mesmos fatos ora apreciados, justamente em razão da ausência de amparo probatório apto a demonstrar a finalidade de benefício a candidato/partido/coligação, renovo os mesmos fundamentos, sob pena de incongruência da fundamentação.

Assim, não conheço da prática da conduta vedada ora analisada.

II.II.II – Da suposta distribuição gratuita de bens em ano eleitoral

O conjunto fático é o mesmo articulado no tópico “II.I.I – Da distribuição de máscaras” e “II.I.II – Da suposta distribuição de móveis” – aos quais reporto-me para evitar tautologia – alterando-se somente a imputação do ilícito, qual seja, aqui, o descrito no art. 73, § 10, da Lei n.º 9.504/97.

Importante ressaltar que o art. 73, §§ 4º e 5º, da Lei n.º 9.504/97 também exige, para a aplicação das sanções pecuniárias e cassatórias, que a prática da conduta vedada prevista no § 10, do mesmo diploma, beneficie candidatura. Veja-se:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...)

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

§ 5º Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10, sem prejuízo do disposto no § 4o, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma.

Relativamente à distribuição das máscaras, além da desvinculação da conduta no tocante a suposto benefício à candidatura dos demandados – o que, por si só, já seria capaz de descaracterizar a conduta vedada – tenho que o reconhecimento do estado de calamidade pública, que trata o art. 1º, do Decreto Legislativo n.º 6/2020, é, nos próprios termos da redação do art. 73, § 10, da Lei n.º 9.504/97, suficiente para desconfigurar a subsunção da conduta ao ato tipificado.

Já no que toca à suposta distribuição de bens, além das razões já expostas nos tópicos anteriores – no sentido de restar ausente a imprescindível vinculação a benefício de candidatura – agrego à presente fundamentação as pontuais considerações do Ministério Público, tecidas quando da elaboração do parecer final:

Entretanto, em relação à segunda irregularidade apontada, entende o Ministério Público que não assiste razão aos investigantes.

Isso porque, é possível perceber que não se está diante da prática da referida conduta vedada, pois não se vislumbra, nas notícias/reportagens mencionadas, a distribuição de móveis pelos investigados, mas sim, o recebimento de doações feitas pela sociedade civil ao Município, em razão das enchentes ocorridas.

Considerando, portanto, que no âmbito das chamadas condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas, imperam os princípios da tipicidade e da estrita legalidade, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previamente definido pela lei, não há infringência aos dispositivos acima mencionados.

Ante o exposto, impõe-se o não reconhecimento das condutas vedadas em referência.

II.II.III – Da suposta promoção pessoal em publicidade institucional

O conjunto fático é o mesmo articulado no tópico “II.I.I – Da distribuição de máscaras”.

Além destes fatos, os autores alegam que o réu Diego, fazendo uso da própria imagem, promoveu a veiculação de ações de combate ao coronavírus nos canais oficiais de publicidade do governo.

Assim, imputam aos demandados a prática da conduta vedada disposta no art. 74 da Lei n.º 9.504/97.

Sem razão os autores.

Isso porque a prova produzida nos autos não evidencia a caracterização da “promoção pessoal” que exige o art. 74 da Lei n.º 9.504/97 c/c art. 37, § 1º, da CF/88, imprescindível ao juízo de subsunção dos fatos ao texto normativo para que seja possível a conclusão pela ocorrência da conduta vedada.

Diante de tais fatores, impositivo é o não reconhecimento das condutas vedadas imputadas aos demandados.

(…)

A finalidade precípua da AIJE é apurar o uso indevido, o desvio ou o abuso do poder nos seus espectros econômico e político (ou emanado de autoridade), bem como a utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou partido político, ilícitos que podem levar à declaração de inelegibilidade, pelo período de 8 (oito) anos, de todos os agentes que contribuíram para a sua prática, e à cassação do registro ou diploma do candidato beneficiado, como disciplinam o art. 14, § 9º, da Constituição Federal e o art. 22, incs. XIV e XVI, da LC n. 64/90, com a redação que lhe foi dada pela LC n. 135/10.

Nas hipóteses de abuso de poder político e econômico, a atividade jurisdicional deve ser orientada pelos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade para que se possa impor, ao candidato beneficiado, a gravosa penalidade de cassação do seu registro, diploma ou mandato eletivo e a penalidade de declaração de inelegibilidade àqueles que se envolveram nas práticas ilícitas.

O doutrinador Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, Editora Verbo Jurídico, 5ª edição, p. 585 e verso) traz lição sobre as condutas vedadas:

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC n. 16/97. Em verdade, pode-se conceituar os atos de conduta vedada como espécies de abuso de poder político que se manifestam através do desvirtuamento dos recursos materiais (incs. I, II, IV e §10º do art. 73 da LE), humanos (incs. III e V do art. 73 da LE), financeiros (incs. VI, a, VII e VIII do art. 73 da LE) e de comunicação (inc. VI, b e c do art. 73 da LE) da Administração Pública (lato sensu).

(...)

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, desnecessário qualquer cotejo com eventual violação à normalidade ou legitimidade do pleito. Basta, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

Exigir prova da potencialidade da conduta na lisura do pleito equivale a um esvaziamento do comando normativo, porquanto imporia um duplo ônus ao representante: a prova da adequação do ilícito à norma (legalidade estrita ou taxatividade) e a prova da potencialidade da conduta. A adoção dessa implica o esvaziamento da representação por conduta vedada, pois, caso necessária a prova da potencialidade, mais viável o ajuizamento da AIJE – na qual, ao menos, não é necessária a prova da tipicidade da conduta. Em suma, o bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da isonomia entre os candidatos, não havendo que se exigir prova de potencialidade lesiva de o ato praticado afetar a lisura do pleito. Do exposto, a prática de um ato previsto como conduta vedada, de per si e em regra – salvo fato substancialmente irrelevante – é suficiente para a procedência da representação com base no art. 73 da LE, devendo o juízo de proporcionalidade ser aferido, no caso concreto, para a aplicação das sanções previstas pelo legislador (cassação do registro ou do diploma, multa, suspensão da conduta, supressão dos recursos do fundo partidário). (Grifei.)

Como se verifica, o bem jurídico tutelado é a isonomia entre os concorrentes ao pleito.

No caso dos autos, os recorrentes alegam a ocorrência de abuso do poder político e econômico e de conduta vedada pela prática dos seguintes fatos: a) distribuição gratuita de máscaras adquiridas pelo poder público, realizada pessoalmente pelo prefeito reeleito de Parobé, DIEGO DAL PIVA DA LUZ (Diego Picucha), antes do pleito de 2020, sem qualquer critério e sem autorização legal; b) criação, pelo Poder Executivo, do programa de incentivo à doação de móveis por particulares aos necessitados, denominado “Banco de Móveis”, sem legislação autorizadora, buscando, supostamente, aliciar os contribuintes em busca do voto no pleito eleitoral.

Da análise das provas trazidas aos autos, não verifico que os atos supracitados configurem o abuso de poder descrito no art. 74 da Lei n. 9.504/97 ou a conduta vedada prevista no art. 73, inc. IV, da mesma lei.

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...)

IV – fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

 

Art. 74. Configura abuso de autoridade, para os fins do disposto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, a infringência do disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, ficando o responsável, se candidato, sujeito ao cancelamento do registro ou do diploma.

 

No tocante ao primeiro fato, quanto à distribuição de máscaras realizada pessoalmente pelo prefeito reeleito de Parobé, para aferir a licitude da conduta, é inexorável que se pondere a realidade existente no momento da ação.

Sob essa ótica, levando-se em consideração a existência de uma pandemia nunca antes enfrentada pelas atuais gerações, entendo que os limites que poderiam ter sido estabelecidos ordinariamente, dentro de uma situação normal, devem ser olhados considerando a realidade atípica vivenciada, onde os gestores tiveram que atuar de forma improvisada.

Dentro desse contexto, não considero que a atuação dos gestores tenha ocorrido com abuso de poder, em benefício de sua campanha ou em desrespeito ao comando legal. O que restou evidenciado foi uma atuação dentro dos limites que a situação exigia e a comunidade esperava do poder público.

Por conseguinte, de igual sorte, não vislumbro qualquer ilegalidade quanto ao segundo fato.

Trata-se, originalmente, de bens particulares que foram doados pela comunidade para os desabrigados pelas enchentes ocorridas em julho de 2020, atuando o Poder Executivo dentro do seu papel de gestor, observando o dever constitucional de prestar assistência à população com maior efetividade. De nenhuma forma, tais bens podem ser intitulados como públicos, como alegado pelos recorrentes.

Cumpre referir que, como bem pontuado pela Procuradoria Regional Eleitoral, o § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97 apenas exige a expedição de lei autorizadora e o acompanhamento obrigatório do Ministério Público para os programas sociais com execução orçamentária já existente no exercício anterior, sendo que, na hipótese dos autos, coleta de móveis para comunidades atingidas pelas enchentes no município, esse acompanhamento seria facultativo.

Ainda, embora não haja nos autos a comprovação da formalização, pelo poder público, do estado de calamidade ou de emergência nas duas hipóteses, diante da notoriedade da natureza dos fatos ocorridos em ambos os casos, inevitável se torna a constatação de premência em ambas as situações, o que poderia facilmente atrair a exceção prevista no § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97:

Art. 73. (...)

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

Destaco, por fim, que é inviável a análise desta Corte sobre a alegação de inauguração de obras pelos recorridos em ano eleitoral, situação que poderia configurar a conduta vedada prevista no inc. VI do art. 73 da Lei n. 9.504/97, por se tratar de matéria nova, não ventilada na exordial.

À vista dessas considerações, não havendo nos atos impugnados lesão à legitimidade e à normalidade do pleito em Parobé, a sentença de improcedência deve ser mantida.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, para manter a sentença de 1º grau por seus próprios fundamentos.