REl - 0600390-81.2020.6.21.0015 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/03/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, o apelo circunscreve-se à alegação de que o Prefeito reeleito MILTON SCHMITZ se utilizou da máquina pública para a realização de diversas ações e obras, durante o período de campanha eleitoral, bem como compareceu à inauguração de escola pública, configurando conduta vedada e abuso de poder político.

Visando demonstrar embasamento fático de sua pretensão, o recorrente acostou diversas imagens de obras de pavimentação e recapeamentos asfálticos que estariam sendo realizadas no município durante o período eleitoral, inclusive nos finais de semana.

Embora seja possível concluir que a administração pública municipal, de fato, realizou diversas empreitadas de calçamento e pavimentação no período eleitoral, não está demonstrado nos autos o uso abusivo ou promocional destes fatos em benefício direto do candidato à reeleição.

Não se pretende ignorar que a simples realização de obra pública nas proximidades de eleição já teria o condão de gerar algum dividendo eleitoral ao então administrador público.

Contudo, tratando-se de candidato a mandato no Poder Executivo, para o qual a Constituição não exige o afastamento do cargo para concorrer à reeleição, a caracterização da conduta abusiva reclama a caracterização de fatos graves de antecipação de propaganda ou de massivo uso da administração pública para a promoção pessoal.

Do acervo probatório acostado aos autos, entendo que as condutas em análise não ostentam gravidade suficiente para configuração de abuso de poder político, inclusive porque ausente comprovação segura do intuito eleitoreiro.

Destaca-se, quanto ao ponto, que as obras não foram direta e ostensivamente associadas à figura do candidato ou condicionadas à sua reeleição.

Com efeito, percebe-se das fotografias e vídeos juntados aos autos (ID 11133183) que, embora o mandatário tenha comparecido nas obras em andamento em determinados casos, não houve exploração eleitoreira do fato.

Não se constata a ocorrência de cerimônias ou aglutinação de eleitores ou cabos eleitorais, sequer foram afixadas propagandas de cunho institucional nos locais beneficiados, não sendo possível, por isso, inferir que houve o uso indevido da máquina pública com o objetivo de beneficiar a reeleição do recorrido.

Quanto ao ponto, colho excerto da bem-lançada sentença de lavra da douta Magistrada da 15ª Zona Eleitoral, adotando seus termos como razões de decidir:

Analisando os elementos de prova dos autos entendo que não resta caracterizado, também, abuso de poder político pelo candidato à reeleição na alegação referente à realização das obras públicas. As obras realizadas pelo prefeito, ou em andamento, decorrem dos atos de gestão inerentes ao administrador municipal. Como dito há pouco, trata-se de candidato à reeleição. Ocupante, também nesse momento, do cargo público para o qual foi inicialmente eleito, uma vez que desnecessária a desincompatibilização, por força constitucional (art. 14, §§ 5º e 6º, da Constituição Federal). Assim, não se espera a interrupção dos serviços e obras públicas, uma vez que a paralisação ou modificação do andamento dos serviços públicos causaria danos à coletividade. Nem se verifica qualquer irregularidade pelo fato da sua execução ocorrer nos finais de semana, uma vez que inexistente vedação legal para tanto. Importante referir, ainda, que o vídeo juntado aos autos pela representante que veicula manifestação relativa à obra de pavimentação, pela eleitora Laura e seu marido Vanderlei, exibe candidato que concorre ao cargo de vereador pelo partido PROGRESSISTAS, sem nenhuma vinculação com o candidato ora representado.

 

Com efeito, sob a ótico do caput do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, o abuso de poder representa um instituto de textura aberta, não sendo definido por condutas taxativas ou verbos predefinidos na lei. Trata-se, na dicção de José Jairo Gomes, “de conceito fluido, indeterminado, que, na realidade fenomênica, pode assumir contorno diversos” (Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 655).

Uma ação somente pode ser considerada abusiva a partir da constatação do caso concreto e de suas circunstâncias, tendo por mote a finalidade da norma, qual seja, impedir que práticas e comportamentos destoantes do exercício regular e legítimo de posições públicas influenciem na normalidade e na legitimidade do pleito, bem jurídico tutelado pelo dispositivo, nos exatos termos do art. 14, § 9º, da CF/88.

Portanto, a caracterização do ato abusivo reclama a demonstração, por prova robusta e segura, da gravidade das circunstâncias, aptas a romper a normalidade e legitimidade da eleição, conforme o preceito contido no art. 22, inc. XVI, da LC n. 64/90, consoante o qual, “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.

Nesse sentido, a jurisprudência do TSE entende que “o abuso de poder não pode estar ancorado em conjecturas e presunções (AgR-REspe nº 258-20/CE, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 2.9.2014), fazendo-se necessária, para sua configuração, a comprovação da gravidade das circunstâncias do caso concreto que caracterizam a prática abusiva, de modo a macular a lisura da disputa eleitoral, nos termos do art. 22, XVI, da LC nº 64/90” (TSE - RESPE n. 57035 - SP, Relator: LUIZ FUX, DJE de 19.12.2016).

Repiso que, na hipótese fática, não há elementos probatórios suficientes para se concluir que as obras públicas elencadas nas razões recursais tenham sido utilizadas de forma ostensiva e com gravidade suficientes a comprometer a normalidade e a legitimidade do prélio eleitoral, não bastando para tanto a simples demonstração de que diversas ações de pavimentação foram realizadas pela municipalidade logo antes das eleições.

De forma semelhante, já decidiu o TSE, conforme ilustra a seguinte ementa:

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. PREFEITO. VICE-PREFEITO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. IMPROCEDÊNCIA. ABUSO DO PODER POLÍTICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A leitura do acórdão regional evidencia que todos os temas relevantes para o deslinde da causa foram enfrentados pelo Tribunal de origem, o que elide a suposta violação ao art. 275 do CE. Nesse sentido: "A ausência do aperfeiçoamento da prestação jurisdicional não se confunde com decisão contrária aos interesses" da parte (REspe nº 36045/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11.6.2014). 2. Não prospera a alegada ofensa ao art. 460 do CPC, pois a inicial da AIJE noticiou a realização de obra de pavimentação de vias públicas, prática que seria vedada pelo art. 73 da Lei nº 9.504/97, mas, ao final, postulou a cassação dos diplomas e a declaração de inelegibilidade dos representados com base no art. 22 da LC nº 64/90, o que condiz com seu exame sob a ótica do abuso do poder político. Ademais, na linha da jurisprudência do TSE, "os limites do pedido são demarcados pela ratio petendi substancial, vale dizer, segundo os fatos imputados à parte passiva, e não pela errônea capitulação legal que deles se faça" (Ag nº 3.066, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJe de 4.4.2002). 3. O simples incremento das atividades administrativas no período que antecede o pleito quais sejam, pavimentação de vias públicas e obras de terraplanagem , sem que haja a mínima correlação com o pleito eleitoral, não configura, por si só, o abuso do poder político. 4. Embora o abuso de poder possa ficar configurado pela prática de atos anteriores ao registro, na hipótese de a ilicitude vir materializada por atos de antecipação de propaganda ou massiva promoção pessoal, a gravidade exigida na norma para configuração do ilícito só se evidencia se a publicidade for hábil a interferir na consciência do eleitor. Mensagens de agradecimento e felicitação divulgadas no ano anterior às eleições, sem vinculação com pleito futuro, não consubstanciam abuso do poder político. 5. Também não caracteriza abuso do poder político a exposição de telão e faixas no primeiro semestre de 2012, contendo propaganda institucional supostamente irregular, na medida em que a publicidade foi vinculada a símbolo do governo municipal e realizada fora do período vedado, sem qualquer ofensa ao princípio da impessoalidade. Precedentes. 6. Recurso especial a que se dá provimento, para julgar improcedente a AIJE.

(TSE - RESPE: 00006137220126190095 BOM JESUS DO ITABAPOANA - RJ, Relator: Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Data de Julgamento: 28.6.2016, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 12.9.2016, pp. 32-33.) (Grifei.)

 

Outrossim, o recorrente aponta suposta conversa que teria sido travada entre eleitor e o candidato à reeleição, no dia 18.10.2020, quando o gestor teria sido questionado sobre quais obras estão e serão realizadas naquela rua, sendo respondido que: “[...] O máximo que ele poderá fazer é cobrar se ele estiver do lado do prefeito, se não estiver não pode fazer nada. […] para ver como se comporta, aqui dentro do nosso próximo mandato, se nós estivermos lá vocês vão ter asfalto. [...] Beleza guri, contamos com teu apoio.” (ID 11134733).

A gravação, no entanto, não permite estabelecer o local ou contexto em que se deu a interlocução, tampouco esclarece a identidade do eleitor que teria interpelado o candidato.

De qualquer forma, o diálogo não ultrapassa o proselitismo eleitoral próprio e natural do concorrente à reeleição diante de indagações sobre futuras ações de governo, ratificando promessas para o próximo período de gestão e pedindo apoio para a sua continuidade.

Não existe, portanto, evidência concreta de ilicitude na conversa gravada.

Ademais, o recorrente sustenta que o candidato MILTON SCHMITZ, na qualidade de prefeito, compareceu à inauguração de obra pública em período proscrito, conforme assim deduzido em suas razões:

No caso em comento, o atual gestor compareceu na conclusão de obras que foram realizadas na escola EMEI Santa Rita de Cássia, juntamente com o Secretário de Obras – Sr. Luís Fernando Cavalheiro, com o candidato a Vereador – Sr. Diny Costa e outras pessoas., no dia 29 de setembro de 2020.

Após a conversa com os professores e funcionários da escola, o gestor e demais companheiros se direcionaram até dois contêineres de lixo, os quais foram instalados na rua ao lado da escola, para formalizar a entrega e fotografar o ato.

 

A questão é disciplinada pelo art. 77 da Lei n 9.504/97, que veda a qualquer candidato comparecer a inaugurações de obras públicas, nos 3 (três) meses que antecedem o pleito, sujeitando o infrator à cassação do registro ou do diploma.

Das gravações juntadas aos autos (ID 11137883, 11137933 e 11137983), verifica-se que não houve solenidade ou cerimônia característica da inauguração de empreendimento público. Constata-se, sim, o comparecimento do prefeito na escola, acompanhado de um pequeno número de pessoas, aparentemente vinculadas à própria unidade de ensino ou à Prefeitura, tendo conversas comuns a todos os participantes do encontro.

Destarte, ainda que o recorrido tenha, de fato, comparecido ao evento de instalação dos contêineres, observa-se que não restou demonstrada a sua participação ativa e promocional, tendo se limitado a presenciar os acontecimentos, sem proferir discurso ou se manifestar publicamente aos eleitores.

Nesse quadro, a jurisprudência da Corte Superior tem admitido a aplicação do princípio da proporcionalidade para afastar a configuração do ilícito, porquanto não se configura a quebra da igualdade de chances entre os candidatos na disputa eleitoral, consoante precedente do Tribunal Superior Eleitoral que bem elucida a questão:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CONDUTA VEDADA AO AGENTE PÚBLICO (LEI DAS ELEICOES, ART. 77). CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. COMPARECIMENTO À INAUGURAÇÃO DE OBRA PÚBLICA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. INCIDÊNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO DO ILÍCITO. ACÓRDÃO REGIONAL EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL SUPERIOR. DECISÃO MANTIDA. DESPROVIMENTO.

1. O princípio da proporcionalidade aplicado no âmbito do art. 77 da Lei nº 9.504/97 é admitido para afastar a configuração do ilícito eleitoral, quando a presença do candidato se dá de forma discreta e sem sua participação ativa no evento, porquanto, nessas hipóteses, não se verifica a quebra da igualdade de chances entre os candidatos na disputa eleitoral (AgR-REspe nº 473-71/PB, Redator para o acórdão Min. João Otávio de Noronha, DJe de 27.10.2014 e AgR-AI nº 1781-90/RO, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 6.12.2013).

2. In casu, consta do aresto regional que a presença da candidata deu-se de forma discreta, sem qualquer destaque ou manifestação perante o reduzido número de presentes, não havendo sua participação ativa no evento. Dessa forma, aplica-se ao caso o princípio da proporcionalidade, a fim de que seja afastada a caracterização do ilícito eleitoral, ex vi da jurisprudência sedimentada por esta Corte Superior. 3. Agravo regimental desprovido.

(TSE - RESPE: 00012602520146250000 ARACAJU - SE, Relator: Min. Luiz Fux, Data de Julgamento: 09.6.2016, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 05.9.2016.)

 

Em acréscimo, colho, novamente, quanto ao ponto, a percuciente análise procedida pela Juíza a quo:

De modo igual, não assiste razão à representante no que concerne à participação do candidato Milton à inauguração de obra pública. Primeiramente, tem-se que o representado é, como já dito alhures, nesse atual momento, prefeito municipal e candidato à reeleição concomitantemente. Das imagens e da documentação dos presentes autos denota-se que o comparecimento do representado Milton na EMEI Santa Rita de Cássia se deu na condição de representante do Poder Executivo, para verificação da realização e conclusão da obra, da qual é o responsável pela execução. As imagens revelam um diminuto número de pessoas, não compatível com o que se espera de uma solenidade que remeta à atividade de inauguração de obra pública. Além disso, o áudio juntado aos autos – documento colacionado pela representante – dá conta de que são obras ainda em construção, conforme informado pela diretora Fátima Rosane Cardoso da Silva, bem como de que “não teve ato de entrega”. A diretora refere, ainda, na entrevista, que os contêineres foram destinados à comunidade, nada mencionando acerca de eventual ato formal para entrega. Por fim, ainda que detento da condição de candidato à reeleição, não se constata nenhuma menção a respeito no vídeo ou demais documentos referentes.

 

Portanto, os fatos apurados não ostentam gravidade capaz de acarretar quebra na normalidade e legitimidade das eleições que fundamentam a aplicação das penalidades insculpidas no art. 22, caput, da LC n. 64/90, sequer configurando condutas vedadas ou captação ilícita de sufrágio.

Dessa forma, na esteira do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, deve ser integralmente confirmada a sentença que julgou improcedente a ação.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.