REl - 0600449-76.2020.6.21.0045 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/03/2021 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo. Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

Mérito

A sentença proferida pelo Juízo da 45ª Zona Eleitoral julgou extinta a presente AIJE por falta de pressuposto processual, em razão da ausência de litisconsórcio passivo necessário entre Jacques Gonçalves Barbosa e Bruno Hesse, então prefeito e vice-prefeito de Santo Ângelo, respectivamente, e candidatos à reeleição no pleito de 2020, e a consequente confusão entre as figuras da parte autora e do réu, pelo fato de Bruno Hesse ser candidato da coligação recorrente, com fundamento no art. 485, inc. IV do CPC.

Adianto que a sentença não merece reforma.

Diante da brilhante fundamentação exarada pelo magistrado a quo, transcrevo a decisão recorrida:

A ação é movida pela coligação que tem como candidato a prefeito o senhor Bruno Hesse, que foi vice-prefeito da atual gestão, e um dos réus da ação é o atual prefeito.

Denota-se que uma das causas de pedir é o uso indevido dos meios de comunicação e promoção pessoal, para buscar a reeleição, sendo instruída a inicial com publicações nas páginas oficiais do município e jornais, com notícias da administração, veiculando nome e fotos do Prefeito.

Na defesa são trazidas publicações dos mesmos meios de comunicação, com notícias da administração, veiculando nome e imagens do vice-prefeito.

Se os dois, agora candidatos, foram os gestores municipais/chefes do executivo e utilizaram dos mesmos meios – sem adentrar no mérito, se a conduta é correta ou não – ambos são legitimados a vir responder pela acusação, a exemplo do RESPE – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 31222 – CASCAVEL – CE Acórdão de 10/10/2019.

Note-se que o vice-prefeito, atuando também como gestor e chefe do executivo, não é mero mandatário, a justificar eventual exclusão do litisconsórcio.

Outra questão trazida na inicial foi que não haveria necessidade de contratação de jornais locais para divulgação de atos normativos e administrativos, na forma realizada com o “Jornal Mensageiro”, mesmo assim foi autorizado o pregão nº 85/2018. A defesa, contudo, comprovou que quem autorizou o referido pregão foi o vice Bruno Hesse.

Dessa forma, indiscutível a necessidade do litisconsórcio passivo, pois são legitimados passivos da AIJE o candidato e tantos quantos hajam contribuído para a prática dos fatos.

Nesse sentido:

ELEIÇÕES 2014. RECURSOS ORDINÁRIOS E AGRAVOS DE INSTRUMENTO. APRECIAÇÃO CONJUNTA. VOTO ÚNICO. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. ART. 73, § 10, DA LEI No 9.504/97. SUBVENÇÃO SOCIAL. EMENDAS PARLAMENTARES. PROCEDÊNCIA NO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. MATÉRIA PRELIMINAR DA DEFESA: NULIDADE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. DECADÊNCIA. RECONHECIMENTO. EXTINÇÃO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO DE CADA UM DOS FEITOS. PROVIMENTO.1. Ab initio, impõe-se o provimento dos agravos de instrumento para destrancamento dos correspondentes recursos especiais, os quais devem ser recebidos na via ordinária (com reautuação dos respectivos autos), haja vista as peculiaridades que autorizam a aplicação do princípio da fungibilidade recursal.2. A conduta apontada como vedada, nos termos do art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/97, decorre, in casu, de ato administrativo de natureza complexa, no qual distintos agentes políticos, cada qual delimitado por sua competência funcional, sempre exercida com autonomia, ex vi do regimento interno da casa legislativa, manifestam isoladamente a sua vontade para, assim, somando-as, alcançar perfectibilidade no campo formal e material. 3. Os agentes públicos, dotados de autonomia, cujas manifestações se revelam essenciais à validade e à concretude do ato complexo são, via de regra, corresponsáveis pela essência da conduta que dele emerge (inquinada, ainda que em tese, de vedada). Nessa perspectiva, nas representações do art. 73 da Lei nº 9.504/97, devem figurar, ao lado do beneficiário, no polo passivo, como litisconsortes necessários.4. O não chamamento desses atores, a tempo e modo, acarreta a nulidade dos atos decisórios e inviabiliza, se ultrapassado o prazo decadencial (in casu, aquele estabelecido pelo legislador no art. 73, § 12, da Lei das Eleições), a regularização (ou repetição) processual, desaguando, com supedâneo no art. 487, II, do CPC, na extinção do feito com resolução de mérito. 5. Provimento dos agravos e dos recursos ordinários. Preliminar de nulidade processual acolhida. Decadência reconhecida. Extinção de todos os feitos com resolução de mérito. (Recurso Ordinário nº 127761, Acórdão, Relator(a) Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 19/09/2018, Página 204).

A conclusão da necessidade do litisconsórcio necessário, traz a consequência da confusão entre o polo ativo e passivo, pois, como destacado pelo Ministério Público, é indissociável a figura do candidato Bruno Hesse com a coligação autora.

Havendo a confusão entre autora e réu, necessária a extinção da ação.

O Código de Processo Civil de 1973 previa um inciso específico para a extinção sem julgamento de mérito quando ocorria a confusão entre autor e réu, no artigo 267, inciso X.

No Código de Processo Civil de 2015, porém, foi suprimida tal previsão, em razão do entendimento de que tal extinção pode ser fundamentada na falta de pressuposto processual.

“Confusão. Quando autor e réu forem, ao mesmo tempo, credor e devedor da obrigação objeto da ação, ocorre a confusão (CC 381); no sistema do CPC/73, essa era justificativa para extinção do processo sem conhecimento do mérito. É que para a existência do processo se exige a existência de duas partes bem definidas, exceto nas ações necessárias (v.g. investigação de paternidade post mortem sem que o falecido tenha deixado herdeiros) em que não exista réu. Segundo o RSCD, a confusão foi excluída do rol de circunstâncias que legitimam a extinção do processo sem julgamento de mérito porque, se constatada, poderia eventualmente levar a uma decisão de mérito; se assim não fosse, bastaria a aplicação do CPC/15 IV (p. 328)” (in Nelson Nery Junior, Comentários ao Código de Processo Civil, 2015, p 1.114).

O processo, portanto, é uma relação jurídica que exige a bilateralidade de partes com interesses contrapostos e quando não houver partes adversas e ocorrer confusão entre os polos ativo e passivo, como no presente caso, o caminho é a extinção do feito, sem julgamento do mérito, por falta de pressuposto processual, nos termos do art. 485, IV, do CPC.

ISSO POSTO, julgo extinta a AIJE, por falta de pressuposto processual, em vista do litisconsórcio passivo necessário e consequente confusão entre a figura da parte autora e do réu, com fundamento no art. 485, inciso IV, do CPC/15.

Conforme demonstrado nos autos e exarado na sentença, o então vice-prefeito Bruno Hesse, além de ter participado diretamente do processo licitatório para a contratação da publicidade institucional, também teve seu nome e sua imagem veiculados em notícias sobre a administração pelo mesmo meio de comunicação indicado na representação originária desta AIJE como responsável pela publicidade irregular referente à promoção pessoal do então prefeito Jacques Gonçalves Barbosa, situação que demonstra a mesma obtenção de benefício.

Ademais, ao contrário do alegado nas razões recursais, a atuação de Bruno Hesse em nenhuma hipótese caracteriza a de um mandatário. O fato de a natureza do cargo de vice-prefeito consistir, primordialmente, na substituição do titular do mandato em suas ausências ou afastamentos não diminui ou elide a sua responsabilidade como gestor, pois tais deveres derivam do próprio cargo que está sendo ocupado, independentemente de quem o está exercendo.

Sendo assim, estando o ex-vice-prefeito vinculado diretamente à conduta ilícita narrada na representação na qual o ex-prefeito fora denunciado, imprescindível a necessidade do litisconsórcio passivo necessário.

Por conseguinte, diante da inevitabilidade do litisconsórcio passivo necessário, tendo sido Bruno Hesse candidato ao cargo de prefeito pela coligação recorrente, não vejo como possível afastar o evidente conflito de interesses presente neste feito, diante de indissociável relação dos personagens.

Assim, como bem apontado pela Procuradoria Regional Eleitoral, embora não se trate, propriamente, do instituto da confusão entre autor e réu, há uma cristalina convergência de interesses entre a parte autora e um dos demandados necessários, o que não pode ser aceito pelo ordenamento jurídico, pois, como bem destacado pelo juízo a quo, o processo é uma relação jurídica que exige a bilateralidade de partes com interesses contrapostos.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo sentença de 1º grau por seus próprios fundamentos.