REl - 0600471-15.2020.6.21.0117 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/03/2021 às 14:00

VOTO

Tempestividade

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada em 23.11.2020, e o recurso foi interposto na data de 25.11.2020, atendendo, portanto, ao tríduo legal previsto no art. 258 do Código Eleitoral.

Preliminares

Trata-se de recurso em Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE cujo desfecho se dá ainda em questão preliminar.

Explico. 

As contrarrazões trazem duas preliminares - a primeira, de ilegitimidade ativa dos recorrentes em relação aos candidatos à vereança; e, a segunda, relativamente a uma suposta inovação, de parte da coligação recorrente, nas razões de recurso.

E é relativamente a esta segunda arguição que se alinha a Procuradoria Regional Eleitoral, notadamente para se posicionar pela inviabilidade de conhecimento do recurso.

De fato. 

A presente AIJE foi apresentada, via petição inicial na instância originária, ao argumento de  que é vedada, ainda que gratuitamente, a veiculação de propaganda eleitoral na internet em sítios de pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos, conforme prescreve o inc. I do § 1º do art. 29 da Resolução TSE n. 23.610/19.

De tais circunstâncias os demandados se defenderam, como é possível se perceber da mera leitura das peças que se seguiram à exordial.

Na sequência, a sentença descaracterizou o caráter de pessoa jurídica – para fins de direito – do veículo de comunicação apontado na inicial, sob o entendimento de que o editor e proprietário, Jones Scheit, é empresário individual.

Reproduzo trecho da decisão, no que interessa:

Em que pese em uma primeira análise se tenha considerado aparentemente irregular a veiculação da propaganda eleitoral junto à página eletrônica do jornal eletrônico Colorado em Foco, estudando-se mais aprofundadamente as teses de defesa, manifestação do Ministério Público Eleitoral, doutrina e jurisprudência aplicáveis, conclui-se que, de fato, não houve irregularidade na veiculação da propaganda.

Tal ocorre porque, conforme bem ponderado pelo ilustre representante do Ministério Público Eleitoral, o caso não se amolda à hipótese do artigo 57-C, §1º, I, da Lei n.º 9.504/97, segundo o qual é vedada, ainda que gratuitamente, a veiculação de propaganda eleitoral na internet, em sítios de pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos.

Inicialmente, quando da análise do pleito liminar, entendeu-se que se tratava de pessoa jurídica o responsável pelo jornal eletrônico. Não obstante, conforme ponderações da parte requerida e Ministério Público Eleitoral, verifica-se que o editor/proprietário Jones Scheit, cujo CNPJ é n.º 21.819.442/0001-34, trata-se de empresário individual, que não é considerado pessoa jurídica propriamente dita, seja pela doutrina seja pela jurisprudência do direito empresarial.

O artigo 44 do Código Civil estabelece que são pessoas jurídicas de direito privado apenas as empresas individuais de responsabilidade limitada. Exclui-se do conceito de pessoa jurídica a figura do Microempresário individual, prevista no artigo 966 do mesmo dispositivo e especificada na Lei Complementar n.º 123/2006, artigo 18-A.

O colendo Superior Tribunal de Justiça já se posicionou quanto ao tema, destacando que "a empresa individual é mera ficção jurídica que permite à pessoa natural atuar no mercado com vantagens próprias da pessoa jurídica, sem que a titularidade implique distinção patrimonial entre o empresário individual e a pessoa natural titular da firma individual" (STJ, REsp 1355000, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, 20.10.2016, DJe 10.11.2016). Portanto, tem-se que inexiste separação patrimonial entre pessoa física e jurídica, de forma que os empresários individuais assumem os riscos da atividade empresarial, de forma pessoal e ilimitada, independente da origem ou natureza da dívida. Essa condição os exclui do rol do artigo 44, que aponta os entes que se enquadram na definição legal de pessoa jurídica de direito privado.

A prova de que o responsável/editor do jornal eletrônico em que restou veiculada a propaganda eleitoral apenas constituiu empresa individual de responsabilidade ilimitada está em seu cadastro, anexado na própria petição inicial - "Outros documentos (cnpj Jones)", no campo de descrição da natureza jurídica, em que consta "213-5 – Empresário (Individual)".

Tratando-se de propaganda eleitoral, portanto, veiculada em endereço eletrônico de pessoa natural (que apenas é equiparada a pessoa jurídica para fins fiscais), o fato não se subsume à norma, não se podendo concluir pela irregularidade da propaganda. E, por consequência, inexiste abuso do uso dos meios de comunicação, impondo-se a improcedência do pedido inicial.

(Grifei.)

 

No entanto, ao insurgir-se contra a sentença, a peça recursal inovou na argumentação e passou a deitar foco no fato de tratar-se de propaganda paga na internet:

Logo, a simples leitura do artigo permite concluir que QUALQUER TIPO DE PROPAGANDA PAGA NA INTERNET É PROIBIDA, com exceção de impulsionamento de conteúdos, e este deve ser identificado como tal, o que não e o caso dos autos! No mesmo sentido, a lei é clara no sentido de que é proibida a propaganda eleitoral, mesmo que gratuita em sítios eletrônicos de pessoas jurídicas, portanto, compreende-se que não é proibida a veiculação de propaganda GRATUITA em sítios eletrônicos de pessoas físicas, pelo que se extrai do §1, I, do mesmo artigo supracitado e da Lei das Eleições.

No entanto, o caso em tela, trata-se de PROPAGANDA PAGA na internet, uma vez que a contestação é bem clara no sentido de que houve a contratação dos serviços do Jornal Eletrônico Colorado em Foco e que as propagandas foram pagas, inclusive colocadas à disposição da Coligação Investigante e dos candidatos da proporcional caso quisesse. Logo a situação em tela se coaduna com o caput do art. 29, da Resolução e no caput do art. 57-C, da Lei das Eleições, no que tange à vedação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet.

OCORRE QUE A PÁGINA NA INTERNET “https://coloradoemfoco.com.br/” É USADA COM FIM LUCRATIVO, nela sendo evidente que não houve mera publicação, mas sim que houve PAGAMENTO.

 

Inviável a modificação de argumento em sede recursal - trata-se de contexto fático e jurídico inédito nos autos, ausente por ocasião da estabilização da demanda. 

Ainda que os recorridos (à exceção de José Augusto Dias de Oliveira) tenham afirmado, na contestação,  o pagamento de santinhos ao JORNAL COLORADO EM FOCO, não houve oportunidade de defesa quanto ao ponto - aliás, o item sequer se apresentou como controverso, e não houve o pedido para condenação por tal prática.

Por ocasião da defesa, como bem apontado pelo parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, os demandados apresentaram teses quanto à única irregularidade a eles atribuída: veiculação de propaganda eleitoral em sítio eletrônico de pessoa jurídica.

Em resumo: a tese foi suscitada exclusivamente em sede de recurso, não vindo explicitada na peça inaugural da ação, tampouco foi o fato arguido na instância originária, pelo que tal postulado consiste em inadmissível inovação recursal e, nos termos da Súmula TSE n. 62, os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor.

Em obediência ao verbete do Tribunal Superior, os seguintes precedentes:

RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. TERMO INICIAL. AJUIZAMENTO ANTES DO PRAZO PREVISTO PARA AS CONVENÇÕES ELEITORAIS. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. INOVAÇÃO DE TESE EM SEDE

RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. CONDUTAS RELACIONADAS A ABUSO DE AUTORIDADE. POSSIBILIDADE DE INFLUIR NA ELEIÇÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. A Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada no dia 1º de julho de 2016, antes do início do período determinado para a realização de convenções destinadas a deliberar sobre a escolha dos candidatos. Ausente o interesse de agir do partido representante.

2. Inova em sede recursal o recorrente ao trazer à baila tema não ventilado na petição inicial o que dificulta sobremaneira o contraditório e a ampla defesa e malfere o princípio do duplo grau de jurisdição, razão pela qual o Código de Processo Civil veda expressamente, salvo se provar que a parte deixou de fazê-lo por motivo de força maior (art. 1.014).

3. É pacífico na Corte Superior que não há empeço à análise, pela Justiça Eleitoral, das demandas alicerçadas no abuso de autoridade - art. 37, § 10, da CF c/c. o art. 74 da Lei das Eleições -, quando tais condutas tenham se dado em

momento anterior ao interstício vedado previsto na legislação que rege a matéria, desde que se possa vislumbrar a possibilidade de influência daquelas quanto à regularidade do escrutínio.

4. A imprecisão técnica da peça recursal não subsume-se aos requisitos insculpidos no artigo 80, do Código de Processo Civil, razão pela qual é inaplicável a sanção nele prevista.

5. Recurso conhecido e desprovido.

(TRE GO - RECURSO ELEITORAL nº 2653, Acórdão de , Relator(a) Min. Fabiano Abel de Aragão Fernandes, Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo 13, Data: 25.01.2017, Página 2/6.)

(Grifei.)

 

RECURSOS ELEITORAIS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. COTA DE GÊNERO. CANDIDATURA FICTÍCIA. ABUSO DE PODER ECONÔMICO NA FORMA DE FRAUDE. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. CASSAÇÃO DE DIPLOMA. INELEGIBILIDADE.

Primeiro Recurso

Preliminar de inovação recursal, suscitada em contrarrazões.

É defeso às partes inovar em sede recursal, não podendo discutir novas teses não formuladas na instância ordinária, sob pena de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Ademais, é requisito recursal a impugnação específica dos fundamentos da decisão recorrida. Em relação à tese do recorrente de que não caberia mais a discussão sobre candidaturas em face da ocorrência do trânsito em julgado do DRAP, ressalto que referida questão foi abordada na decisão dos embargos declaratórios, não inovando o recorrente neste aspecto. Todavia, inova o recorrente ao alegar que o candidato José de Paula da Silva não obteve votação e não fora incluído na presente demanda, eis que tal fato não fora arguido na inicial (artigo 1.014, CPC). Acolho parcialmente a preliminar e não conheço o fato trazido nas razões de recurso quanto à votação obtida pelo candidato José de Paula da Silva.

Preliminar de inadequação da via eleita.

O c. TSE pacificou o entendimento de que é possível a apuração de fraude envolvendo cotas de gênero por meio de investigação judicial eleitoral. No Resp nº 243-42, consignou o Relator que "a restrição de caráter formal no sentido de afirmar que eventuais atos fraudulentos relativos ao preenchimento das vagas destinadas aos gêneros, constatados no curso das campanhas eleitorais, somente poderiam ser apurados na ação de impugnação de mandato eletivo atrairia situação de vácuo na prestação jurisdicional no período compreendido entre a apreciação do DRAP e a propositura da ação de impugnação de mandato eletivo, que tem como pressuposto fático a existência de mandato a ser impugnado.". (Recurso Especial Eleitoral nº 24342, Acórdão de 16/08/2016, Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 196, Data 11/10/2016, Página 65-66 ). Não há dúvidas quanto à adequação da AIJE para a apuração da fraude narrada na inicial. Rejeito.

Preliminar de inépcia da inicial por falta de causa de pedir.

(...)

(TRE-MG RECURSO ELEITORAL n 143863, ACÓRDÃO de 16/10/2018, Relator(aqwe) RICARDO MATOS DE OLIVEIRA, Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Tomo 198, Data: 26.10.2018.)

(Grifei.)

 

Na mesma toada, aliás, a petição e os documentos apresentados pela recorrente após o parecer ministerial, pois dizem respeito à inovação recursal - pagamento de publicidade eleitoral na internet. Como já assinalado, a análise da questão feriria os limites já traçados por ocasião da estabilização da demanda.

Dito de outro modo: há evidente assimetria entre a controvérsia originária da demanda e as razões de recurso - situação que seria inadmitida mesmo em primeiro grau, o que se dirá em grau recursal. Os argumentos veiculados no recurso deviam ter sido manejados em outra demanda, acaso o recorrente entendesse por submetê-los ao Poder Judiciário após a angularização da relação processual sob exame.

Impõe-se, por todo o exposto e na linha do parecer ministerial, o não conhecimento do recurso.

 

Ante o exposto, VOTO pelo não conhecimento do recurso.