REl - 0600171-41.2020.6.21.0121 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/03/2021 às 14:00

VOTO

Tempestividade.

Os representados indicam que o recurso interposto pela ALIANÇA POPULAR, representante, seria intempestivo.

Sem razão.

O recurso questionado foi interposto em 11.11.2020, quarta-feira, enquanto a intimação da sentença ocorreu em 06.11.2020, sexta-feira.

Gizo que o processo deve seguir o rito do art. 22 da LC n. 64/90, de maneira que se suspendem os prazos aos sábados, domingos e feriados. Nesse sentido, o art. 22 da Resolução TRE-RS n. 347:

Art. 22. Entre 26 de setembro e 18 de dezembro de 2020, os prazos processuais relativos aos feitos das eleições de 2020, salvo os submetidos ao procedimento do art. 22 da Lei Complementar n. 64/1990, não se suspenderão aos sábados, domingos e feriados (Resolução TSE n. 23.627 /2020). (grifo nosso)

 

Quanto ao recurso dos representados, ele igualmente foi interposto dentro do prazo tido como regular, na data de 09.11.2020. 

Logo, ambos os recursos são tempestivo e estão a merecer conhecimento.

Preliminares.

Trata-se de representação por conduta vedada a agente público, ajuizada pela COLIGAÇÃO ALIANÇA POPULAR (MDB-PDT) contra a COLIGAÇÃO FRENTÃO (REPUBLICANOS-PP-PL-PSB-PT) e ABEL GRAVE, Prefeito do Município de Ibirubá e, à época dos fatos, candidato à reeleição. Da decisão proferida pelo Juízo da 121ª ZE, recorrem ambas as partes.

No seu recurso, a COLIGAÇÃO FRENTÃO e ABEL GRAVE, originariamente representados, invocam duas questões preliminares. A primeira é a de que a decisão teria desbordado dos limites do pedido, caracterizando-se, pois, como ultra petita, e a segunda pleiteia o reconhecimento de ausência de fundamentação da decisão recorrida.

Contudo, há também questão preliminar ao mérito que torna as demais prejudicadas. Refiro-me à não ocorrência da formação de litisconsórcio passivo necessário, ponto incontroverso, e de solução fundamental ao deslinde da causa, conforme se verá, pois intimamente imbricada com a análise do mérito da causa.

A matéria – passível de conhecimento de ofício, frise-se - foi alvo de amplo contraditório entre as partes, já na presente instância, e pedido de emenda à inicial, de parte dos recorrentes representantes. Foi, igualmente, objeto de manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral.

Saliento, por se tratar do momento adequado: não será objeto de consideração apenas a petição apresentada pelos representados após o parecer exarado pela PRE, pois, a partir da manifestação do Parquet, a causa se tornara nitidamente madura para julgamento, não cabendo manifestação adicional de quaisquer das partes.

À análise.

A situação é semelhante a processo julgado por este Plenário em 16.12.2020, o REL n. 0600511-40.2020.6.21.0135, de relatoria do Des. Eleitoral Gerson Fischman:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. AIJE. CHAPA MAJORITÁRIA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. SÚMULA N. 38 DO TSE. PRELIMINAR. ACOLHIDA. NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA. RETORNO AO JUÍZO DE 1º GRAU. INTIMAÇÃO. EMENDA DA INICIAL. MÉRITO. VEREADOR. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. AUSENTES PROVAS ROBUSTAS. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra a sentença que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral por prática de abuso de poder e captação ilícita de sufrágio, ajuizada contra candidato reeleito ao cargo de prefeito e candidato a vereador classificado como suplente, entendendo ausente irregularidade na divulgação da entrega de matrículas de regularização fundiária e concessão de canteiros de vias públicas a empresas privadas.

2. De acordo com o TSE: “Nas ações eleitorais em que se cogita de cassação de registro, de diploma ou de mandato, há litisconsórcio passivo necessário entre os integrantes da chapa majoritária, considerada a possibilidade de ambos os integrantes serem afetados pela eficácia da decisão” (AgR-REspe n. 955944296/CE, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 16.8.2011). Matéria sumulada no verbete n. 38 do TSE.

3. Manifesta a necessidade de emenda à petição inicial para a correção do polo passivo da ação, devendo ser declarada a nulidade parcial do processo. Entendimento que prestigia os princípios da celeridade e da economia processual, aproveitando-se o que já foi decidido e que não se relaciona com a nulidade, evitando-se gerar confusão e incerteza aos litigantes quanto àquilo que já foi julgado.

4. Dessa forma, em virtude da ausência de citação do litisconsorte necessário, preliminarmente, deve ser declarada a nulidade parcial do feito desde o recebimento da petição inicial, tão somente em relação ao candidato a prefeito, com a baixa dos autos à origem para que seja intimada a parte autora a emendar a inicial no prazo decadencial previsto no § 12 do art. 73 da Lei n. 9.504/97, cabendo ao juízo de primeiro grau, na hipótese de a emenda ser realizada após o prazo legal, o pronunciamento a respeito de eventual decadência.

5. Quanto ao candidato a vereador, não se verifica a incidência de provas robustas, seja da captação ilícita de sufrágio, seja do aventado abuso de poder político e econômico.

6. Nulidade parcial do feito desde o recebimento da petição inicial exclusivamente com relação ao candidato da chapa majoritária. Desprovimento do recurso quanto ao candidato a vereador.

 

Esse o caso: conclusos para julgamento, verificou-se que a ação fora ajuizada contra a COLIGAÇÃO FRENTÃO e ABEL GRAVE, então candidato a prefeito, não tendo sido dirigida a demanda ao então candidato a vice-prefeito, o qual não integra a lide, de modo que se impunha a abertura de prazo para manifestação da parte autora. 

A representante requereu a emenda à inicial.

Ocorre que, da análise do caminho do processo (inclusive com a ocorrência de condenação), não seria possível a emenda perante este grau de apelação – como requerido. Fundamental que, acolhida a preliminar, fossem os autos ao juízo de primeiro grau, acompanhado de acórdão declaratório da nulidade da sentença, e com determinação de refazimento de todos os atos desde a apresentação da petição inicial – novas citações, portanto.

Decadência da ação. 

O ponto anterior tratou da necessidade de reparo da mácula da ausência de litisconsorte necessário: com a declaração de nulidade da sentença, e o refazimento de uma série de atos processuais. 

Contudo, tais diligências não teriam o mínimo efeito no mundo dos fatos – conclusos em 17.12.2020, com o parecer da Procuradoria, o julgamento mais célere possível (ainda que se desprezando os regramentos de ordem de pauta de processos) seria ocorrente na sessão seguinte, 18.12.2020, na exata data da decadência do direito sob exame, conforme adiante se constatará, de maneira que a publicação do acórdão, a comunicação do teor da decisão ao juízo de origem e, principalmente, a diligência de intimação do representante, para providenciar a citação do litisconsorte necessário – o candidato a vice-prefeito – recairiam, inevitavelmente, em datas posteriores à referida decadência.

Não desconheço a posição externada pela Procuradoria Regional Eleitoral, no sentido de que a necessidade do litisconsórcio haveria de ser relativizada, uma vez que a condenação de primeiro grau se circunscreveu à pena pecuniária, e o recurso da representante intenta apenas majorar o montante da multa, sem requerer pena que envolva o mandato do representado. 

Essa é posição, de fato, encontrada em alguns julgados do Tribunal Superior Eleitoral, e indicados no parecer ministerial.

Ocorre que, de acordo com o mesmo TSE, nas ações eleitorais em que se cogita de cassação de registro, de diploma ou de mandato, há litisconsórcio passivo necessário entre os integrantes da chapa majoritária, considerada a possibilidade de ambos os integrantes serem afetados pela eficácia da decisão (AgR-REspe n. 955944296/CE, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 16.8.2011).

Mais: a matéria está consolidada no enunciado da Súmula TSE n. 38, pois “nas ações que visem à cassação de registro, diploma ou mandato, há litisconsórcio passivo necessário entre o titular e o respectivo vice da chapa majoritária”.

Merecem destaque os termos “cogita” e “visem”: ora, a necessidade de litisconsórcio há de ser verificada no momento do ajuizamento, e não após exarada sentença (ou interpostos recursos). Com o devido respeito às decisões apontadas no parecer, trata-se de raciocínio consequencialista, que traz insegurança aos envolvidos na lide e desobedece frontalmente à redação da citada Súmula n. 38.

Ora, ou o litisconsórcio é necessário, ou não é. Não é possível que o instituto sofra, no correr da demanda, uma mudança em suas características, em virtude de determinado comando sentencial. Se ele se orienta a partir da narrativa constante na petição inicial, não entendo viável que decisão de mérito possa, posteriormente, retirar-lhe necessidade. 

Na boa doutrina, leciona-se que o litisconsórcio necessário é "aquele que as partes não podem dispensar, ou seja, cuja constituição é de rigor para que o contraditório se tenha como regularmente instaurado" (BARBOSA MOREIRA, Notas sobre o litisconsórcio necessário no Direito brasileiro e no alemão. Rio de Janeiro, Revista de direito do Ministério Público do estado da Guanabara, 1970, vol. 4, n. 10, p. 77-83, grifei), sendo que a necessidade advém de “disposição de lei ou pela natureza da relação litigiosa, o processo só se possa formar com a presença de mais de um autor ou mais de um réu, ou seja, de todos os interessados” (SILVA, OVÍDIO A. BAPTISTA, Curso de Processo Civil. Porto Alegre, SAFE, 1996, vol. I, 3ª ed., p. 213, grifei), de modo que o instituto se torna “indispensável sob pena de nulidade do processo e da sentença, ou mesmo de total ineficácia desta” (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, Teoria Geral do Processo. São Paulo, Malheiros, 1995, 11ª ed., p. 297, grifei). 

A citação de autores que já podem ser tidos como clássicos é intencional, para demonstrar a solidez do posicionamento, até mesmo porque o raciocínio reverbera nos doutrinadores mais recentes (por exemplo, MARINONI, ARENHART e MITIDIERO, Novo Curso de Processo Civil, vol. 2. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015, p. 86 e seguintes).

Ou seja, considerada a relação jurídica de direito material deduzida em juízo, decorrente, no caso dos autos, do consolidado princípio da indivisibilidade da chapa majoritária (Código Eleitoral, art. 91), conclui-se pela “necessidade inexorável de citação do vice”, a qual, não ocorrendo, impõe a nulidade do processo, pois o vice “também sofre as consequências da ilicitude praticada, havendo, em razão desse fato, interesse pelo desfecho da causa” (AGRA, Walber de Moura. Manual Prática de Direito Eleitoral, Fórum, Belo Horizonte, 2016, p. 225).

Lembro que a chapa majoritária é incindível conforme orientação pacífica do TSE (vide, por exemplo, RESPE n. 38905520086020016, Relator Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, julgado em 17.11.2011, DJE de 22.11.2011 - pp. 15-17).

Nítido está, portanto, que se trata de requisito de formação da lide, e seria ilógico admitir que este, ou aquele, desfecho sentencial (cominação apenas de pena pecuniária) fosse apto a sanar defeito que, repito, está relacionado à regular formação da demanda. 

Se o processo comporta possibilidade de cassação de registro, diploma ou mandato, o litisconsórcio passivo necessário se impõe ao longo de todo o seu caminho, pouco importando o desfecho sentencial, ou as razões de recurso.

A presença do candidato a vice, portanto, impunha-se desde o momento da apresentação da ação que visa à cassação de registro, diploma ou mandato (nos termos da Súmula TSE n. 38), sob pena de nulidade.

Lembro que, com o fito de manter a jurisprudência íntegra, estável e coerente, o Código de Processo Civil determina, nos arts. 926, § 1º, e 927, § 4º:

Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.

[...]

 

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

[...]

§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

 

Este também é o entendimento deste Tribunal, consoante se verifica do seguinte acórdão, da lavra do ilustre Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes:

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Abuso de poder. Conduta vedada. Litisconsórcio passivo necessário. Eleições 2016. Preliminar de ofício. Ação ajuizada somente contra o candidato a prefeito, sem estar dirigida ao candidato a vice-prefeito. A Súmula n. 38 do Tribunal Superior Eleitoral consolidou entendimento de formação de litisconsórcio passivo necessário entre os integrantes da chapa majoritária nas ações visando à cassação do registro, do diploma ou do mandato. A ausência de sua formação é causa de nulidade, conforme art. 115, inc. I, do Código de Processo Civil. Todavia, a considerar que a ação deve ser ajuizada até a data da diplomação, sob pena de implemento da decadência do direito, e a cerimônia de diplomação dos candidatos deve ocorrer até 19.12.2016, reconhecida, desde logo, a decadência do direito, visto não mais ser possível à autora emendar a inicial. Extinção do feito com resolução do mérito.

(TRE-RS - RE: 44449 GRAVATAÍ - RS, Relator: DR. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 19.12.2016, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data: 23.01.2017.)

 

Ou seja, identificada a ausência de citação do litisconsorte necessário, deveria ser declarada a nulidade parcial do feito desde o recebimento da petição inicial, com a baixa dos autos à origem para que fosse intimada a parte autora a emendar a inicial.

Contudo, é facilitada a percepção, repito, que o prazo decadencial previsto no § 12 do art. 73 da Lei n. 9.504/97 inevitavelmente incidiria no presente processo.

Dessarte, é também realista a conclusão que toda a cadeia de atos necessários à emenda de petição inicial, requerida pelo representante, era de impossível realização no mundo dos fatos, antes de escoado o prazo de decadência, 18.12.2020.

O direito da representante sucumbiu, por não ter, na apresentação da demanda, indicado para integrar o polo passivo o vice-prefeito, litisconsorte necessário.

Não entendo seja este o desfecho ideal de uma demanda – em especial sob a análise desta Justiça Eleitoral, que visou à análise de fatos tão relevantes. A circunstância é, por diversos motivos, lamentável.

Contudo, o prestígio à redação da Súmula TSE n. 38, em seus exatos termos, conforme a fundamentação, é medida que se impõe, sob pena de um prejuízo coletivo na prestação jurisdicional. 

 

Diante do exposto, VOTO para, de ofício, (i) preliminarmente, constatar a ausência de citação de litisconsorte necessário, o candidato a vice-prefeito pela COLIGAÇÃO FRENTÃO e, (ii) no mérito, conforme o art. 487, inc. II, do CPC, extinguir o feito com resolução de mérito, pela decadência do direito de ação da COLIGAÇÃO ALIANÇA POPULAR, e afastar as multas impostas, pelo Juízo de origem, a ABEL GRAVE e à COLIGAÇÃO FRENTÃO.