REl - 0600293-61.2020.6.21.0054 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/04/2021 às 14:00

VOTO

 

Admissibilidade Recursal

Conheço dos embargos, porque tempestivos e porque preenchem os demais pressupostos de admissibilidade.

Mérito

Quanto ao mérito, consoante acima relatado, o embargante alega, a título de omissão quanto às condições de incidência da inelegibilidade, que o acórdão deixou de considerar pontos essenciais relativos ao elemento subjetivo em cada irregularidade detectada, pelo que, almejando a complementação do decisum, postula efeitos infringentes ao efeito de ser afastado o enquadramento do candidato nas previsões da al. "g" do inc. I do art. 1º da LC 64/90. E aduz, a título de obscuridade em relação à consideração de existência de dolo genérico, que o acórdão atacado não especificou como estaria formado o dolo, mesmo que genérico, em supostas ações ou omissões do embargante enquanto prefeito nos exercícios de 2010 e 2011 – pelo que pede o necessário esclarecimento acerca do elemento subjetivo e, caso contrário, a infringência dos aclaratórios ao efeito de se reconhecer a inexistência de dolo e de se reverter a decisão embargada.

Pois bem.

É sabido que os embargos de declaração servem para afastar obscuridade, contradição ou omissão que emergem do acórdão, ou para lhe corrigir erro material.

O art. 275 do Código Eleitoral, com a redação dada pela Lei n. 13.105/15, estabelece que “são admissíveis embargos de declaração nas hipóteses previstas no Código de Processo Civil”.

Por sua vez, o Código de Processo Civil, em seu art. 1.022, incs. I, II e III, assim dispõe:

Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:

I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;

II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;

III - corrigir erro material.

Todavia, não se evidencia na decisão embargada a existência de quaisquer das hipóteses acima mencionadas.

O acórdão combatido foi claro e consignou fundamentação jurídica suficiente para justificar sua conclusão (ID 13204983), enfrentando o contexto normativo e a jurisprudência aplicável à espécie. Veja-se:

[…]

Pois bem. Conforme precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, nem toda desaprovação de contas enseja a causa de inelegibilidade do art. 1º, inc. I, al. “g”, da LC n. 64/90, mas somente aquelas que preencherem, cumulativamente, (i) rejeição das contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas; (ii) decisão do órgão competente que seja irrecorrível no âmbito administrativo; (iii) desaprovação decorrente de (a) irregularidade insanável que configure (b) ato de improbidade administrativa, (c) praticado na modalidade dolosa; (iv) não exaurimento do prazo de oito anos contados da publicação da decisão; e (v) decisão não suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário (TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 67036, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação em 19.12.2019).

Ressalto que a norma não prescreve a existência de condenação específica por ato de improbidade administrativa, não sendo sequer necessário que tenha havido processo judicial objetivando tal condenação.

Dessa forma, o reconhecimento da condição é de competência da Justiça Eleitoral.

Não se trata de nova apreciação das contas do administrador público, já julgadas pelo órgão competente. Cabe, na realidade, à Justiça Eleitoral, a partir dos fundamentos empregados no julgamento das contas, verificar se os atos que levaram à desaprovação configuram irregularidade insanável decorrente de ato doloso de improbidade.

Na doutrina, Rodrigo López Zílio leciona, verbis:

A tarefa de aferir se as contas rejeitadas, reputadas insanáveis, têm o condão de apresentar nota de improbidade, gerando restrição ao direito de elegibilidade do administrador público, é da própria Justiça Eleitoral, nos autos da AIRC ou RCED (se matéria de cunho superveniente). Portanto, é a Justiça Eleitoral quem, analisando a natureza das contas reprovadas, define se a rejeição apresenta cunho de irregularidade insanável, possuindo característica de nota de improbidade (agora, dolosa) e, assim, reconhece o impeditivo à capacidade eleitoral passiva. O julgador eleitoral deve necessariamente partir da conclusão da Corte administrativa sobre as contas apreciadas, para definir a existência da irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade, de modo a caracterizar inelegibilidade.

(Direito Eleitoral. 6ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2018, págs. 263-264.)

Verifica-se, nos autos, que o recorrido teve suas contas desaprovadas pelo TCE/RS, enquanto prefeito do Município de Fontoura Xavier, nos exercícios de 2010 e 2011, pelas razões contidas nos pareceres emitidos nos processos ns. 001142-0200/10-5 e 000531-02.00/11-4, respectivamente, abaixo transcritas:

Subitem 1.1.1 (fls. 1.113/1.117 e 1.769/1.771) – Atendimento parcial e intempestivo da Requisição de Documentos (RD) nº 09/2011, revelando o controle deficiente sobre as despesas com multas de trânsito. Ausência de medidas para apurar o responsável pela infração. Infração ao disposto nos artigos 70 e 71, incisos II e IV, da Constituição Federal. A despesa com multas de trânsito, no total de R$ 11.365,46, é passível de devolução ao erário;

Subitem 1.1.2 (fls. 1.117/1.118 e 1.771/1.772) – Atendimento intempestivo da RD nº 14/2011. Ausência de informações sobre a reforma de motoniveladora. A despesa de R$ 18.777,90 é passível de devolução ao erário;

Subitem 1.1.3.1 (fls. 1.119/1.122 e 1.772/1.773) – Não foram apresentados comprovantes do recebimento de materiais de construção, nem da finalidade pública da despesa, tornando o valor de R$ 72.723,25 passível de devolução ao erário. Caracterizada falta de transparência na realização do gasto público, deficiência no sistema de controle interno, bem como afronta ao dever de prestar contas e ao princípio da liquidação da despesa capitulado nos artigos 62 e 63 Federal nº 4.320/1964;

Subitem 1.1.3.2 (fls. 1.122/1.123 e 1.773) – Ausência de informação sobre a instituição do Almoxarifado Central e controle sobre materiais de expediente e pneus, em infração ao disposto nos artigos 70 e 71, inciso IV, da Constituição Federal. Ausência de procedimento licitatório para a reforma e manutenção de motoniveladora, envolvendo a despesa de R$ 15.417,90, em infração ao disposto no artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, e artigos 2º e 3º da Lei Federal nº 8.666/1993;

Item 2.1 (fls. 1.130 e 1.776/1.777) – O Executivo Municipal não efetuou chamamento público para atualização dos registros cadastrais dos interessados em contratar com a administração pública, em descumprimento ao contido no artigo 34, § 1º, da Lei Federal nº 8.666/1993.

Item 2.2 (fl. 1.777) – Irregularidades nos Convites nºs 08, 10, 12, 25 e 29/2010, todos objetivando a manutenção de veículos e máquinas municipais, como segue:

Subitem 2.2.1 (fls. 1.130/1.133) – Ausência do número mínimo de licitantes nos Convites nºs 08, 10, 12, 25 e 29/2010, em infração ao disposto no artigo 22, § 7º, da Lei Federal nº 8.666/1993;

Subitem 2.2.2 (fls. 1.133 e 1.778) – Inobservância do prazo mínimo para a abertura das propostas nos Convites nºs 08, 10 e 29/2010, em infração ao disposto no artigo 21, § 2º, inciso IV, da Lei Federal nº 8.666/1993;

Subitem 2.2.3 (fls. 1.133/1.134 e 1.778/1.779) – Em relação aos Convites nºs 10, 12 e 29/2010, as peças de manutenção dos veículos não foram discriminadas nas propostas, nem nas notas fiscais, prejudicando a liquidação da despesa nos termos dos artigos 62 e 63 da Lei Federal nº 4.320/1964.

Item 2.3 (fls. 1.779) – Irregularidades no Convite nº 06/2010, que objetivou a contratação de serviços de veículo e máquina, bem como a aquisição de brita para as estradas rurais, como segue:

Subitem 2.3.1 (fls. 1.134/1.135 e 1.779/1.780) – Ausência do número mínimo de licitantes, em infração ao disposto no artigo 22, §§ 3º e 7º, da Lei Federal nº 8.666/1993. Empresa convidada, e não habilitada, pertence à Secretária Municipal da Fazenda. Empresa vencedora do certame (item 03) não está cadastrada na Fazenda Estadual, tendo emitido nota fiscal de prestação de serviço para o fornecimento de brita. Falta de manifestação da Comissão de Licitação;

Subitem 2.3.2 (fls. 1.135/1.136 e 1.780) – Descrição imprecisa do objeto da licitação;

Subitem 2.3.3 (fls. 1.136 e 1.780/1.781) – Ausência de planilha de custos no edital da licitação, em violação ao disposto nos artigos 7º, § 2º, inciso II e 40, § 2º, da Lei Federal nº 8.666/1993. Planilhas de custos apresentadas pelas licitantes em desconformidade com as propostas. Planilha de custos sem identificação. Desrespeito ao princípio do julgamento objetivo, em afronta ao disposto nos artigos 3º, caput, 44 e 45 da Lei Federal nº 8.666/1993;

Subitem 2.3.4 (fls. 1.136/1.137 e 1.781) – Inobservância do prazo mínimo para a abertura das propostas. Ausência de prova sobre o meio de entrega dos Convites. Infração ao disposto no artigo 21, § 2º, inciso IV, da Lei Federal nº 8.666/1993.

Item 2.4 (fls. 1.136/1.137 e 1.781/1.782) – Ausência do número mínimo de licitantes no Convite nº 15/2010, instaurado para a aquisição de materiais de construção. Inobservância do prazo mínimo para a abertura das propostas. Não houve a formalização do ajuste. Empresa vencedora do certame ligada à Secretária Municipal da Fazenda. Deficiência na liquidação da despesa. Irregularidades também ocorridas no Convite nº 30/2010, mesmo objeto.

Item 2.5 (fls. 1.139/1.143 e 1.782/1.783) – Aquisições fracionadas de medicamentos, gêneros alimentícios, peças e serviços para a manutenção da frota municipal, materiais de expediente, óculos para a área de saúde, material de limpeza e materiais de construção, caracterizando manobra evasiva ao obrigatório processo licitatório. Como apontado no Processo de Contas de 2009, o Município continua mantendo uma verdadeira conta-corrente junto aos fornecedores, adquirindo produtos essenciais de funcionamento da máquina pública de forma direta, sem demonstrar a adequação dos preços praticados. O controle interno emitiu alerta da impropriedade. Caracterizada a reiterada violação ao disposto no artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, e artigos 2º e 3º da Lei Federal nº 8.666/1993, bem como aos princípios da legalidade e da impessoalidade. Constatado, ainda, aquisições diretas de fornecedores em débito com a Fazenda Municipal.

Item 2.6 (fls. 1.143/1.145 e 1.783/1.784) – Contratação direta de prestadores de serviço de transporte escolar, sem o devido procedimento licitatório, envolvendo despesa no montante de R$ 1.455.678,69. Não se verifica justificativa para enquadramento no disposto no artigo 24, inciso IV, da Lei Federal nº 8.666/1993. Matéria apontada no Processo de Contas de 2009. Contratado serviço de servidora pública do Município, em afronta ao contido no artigo 9º, inciso III, da referida Lei.

Item 2.7 (fls. 1.145/1.147 e 1.784) – Contratação direta do Banrisul S.A. para a prestação de serviços financeiros, sem respaldo nas hipóteses de exclusão do processo de licitação. Matéria apontada no Processo de Contas de 2008.

Item 3.2 (fls. 1.148/1.149 e 1.785/1.786) – Incompatibilidade para o exercício das funções de Vice-Prefeito, uma vez que o agente permaneceu em atividade na empresa na qual é funcionário, em prejuízo do disposto na Lei Municipal nº 1.214/2006.

Item 4.1 (fls. 1.149/1.150 e 1.786) – Contratação de serviços de limpeza diretamente com pessoas físicas, sem caracterizar a terceirização do serviço.

Item 5.1 (fls. 1.150/1.153 e 1.786/1.790) – Indevida terceirização dos serviços de saúde, mediante Termos de Parceria com o Instituto Sócio-Educacional da Biodiversidade, qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP.

Ausência de procedimento licitatório. Disponibilização de pessoal em afronta ao contido no artigo 37, inciso II, da Constituição Federal.

Impossibilidade de se conferir a economicidade da contratação. Alerta do controle interno acerca do repasse de recursos em valor superior ao da remuneração dos profissionais disponibilizados. Ausência de controle sobre o número de horas trabalhadas, fragilizando a liquidação da despesa, em desobediência ao estatuído nos artigos 62 e 63 da Lei Federal nº 4.320/1964. Indevida terceirização do Programa Saúde de Família – PSF. A relação de trabalho entre os profissionais e o Ente Público poderá ensejar demandas trabalhistas, tendo verificado a este propósito, em 2010, que a entidade contratada não demonstrou a regularidade previdenciária. Ausência de metas, indicadores e cronograma de execução do objeto, bem como de comissão para avaliação dos resultados, em violação ao contido na Lei Federal nº 9.790/1999 e aos princípios da eficiência e da economicidade. Médico do Município continuou prestando atendimento para a entidade contratada, em ofensa ao princípio da moralidade. Matéria apontada no Processo de Contas de 2009.

Item 6.1 (fls. 1.790) – Deficiências na gestão das receitas municipais como seguem:

Subitem 6.1.1 (fls. 1.153/1.154 e 1.790/1.791) – Deficiente controle sobre a Dívida Ativa. Não foram apresentadas informações sobre as cobranças administrativas, impossibilitando avaliar eventuais créditos prescritos;

Subitem 6.1.2 (fls. 1.154/1.155 e 1.791) – Deficiente atuação e estrutura do setor de fiscalização tributária. Matéria apontada no Processo de Contas de 2009;

Subitem 6.1.3 (fls. 1.155/1.156 e 1.792) – Falta de atualização da planta imobiliária municipal, resultando na defasagem do valor venal para fins de cobrança do IPTU. Matéria apontada no Processo de Contas de 2009.

Item 6.2 (fls. 1.156 e 1.792) – Ausência de medidas administrativas de cobrança do Título Executivo emitido por este TCE, no valor de R$ 44.062,35.

Item 7.1 (fls. 1.157/1.158 e 1.792) – Deficiente estrutura do Sistema de Controle Interno. Servidores não atuam com dedicação exclusiva. Falta de efetividade para os alertas emitidos pela Central.

Item 2.2 – ausência de finalidade pública na despesa de R$ 6.116,00 (almoço para 400 pessoas no Parque das Tuias). Impossibilidade de atestar a legalidade e a finalidade pública da despesa.

Item 3.2 – aquisição de diversos materiais sem licitação.

Item 3.3 – gastos com combustíveis em valor superior aos licitados e ausência de finalidade pública.

Item 3.4 – contratação direta de prestadores de transporte escolar (matéria já apontada anteriormente).

Item 3.5 – dispensa de licitação para a contratação de OSCIP.

Tais pareceres foram devidamente referendados pelas decisões definitivas da Câmara Municipal de Fontoura Xavier/RS, não mais passíveis de recurso, por meio dos Decretos Legislativos n. 001/2016 (exercício de 2011) e n. 002/2019 (exercício de 2010), observando-se, assim, a regra do art. 31, §2º, da Constituição Federal.

Assim, Câmara exerceu sua competência de julgamento das referidas contas, consoante assentado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 848.826/DF, no qual se decidiu que a apreciação das contas de prefeitos, tanto as de governo quanto as de gestão, é de competência das Câmaras Municipais, verbis:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. PARECER PRÉVIO DO TRIBUNAL DE CONTAS. EFICÁCIA SUJEITA AO CRIVO PARLAMENTAR. COMPETÊNCIA DA CÂMARA MUNICIPAL PARA O JULGAMENTO DAS CONTAS DE GOVERNO E DE GESTÃO. LEI COMPLEMENTAR 64/1990, ALTERADA PELA LEI COMPLEMENTAR 135/2010. INELEGIBILIDADE. DECISÃO IRRECORRÍVEL. ATRIBUIÇÃO DO LEGISLATIVO LOCAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.

I – Compete à Câmara Municipal o julgamento das contas do chefe do Poder Executivo municipal, com o auxílio dos Tribunais de Contas, que emitirão parecer prévio, cuja eficácia impositiva subsiste e somente deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da casa legislativa (CF, art. 31, § 2º).

II – O Constituinte de 1988 optou por atribuir, indistintamente, o julgamento de todas as contas de responsabilidade dos prefeitos municipais aos vereadores, em respeito à relação de equilíbrio que deve existir entre os Poderes da República (“checks and balances”).

III – A Constituição Federal revela que o órgão competente para lavrar a decisão irrecorrível a que faz referência o art. 1°, I, g, da LC 64/1990, dada pela LC 135/ 2010, é a Câmara Municipal, e não o Tribunal de Contas.

IV – Tese adotada pelo Plenário da Corte: “Para fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores”.

V – Recurso extraordinário conhecido e provido.

(RE 848826, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Relator(a) p/ Acórdão: RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-187 DIVULG 23-08-2017 PUBLIC 24-08-2017)

Ainda, restou demonstrado nos autos que o recorrido fora condenado na ação civil pública n. 03611500033960, transitada em julgado em 06-05-2020, em decorrência de um fato constante no processo n. 000531-0200/11-4 do TCE/RS, relativamente à realização de uma confraternização para os servidores públicos e seus familiares, ao custo de R$ 6.116,00, que originou o Decreto Legislativo n. 001/2016 da Câmara Municipal de Vereadores. Nos autos dessa ação, restou suficientemente provado o dolo no agir do recorrido, então gestor público. Nesse sentido, trago trechos da referida decisão:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PAGAMENTO DE ALMOÇO A SERVIDORES E FAMILIARES EM EVENTO RECREATIVO. AUSÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO. DANO AO ERÁRIO COMPROVADO. ABASTECIMENTO DE VEÍCULOS PÚBLICOS SEM LICITAÇÃO OU PRÉVIO EMPENHO. DOLO NÃO COMPROVADO. 1. Suficientemente demonstrado o caráter recreativo do evento realizado no Parque das Tuias, inexistindo justificativa para o pagamento de 400 almoços aos servidores e familiares que lá compareceram na véspera do Natal. Ato de improbidade que causa prejuízo ao erário, nos termos do art. 10 da LIA. Dolo suficientemente comprovado, até porque o ex Prefeito tentou acobertar as despesas sob a justificativa de que o encontro teria finalidade pública (reuniões de trabalho). 2. Dolo não demonstrado em relação à aquisição, sem prévio empenho ou requisição, de combustível. Hipótese em que, ainda que indubitável a irregularidade do procedimento adotado pelo Município, a ausência do elemento subjetivo – no caso, o dolo, porquanto não configurado dano ao erário – afasta a configuração de atos de improbidade administrativa. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível, Nº 70079039947, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em: 14-11-2018)

No tocante às irregularidades aferidas para a desaprovação das contas, constam, dentre outras, dispensa indevida de processo licitatório, ausência de licitação e o fracionamento de despesas. Essas condutas ilícitas, promovidas por agentes públicos que atuam na qualidade de ordenadores de despesas, são consideradas, pelo TSE, irregularidades insanáveis decorrentes de ato doloso de improbidade administrativa, aptas, portanto, a configurar a hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar n. 64/90.

Nesse sentido, cito alguns precedentes:

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. REJEIÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. NOTA DE IMPROBIDADE AFASTADA PELO TRIBUNAL DE CONTAS. INSUFICIÊNCIA. LEI DE LICITAÇÃO. DESCUMPRIMENTO. IRREGULARIDADE INSANÁVEL. DESPROVIDO. 1. O afastamento pelo Tribunal de Contas dos Municípios de nota de improbidade administrativa originariamente imputada não afasta, por si só, a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90, mormente quando se tratar do descumprimento da lei de licitação – irregularidade insanável. 2. Recurso especial desprovido.

(TSE – REspe: 14930 CE, Relator: Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 25/03/2014, Data de Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 92, Data 20/05/2014, Página 41) grifei

ELEIÇÕES 2016. RECURSOS ESPECIAIS. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO. INDEFERIDO. CAUSA DE INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA G DA LEI COMPLEMETAR Nº 64/90. CONTAS REJEITADAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. COMPETÊNCIA. MATÉRIA PRECLUSA. DECISÃO IRRECORRÍVEL. DESCUMPRIMENTO DA LEI DE LICITAÇÕES. CONTRATAÇÃO DE PESSOAL SEM CONCURSO PÚBLICO. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS CONFIGURADORAS DE ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DOLO GENÉRICO. POSSIBILIDADE. RECURSO DA COLIGAÇÃO. INTERESSE RECURSAL. AUSÊNCIA. RECURSOS ESPECIAIS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. EXAME DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PREJUDICADO. 1. A alegação de violação aos arts. 22 e 28 da LINDB não pode ser conhecida, pois foi ventilada pela primeira vez em sede de embargos de declaração, sendo inadmissível para fins de comprovação do requisito do prequestionamento, incidindo, na espécie, a Súmula nº 72/TSE. 2. À luz do contido do Enunciado nº 41 da Súmula deste Tribunal não cabe a esta Justiça especializada analisar eventual desacerto no processo de contas que configure causa de inelegibilidade. Qualquer vício ou desacerto no processo que desaguou na rejeição da contabilidade, inclusive, como no caso, quanto à suposta incompetência do Órgão de Contas do Estado, deverá ser deduzido no âmbito do próprio TCE ou da Justiça Comum. 3. Ademais, o Regional paulistano não estabelece que o processo TC-000619/0010/11 refere-se a convênio com o repasse de recursos federais, mas apenas esclarece a existência de irregularidades no repasse de verbas pelo município ao terceiro setor, de forma que para se concluir em sentido diverso e considerar o TCU como órgão competente para fiscalização das contas, seria necessária nova incursão nas provas acostadas aos autos, providência inviável em sede especial, por inteligência da Súmula nº 24 deste Tribunal. 4. O art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/1990 exige, para a sua configuração, a presença dos seguintes requisitos: (i) exercício de cargo ou função pública; (ii) rejeição das contas pelo órgão competente; (iii) insanabilidade da irregularidade verificada; (iv) ato doloso de improbidade administrativa; (v) irrecorribilidade do pronunciamento de desaprovação das contas; e (vi) inexistência de suspensão ou anulação judicial do aresto de rejeição das contas. 5. O Tribunal de Contas de São Paulo desaprovou a contabilidade do candidato por descumprimento da Lei de licitações e pela contratação de pessoal sem concurso público, irregularidades consideradas insanáveis que configuram ato doloso de improbidade administrativa, a atrair a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990. Precedentes. 6. A referida inelegibilidade se aperfeiçoa com o dolo genérico, que se configura quando o administrador assume os riscos de não atender aos comandos legais, que vinculam a Administração Pública. Precedentes 7. Em razão da ausência de sucumbência, não se conhece de recurso especial interposto para que se confirme a inelegibilidade também por outros fundamentos. 8. Recurso Especial de Osvaldo Afonso Costa desprovido, restando prejudicados os embargos de declaração opostos da decisão que indeferiu o pedido de efeito suspensivo e não conhecido o especial da Coligação Unidos por uma Guaiçara para Todos.

(TSE – RESPE: 00003647420166260067 GUAIÇARA – SP, Relator: Min. Edson Fachin, Data de Julgamento: 06/06/2019, Data de Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 157, Data 15/08/2019, Página 52/53.) (Grifei.)

Cumpre referir, ainda, que, quanto à existência de ato doloso de improbidade administrativa, o Tribunal Superior Eleitoral possui entendimento segundo o qual não se exige dolo específico para incidência da causa de inelegibilidade ora em exame, bastando o dolo genérico ou eventual. Esses se caracterizam, para aquela Corte Superior, quando o administrador assume os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais que vinculam e pautam os gastos públicos.

Posicionamento estampado no seguinte julgado do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. REGISTRO DE CANDIDATURA. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. PAGAMENTO EM DOBRO DE SUBSÍDIO. ATO DOLOSO. VÍCIO INSANÁVEL. DESPROVIMENTO.

1. Autos recebidos no gabinete em 22.11.2016.

2. É inelegível, por oito anos, detentor de cargo ou função pública cujas contas tiverem sido rejeitadas em detrimento de falha insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, por meio de decisum irrecorrível do órgão competente, salvo se suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário, a teor do art. 1º, I, g, da LC 64/90.

3. No caso, é inequívoco que o candidato, à época dos fatos Presidente da Câmara Municipal de Penápolis/SP, determinou que o respectivo órgão lhe pagasse seu subsídio, em duplicidade, apenas porque o montante inicial teria sido objeto de furto nas dependências da Casa Legislativa.

4. O recebimento em dobro do próprio subsídio caracteriza falha insanável, porquanto acarretou notório dano ao erário, e configura ato doloso de improbidade administrativa - assim considerado, inclusive, pelo TJ/SP em ação civil pública.

5. O agravante, em memorial, aduziu que "houve instauração de processo crime contra dois funcionários com base nas imagens captadas pelo circuito interno daquele órgão. Os funcionários foram denunciados e fizeram transação penal [...]". Todavia, além de a análise desses fatos demandar reexame do conjunto probatório (Súmula 24/TSE), eles são irrelevantes para solucionar a controvérsia.

6. Com efeito, independentemente de quem furtou os valores relativos ao subsídio, é incontroverso que a responsabilidade pelo ressarcimento do dano não é da Câmara Municipal de Penápolis/SP, de modo que o candidato, ao assim proceder, lesou o erário.

7. A restituição do montante aos cofres públicos, muito após o julgamento das contas e logo depois de ajuizada ação civil pública com base no ilícito em debate, não afasta a inelegibilidade. Precedentes.

8. Não se requer dolo específico para incidência de referida inelegibilidade, bastando o genérico ou eventual, isto é, quando o administrador assume os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais que vinculam e pautam os gastos públicos. Precedentes.

9. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n, 5408, Acórdão, Relator Min. Herman Benjamin, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 06.12.2016.)

Diante do exposto, no que se refere à hipótese de rejeição das contas dos exercícios financeiros de 2010 e de 2011, entendo por satisfeitos todos os requisitos exigidos para a configuração da inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “g”, da LC n. 64/90, devendo a decisão a quo ser reformada nesse ponto.

[…]

Assim, recai sobre o recorrido a inelegibilidade, pelo prazo de 8 (oito) anos, prevista na al. “g” do inc. I do art. 1º da LC n. 64/90.

Pelo exposto, VOTO pelo provimento do recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral e pelo parcial provimento dos recursos interpostos pela Coligação Aliança Renovação Fontourense e por Paulo Cezar Quevedo, para reformar a sentença a quo, declarar a inelegibilidade de JOSÉ FLÁVIO GODOY DA ROSA pela incidência do art. 1º, inc. I, al. “g”, da LC n. 64/90 e INDEFERIR o seu registro de candidatura para o cargo de prefeito, nas eleições de 2020, no Município de Fontoura Xavier/RS.

Como se trata de registro ao cargo de prefeito, fica INDEFERIDA igualmente a chapa majoritária, por força de sua indivisibilidade, forte no art. 18 da Resolução TSE n. 23.609/19.

(Grifos meus)

Conforme se infere, houve expresso e exaustivo enfrentamento acerca do enquadramento e da incidência legal às irregularidades detectadas e arroladas, assim como quanto à conformação necessária no que respeita ao dolo da parte interessada, no condizente ao cometimento dos fatos quando esteve à frente do executivo municipal nos exercícios de 2010 e 2011.

Nesse sentido, ao juiz compete indicar os fundamentos da sua convicção, apreciando as questões que, pela sua relevância, não se pode deixar de apreciar. E isso foi atendido de forma plena.

Resulta que não existe vício a ser sanado. A pretensão exposta ao longo do presente voto demonstra, em verdade, o inconformismo da parte com o resultado desfavorável à sua demanda e a tentativa de rejulgamento da causa.

Ocorre que, na esteira da reiterada jurisprudência, a investida, ainda que disfarçada, de rediscussão da matéria não encontra abrigo nesta espécie recursal.

De outro lado, na linha do disposto no art. 1.025 do Código de Processo Civil, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.

Portanto, em face dessas circunstâncias, o acórdão embargado deve ser mantido nos seus exatos termos.

Dispositivo

Diante do exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração opostos por JOSÉ FLÁVIO GODOY DA ROSA.