PC - 0602217-46.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/03/2021 às 14:00

VOTO

Os embargos de declaração são tempestivos e preenchem os demais pressupostos de admissibilidade, razão por que deles conheço.

No mérito, é sabido que os embargos de declaração servem para afastar obscuridade, contradição ou omissão que emergem do acórdão, ou para lhe corrigir erro material.

O art. 275 do Código Eleitoral, com a redação dada pela Lei n. 13.105/15, estabelece que são admissíveis embargos de declaração nas hipóteses previstas no Código de Processo Civil.

Por sua vez, o Código de Processo Civil, em seu art. 1.022, incs. I, II e III, assim dispõe:

Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:

I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;

II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;

III - corrigir erro material.

Todavia, não evidencio na decisão embargada a existência de quaisquer das hipóteses acima mencionadas.

O acórdão vergastado foi claro e consignou fundamentação jurídica suficiente para justificar sua conclusão (ID 11793083), enfrentando o contexto normativo e a jurisprudência aplicável à espécie. Veja-se:

[…]

A Seção de Auditoria Partidária e Eleitoral (SEAPE) deste Regional, ao concluir a análise da contabilidade da agremiação referente à campanha eleitoral de 2018, constatou ter sido descumprida a normativa do art. 21, § 4º, da Resolução TSE n. 23.553/17, que assim dispôs:

Art. 21. Os partidos políticos podem aplicar nas campanhas eleitorais os recursos do Fundo Partidário, inclusive aqueles recebidos em exercícios anteriores.

(…)

§ 4º Os partidos políticos, em cada esfera, devem destinar ao financiamento de campanhas de suas candidatas no mínimo 30% dos gastos totais contratados nas campanhas eleitorais com recursos do Fundo Partidário, incluídos nesse valor os recursos a que se refere o inciso V do art. 44 da Lei nº 9.096/1995.

§ 5º Havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas, o mínimo de recursos globais do Fundo Partidário destinados a campanhas deve ser aplicado no financiamento das campanhas de candidatas na mesma proporção. (Incluído pela Resolução nº 23.575/2018)

§ 6º A verba oriunda da reserva de recursos do Fundo Partidário, destinada ao custeio das candidaturas femininas, deve ser aplicada pela candidata no interesse de sua campanha ou de outras campanhas femininas, sendo ilícito o seu emprego, no todo ou em parte, exclusivamente para financiar candidaturas masculinas. (Grifei.)

A normativa constante do referido dispositivo legal, com a modificação legislativa realizada pela Resolução TSE n. 23.575/18, estabelece um mecanismo de participação das agremiações partidárias nas ações estatais de fomento e incentivo à participação das mulheres na vida política, especialmente no que respeita à disputa por cargos eletivos, buscando assegurar, de forma concreta, o aporte financeiro para suas campanhas.

Nesse cenário, quando do julgamento da ADI n. 5617/DF, em acórdão relatado pelo Ministro EDSON FACHIN (DJe de 08.3.2019), a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade do termo “três”, a que aludia o art. 9º da Lei n. 13.165/15, afastando o limite temporal que havia sido estipulado pelo legislador eleitoral, e conferindo-lhe interpretação conforme a Constituição Federal, de modo a equiparar o percentual mínimo de 30% de candidaturas femininas (art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97) ao percentual mínimo dos recursos do Fundo Partidário que devem ser direcionados ao financiamento de candidaturas desse gênero nas eleições majoritárias e proporcionais (originariamente estipulado entre 5% e 15% nas três eleições que se seguissem à publicação da lei), estabelecendo que, na hipótese de o percentual de candidaturas femininas ser mais elevado, os recursos do Fundo Partidário devem ser alocados em idêntica proporção, declarando, também, a inconstitucionalidade por arrastamento do art. 44, §§ 5º-A e 7º, da Lei n. 9.096/95, como se depreende da ementa do julgado a seguir colacionada:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL E ELEITORAL. ART. 9º DA LEI 13.165/2015. FIXAÇÃO DE PISO (5%) E DE TETO (15%) DO MONTANTE DO FUNDO PARTIDÁRIO DESTINADO AO FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS ELEITORAIS PARA A APLICAÇÃO NAS CAMPANHAS DE CANDIDATAS. PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. REJEIÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À IGUALDADE E À NÃO DISCRIMINAÇÃO. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. O Supremo Tribunal Federal, ao examinar as alegações de inconstitucionalidade de norma, deve fixar a interpretação que constitucionalmente a densifique, a fim de fazer incidir o conteúdo normativo cuja efetividade independe de ato do Poder Legislativo. Precedentes. 2. O princípio da igualdade material é prestigiado por ações afirmativas. No entanto, utilizar, para qualquer outro fim, a diferença estabelecida com o objetivo de superar a discriminação ofende o mesmo princípio da igualdade, que veda tratamento discriminatório fundado em circunstâncias que estão fora do controle das pessoas, como a raça, o sexo, a cor da pele ou qualquer outra diferenciação arbitrariamente considerada. Precedente do CEDAW. 3. A autonomia partidária não consagra regra que exima o partido do respeito incondicional aos direitos fundamentais, pois é precisamente na artificiosa segmentação entre o público e o privado que reside a principal forma de discriminação das mulheres. 4. Ação direta julgada procedente para: (i) declarar a inconstitucionalidade 2 da expressão “três ” contida no art. 9º da Lei 13.165/2015; (ii) dar interpretação conforme à Constituição ao art. 9º da Lei 13.165/2015 de modo a (a) equiparar o patamar legal mínimo de candidaturas femininas (hoje o do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/1997, isto é, ao menos 30% de cidadãs), ao mínimo de recursos do Fundo Partidário a lhes serem destinados, que deve ser interpretado como também de 30% do montante do fundo alocado a cada partido, para eleições majoritárias e proporcionais, e (b) fixar que, havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas, o mínimo de recursos globais do partido destinados a campanhas lhes seja alocado na mesma proporção; (iii) declarar a inconstitucionalidade, por arrastamento, do § 5º-A e do § 7º do art. 44 da Lei 9.096/95. (STF, Tribunal Pleno, julgado em 15/03/2018).

Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal respondeu à Consulta n. 0600252-18.2018.6.00.0000, em acórdão de relatoria da Ministra ROSA WEBER (DJe de 15.8.2018), reafirmando a linha principiológica adotada quando do julgamento da ADI n. 5617/DF, lastreada, precipuamente, no princípio da igualdade de gênero (art. 5º, caput, da Constituição Federal), definindo que a decisão proferida naquela ADI se aplica quanto à distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), previsto nos arts. 16-C e 16-D da Lei n. 9.504/97, que deve ser incrementado na mesma proporção do aumento do percentual de candidaturas femininas, acaso existente.

Na mesma consulta, a Suprema Corte decidiu, também, que os critérios de distribuição do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão devem seguir o mesmo raciocínio, devendo-se, por conseguinte, equiparar o mínimo de recursos do FEFC e o tempo de propaganda ao patamar legal de 30% (trinta por cento) de candidaturas femininas, definido no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, respeitando-se a proporcionalidade distributiva sempre que os percentuais de candidaturas de mulheres sejam mais elevados.

Este Regional, ao julgar a PC n. 0602520-60.2018.6.21.0000, debateu profundamente o tema sob a ótica da destinação de recursos do FEFC, assentando a imprescindibilidade de os partidos políticos, enquanto agentes de transformação da realidade sociopolítica, procederem à distribuição de tais verbas de maneira proporcional ao número de concorrentes por gênero, visando “(...) a garantir a efetividade da ação afirmativa de incentivo à participação das mulheres no cenário político nacional, de modo a que as candidatas recebam suficiente aporte financeiro para suas campanhas, medida imprescindível para que tenham reais oportunidades na disputa por cargos eletivos” (Relator Desembargador Eleitoral SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Redator do acórdão Desembargador Eleitoral GERSON FISCHMANN, julgado na sessão de 02.6.2020).

Delineado esse panorama jurisprudencial, compete a esta Justiça Especializada, por intermédio de seus mecanismos próprios de controle e fiscalização, assegurar o efetivo cumprimento das normas disciplinadoras da distribuição das verbas públicas do Fundo Partidário e do FEFC, coibindo distorções tendentes a privilegiar candidaturas do gênero masculino em detrimento de candidaturas femininas, em desrespeito à concretização dos primados da igualdade e do amplo acesso e representatividade dos cargos públicos, essenciais à construção de um Estado genuinamente democrático (art. 1º, caput, da Constituição Federal).

Como, no caso concreto, o partido efetuou despesas com recursos do Fundo Partidário no montante de R$ 79.697,34, deveria ter destinado a quantia de R$ 23.909,20 ao financiamento de candidaturas do sexo feminino, atinente aos 30% estabelecidos no art. 21, § 4º, da Resolução TSE n. 23.553/17.

Contudo, de acordo com consulta realizada junto ao Sistema Divulgacandcontas, em 07.11.2019, pelo órgão técnico (ID 4818533), a agremiação repassou, tão somente, R$ 10.219,13 às suas candidatas, valor equivalente a 12,82%, verificando-se, assim, um déficit de R$ 13.690,07, correspondente à transgressão da normativa eleitoral no gerenciamento financeiro da campanha.

Registro, no ponto, a minha divergência parcial com relação aos cálculos realizados pelo setor técnico deste Tribunal, que adotou o percentual de 31%, atribuindo, à irregularidade, a soma de R$ 14.487,05 (ID 4818533).

O valor total da falha (R$ 13.690,07) representa 17,18% das receitas auferidas durante o pleito de 2018, percentual que justifica o juízo de desaprovação da contabilidade, na esteira de orientação firmada pelo Tribunal Superior Eleitoral, e adotada por este Regional, reprovando contas eleitorais em situações em que as falhas ultrapassam 10% (dez por cento) da totalidade dos recursos movimentados durante a campanha.

O valor que deixou de ser direcionado ao custeio de candidaturas femininas deve ser transferido ao Tesouro Nacional, no prazo de até 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de adoção dos procedimentos pertinentes de cobrança, nos termos do art. 82, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17.

A infringência também importa a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário, a qual, atendendo ao parâmetro de proporcionalidade a partir do percentual total da irregularidade (17,18%), fixo pelo período de 02 (dois) meses, que deverão ser cumpridos no ano seguinte ao que se efetivar o trânsito em julgado da presente decisão de desaprovação das contas, consoante o art. 77, §§ 4º e 6º, da Resolução TSE n. 23.553/17.

[…]

(Grifos no original)

E como visto, o embargante pretende, exclusivamente, o prequestionamento da matéria trazida nos aclaratórios, almejando o pronunciamento desta Corte quanto ao fato de o TSE não ter estabelecido na Consulta n. 0600252-18.2018.6.00.000 a observância da quota de 30% pelos diretórios estaduais e no que condiz à alegada infringência do art. 16 da Constituição Federal pelos §§ 3º, 4º e 5º do art. 19 da Resolução TSE n. 23.553/17.

Ocorre que, na linha do disposto no art. 1.025 do Código de Processo Civil, “consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”, donde se conclui ser o bastante, para tal fim, a suscitação da matéria pelo próprio embargante.

Portanto, dentro desse contexto, o acórdão embargado deve ser mantido nos seus exatos termos.

Diante do exposto, VOTO, pela rejeição dos embargos declaratórios opostos pelo Diretório Estadual do Partido Popular Socialista, atual CIDADANIA.