MSCiv - 0600026-23.2021.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/04/2021 às 14:00

VOTO

O mandado de segurança é remédio constitucional colocado à disposição do jurisdicionado quando seu direito líquido e certo estiver sendo violado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade, na esteira do que dispõe o art. 5º, inc. LXIX, da CF/88.

Inicialmente, impende asseverar que os atos dos promotores de justiça eleitoral, em tese, estão sujeitos ao controle do Tribunal Regional Eleitoral, a teor do art. 29, inc. I, al. “e”, do Código Eleitoral e art. 33, inc. I, al. “e”, do Regimento Interno deste TRE-RS.

Na hipótese, o mandamus é impetrado em face de ato da Promotora de Justiça Eleitoral da 17ª Zona Eleitoral - Cruz Alta, que teria negado informações acerca da identidade do autor de denúncia a partir da qual teria sido instaurado o Procedimento Preparatório Eleitoral (PPE), que deu base às AIJE e AIME propostas em face da impetrante.

De acordo com a petição inicial, em 11.12.2020, foi instaurado pela impetrada o PPE n. 00755.003.344/2020, com a finalidade de apurar possível fraude em cotas de gênero nas eleições municipais em Cruz Alta. Alega que o expediente traz a Notícia de Fato n. 01534.000.333/2020, representada por uma denúncia que foi recebida pela Promotoria de Justiça Eleitoral, também em 11.12.2020, mediante seu canal eletrônico.

Relata, ainda, que, em 19.12.2020, o Ministério Público Eleitoral ajuizou a AIME n. 0601001-28.2020.6.21.0017, por meio da qual a impetrante tomou conhecimento de que a notícia foi realizada através do endereço de IP (Internet Protocol) n. 156.146.38.151, pertencente a um provedor da cidade de Dalas, localizada no Estado do Texas, nos Estados Unidos da América, o que, de acordo com Claudete, traria fortes indícios de que a comunicação foi feita por estrangeiro ou com fraude informática, sendo a questão relevante para sua defesa nas ações ajuizadas.

Em continuidade, a impetração descreve que, em 22.01.2021, o advogado constituído por Claudete Santos Ferreira foi recebido em audiência na sede da Promotoria de Justiça de Cruz Alta, quando requereu que lhe fossem apresentados os dados pessoais e o e-mail do denunciante, conforme termo acostado ao ID 19261483.

Ocorre que, em 25.01.2021, a impetrada apresentou resposta por e-mail endereçado ao procurador da parte interessada, no qual não foram encaminhados os dados solicitados, sob o fundamento de que “o Ministério Público é o controlador dos dados pessoais a sua disposição e a ele compete decidir sobre o tratamento destes dados, forte no artigo 5º do Provimento nº 68/2020 – PGJ”, bem como que a notícia de fato recebida via Formulário de Internet “em nada influenciou na instauração do procedimento investigatório”, pois o PPE teria sido instaurado de ofício, com base em elementos colhidos na Notícia de Fato n. 00755.003.262/2020.

Diante disso, sustenta a impetrante possuir o direito líquido e certo em obter as informações a respeito do nome e e-mail do denunciante, em especial para que possa exercer o direito de apresentar ampla defesa e contraditar todos os elementos ensejadores da AIJE e da AIME em que é parte ré.

Registro que, em avaliação sumária, indeferi o pedido liminar por cautela, tendo em vista que o Ministério Público Eleitoral é responsável pela preservação e segurança dos dados pessoais de seus informantes, bem como diante da ausência de elementos suficientes para concluir-se que a aludida notícia de fato serviu de base única à instauração do procedimento investigatório ou ao ajuizamento das ações cíveis eleitorais.

Contudo, sobrevindas as informações da autoridade apontada como coatora, com elucidações e documentos adicionais, entendo que os fundamentos daquela decisão provisória não mais subsistem.

Com efeito, a digna Promotora de Justiça Eleitoral da 17ª Zona, Dra. Vanessa Casarim Schutz, expôs, em sua manifestação, que não houve negativa ao fornecimento das informações, mas, sim, a prestação de esclarecimentos no sentido de que a denúncia recebida pelo canal eletrônico em nada influenciou na instauração do PPE e que, apesar de ausente sigilo sobre o expediente, “o fornecimento dos dados, por se tratar do sistema ministerial, demandaria diligências internas, tanto que sequer foram publicizados no expediente”.

Assim, conclui-se que as informações buscadas estão disponíveis, compõem formalmente os autos do expediente investigativo, bem como que não há hipótese de sigilo imposto, seja por disposição legal, seja por decisão administrativa ou judicial.

Reproduzo, por cruciais ao deslinde do caso, as informações prestadas:

Primeiramente, convém esclarecer que não houve negativa no encaminhamento dos dados solicitados pelo advogado da impetrante, mas sim, houve esclarecimento de que a “denúncia” recebida não teve qualquer relevância na atuação da agente ministerial, uma vez que o procedimento preparatório eleitoral (PPE 00755.003.344/2020) foi instaurado de ofício após o recebimento de solicitação de informações do Procurador Regional Eleitoral sobre as candidaturas femininas. O ofício foi cadastrado sob o n.º NF. 00755.003.262/2020.

 

Na referida NF 00755.003.262/2020 procedeu-se à minuciosa análise acerca das candidaturas femininas, levando em conta vários aspectos, dentre estes, números de votos recebidos, entendendo, o Ministério Público Eleitoral, necessário instaurar expediente investigatório em face de 06 (seis) candidatas, inclusive de Silvana dos Santos Salles, ante possível ocorrência de fraude às cotas de gênero.

 

Assim, procedeu-se à instauração do procedimento preparatório eleitoral (PPE 00755.003.344/2020), na data de 11/12/2020, contendo, já na Portaria, todas as diligências que foram realizadas no expediente, inclusive, data da audiência, na qual a candidata Silvana foi ouvida na Promotoria de Justiça.

No curso do expediente, aportou o Formulário de Denúncia pela Internet (NF 01534.000.333/2020), que foi juntado em 14/12/2020.

Do resultado das diligências previamente determinadas e cumpridas, entendeu o Ministério Público Eleitoral pela necessidade de instauração das ações eleitorais: AIJE e AIME, entendendo ter prova suficiente da comprovação da fraude às cotas.

 

Nessa toada, realizou-se atendimento ao Dr. Rodrigo Schinzel (NF.01534.000.008/2021) que postulou acesso aos “dados pessoais e email dos denunciantes do expediente extrajudicial, que originou a AIJE proposta pelo Ministério Público, cujos dados não consegue ter acesso pela cópia juntada ao processo judicial” – Termo de Informações. (Grifo meu)

 

Da análise do pedido, foi emitido o seguinte despacho:

 

Vistos.

 

Trata-se de Notícia de Fato instaurada a partir do atendimento ao advogado, Dr. Rodrigo Schinzel, OAB/RS 97.834, representando a Sra. Claudete Santos Ferreira.

 

Postula conteúdo do acesso ao link que confirma notificação dos representantes ao Partido Político, bem como os dados pessoais e email dos denunciantes do expediente extrajudicial que originou a AIJE proposta pelo Ministério Público Eleitoral (Evento nº 08). Juntou procuração.

 

É o breve relatório.

 

Inicialmente, convém esclarecer que, em que pese o sigilo aos dados tenha sido indeferido ao denunciante no expediente PPE 00755.003.344/2020, o Ministério Público é o controlador dos dados pessoais a sua disposição e a ele compete decidir sobre o tratamento destes dados, forte no artigo 5º do Provimento nº 68/2020 – PGJ.

 

Nesse sentido, a par do pedido do causídico de obter os dados do "denunciante", convém esclarecer que o procedimento que originou a AIJE (Procedimento Preparatório Eleitoral 00755.003.344/2020) foi instaurado de ofício por esta signatária, a partir da análise dos dados divulgados nas eleições municipais de 2020, relativamente às candidaturas femininas, na NF 00755.003.262/2020, a partir da necessidade de prestar informações ao Gabinete do Procurador Regional

Eleitoral.

 

Nessa toada, foram identificadas algumas situações suspeitas que ensejaram, em ato contínuo, o arquivamento daquela NF e a instauração de PPE, tal como o da candidata do partido Rede, sendo que não se tratou de caso isolado.

 

Recebida a "denúncia", esta foi juntada ao expediente em trâmite, uma vez que se tratava do mesmo objeto a ser investigado no PPE.

 

Assim, considerando que em nada influenciou na instauração do procedimento investigatório a "denúncia" recebida via Formulário de Internet (Evento nº 17 do PPE) e, considerando que, ainda que levantado o sigilo, o fornecimento dos dados, por se tratar do sistema ministerial, demandaria diligências internas, tanto que sequer foram publicizados no expediente, entende esta signatária por estar sanada a dúvida do procurador da parte.

 

Com relação ao print da confirmação de recebimento por watsapp (Evento nº 20,p.03 - PPE), encaminhe-se ao advogado a solicitação, uma vez que, realmente tentado acesso pelo PJE, não consegui abrir o link no PDF que acompanha a inicial AIJE 0601000-43.2020.6.21.0017.

 

Desse forma, comunique-se ao Dr. Rodrigo acerca dos esclarecimentos prestados por esta signatária, com cópia dos parágrafos anteriores, bem como remeta-se cópia do print da confirmação de recebimento por whatsapp (Link que não se consegue abrir no PDF juntado aos autos da AIJE) - constante no Evento nº 20, p. 03 do PPE 00755.003.344/2020).(Grifo meu)

 

Denota-se que houve esclarecimento ao causídico, e não negativa, já que se percebe, claramente, que o impetrante pretende utilizar os dados do “denunciante” como matéria de defesa e, justamente por isso, esta agente ministerial fez esse esclarecimento ao advogado, destacando que a “denúncia” em nada interferiu na investigação e nem no ajuizamento das ações eleitorais.

 

Importante esclarecer que o Procedimento NF 01534.000.333/2020, cujo acesso postula o impetrante, não está coberto por qualquer sigilo e não possui qualquer omissão de dados, tendo sido juntado na sua integralidade no procedimento preparatório e está disponível na rede mundial de computadores (internet) para toda e qualquer pessoa acessar, por meio do link: https://www.mprs.mp.br/atendimento/consulta-processo/

 

Quanto ao link supracitado, basta informar o número da Notícia de Fato (01534.000.333/2020) que se tem acesso ao conteúdo integral do documento solicitado.

 

Também é relevante apontar que as denúncias efetuadas pelo site do Ministério Público, como o caso desta Notícia de Fato, não são objeto de manipulação pelos membros do Ministério Público. Em outras palavras, não se trata de um documento editável, mas sim de um arquivo em formato PDF que é gerado pelo denunciante e a partir de uma triagem realizada por inteligência artificial, direcionado às Promotorias de Justiça.

 

E, ato contínuo, a NF 01534.000.333/2020 que nada mais é do que um formulário de denúncia efetuado pela internet foi anexada no dia 14 de dezembro de 2020.

 

Esclareça-se, ainda, que eventuais dados do comunicante podem estar ocultados pelo próprio sistema de denúncias on-line do Ministério Público, o que necessitaria a realização de diligências internas e demandaria tempo e acionamento de eventuais áreas mais técnicas da instituição acarretando grande demora e possível prejuízo ao impetrante.

 

Visando corroborar que a Notícia de Fato 01534.000.333/2020 nada tem haver com a instauração do expediente, é possível facilmente verificar que o despacho que determinou a instauração do PPE foi assinado de forma eletrônica no dia 11 de dezembro às 10h14min. Já o despacho de juntada da Notícia de Fato objeto deste Mandado de Segurança foi assinada no dia 14 de dezembro de 2020, portanto 03 (três) dias após a determinação de instauração do Procedimento Preparatório Eleitoral.

 

Ainda, no mesmo dia 11 de dezembro de 2020, foram determinadas por meio de despacho no PPE todas as diligências que o instruíram, inclusive designação da audiência com Silvana Sales, como já referido acima.

 

Portanto, mais uma vez, a “denúncia” em nada interferiu na investigação do Ministério Público Eleitoral, pois, como se pode ver, toda a atuação deu-se em data anterior ao conhecimento do conteúdo e juntada daquela no expediente.

 

Em face de toda a informação trazida, enfatiza-se que não há omissão de documentos no PPE, constando integralmente a denúncia recebida por meio eletrônico, bem como que não houve negativa no fornecimento dos dados, mas sim esclarecimento visando colaborar com o causídico na compreensão e ordem dos fatos.

 

Em verdade, vale mencionar que poderia inclusive, ocorrer o desentranhamento dos autos da NF 01534.000.333/2020, por não fazer diferença alguma na atuação do Ministério Público Eleitoral, tendo sido apenas juntada ao expediente investigatório por se tratar do mesmo objeto.

 

Em verdade, o sigilo restou expressamente afastado pela Promotora de Justiça Eleitoral (ID 19260983), e sequer houve recusa formal à identificação dos denunciantes (ID 24049183).

Nessa linha, a Portaria n. 1, de 9 de setembro de 2019, editada pela Procuradoria-Geral da República e pela Procuraria-Geral Eleitoral para regulamentar a atuação do Ministério Público Eleitoral, enuncia, em seu art. 76, que “os atos e peças de PPE e PIC são públicos, salvo disposição legal em contrário ou por razões de interesse público ou conveniência da investigação”.

Portanto, cumpre reconhecer o direito líquido e certo de amplo acesso a todos os elementos que, uma vez documentados e sem risco à eficácia da persecução, integram o procedimento apuratório ministerial no qual a impetrante seja investigada ou parte interessada.

Eventuais limitações do sistema informatizado do órgão, a demandar providências técnicas internas, não podem servir de guarida à inércia na disponibilização dos dados quando flagrante o interesse da parte visando ao exercício do seu direito à ampla defesa.

Da mesma forma, não remanesce motivo jurídico para que a judicialização do documento, então ofertado como elemento de prova da AIJE e da AIME, não tenha ocorrido em toda a sua extensão, inclusive em relação à autoria da “notícia de fato”, se considerada pública e disponível a informação, hipótese em que a valoração da aludida prova compete ao juízo natural das referidas ações, com os subsídios da inafastável dialética processual.

Destarte, em harmonia com a manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, impõe-se a concessão da segurança, a fim de que seja determinado à Promotora Eleitoral da 17ª Zona Eleitoral - Cruz Alta/RS que informe à impetrante os dados disponíveis relativos ao nome e o e-mail apresentados pelo autor da denúncia (Notícia de Fato n. 01534.000.333/2020) integrante do Procedimento Preliminar Eleitoral n. 00755.003.344, no prazo máximo de 15 (quinze) dias.

Cumpre, ainda, a cientificação do Juízo Eleitoral da 17º Zona, perante o qual tramitam a AIJE n. 0601000-43.20202020.6.21.0017 e a AIME n. 0601001-28.2020.6.21.0017, para que adote as medidas que entender pertinentes.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela concessão da segurança, a fim de determinar à Promotora Eleitoral da 17ª Zona Eleitoral - Cruz Alta/RS que informe à impetrante os dados disponíveis relativos ao nome e ao e-mail apresentados pelo autor da denúncia (Notícia de Fato n. 01534.000.333/2020) integrante do Procedimento Preliminar Eleitoral n. 00755.003.344, no prazo máximo de 15 (quinze) dias.

Comunique-se a presente decisão ao Juízo da 17ª Zona Eleitoral.