REl - 0600034-47.2020.6.21.0028 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/03/2021 às 10:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, porquanto interposto dentro do prazo fixado no art. 18, § 5º, da Resolução TSE n. 21.538/03, assim como preenche os demais pressupostos recursais, razões pelas quais deve ser conhecido.

Preliminar de Nulidade Processual – Cerceamento de Defesa

O RECORRENTE alega ter havido cerceamento ao seu direito de defesa, por ter sido indeferido o pedido de produção de prova oral que visava afastar o valor probatório dos documentos apresentados pela RECORRIDA para fins de comprovação do seu domicílio eleitoral no Município de Caseiros.

Contudo, ao sentenciar o feito, o magistrado eleitoral considerou suficiente a prova documental acostada aos autos para a formação do seu convencimento, não estando obrigado, no exercício do seu poder instrutório, a deferir a produção da prova testemunhal postulada pelo RECORRENTE, segundo lhe faculta o art. 370, caput e parágrafo único, do Código de Processo Civil.

Neste norte, o indeferimento do pedido de produção de prova testemunhal não acarreta cerceamento de defesa, com o comprometimento do primado do devido processo legal, quando a oitiva de testemunhas é irrelevante para o equacionamento da lide, segundo as particularidades do caso concreto aferidas pelo juiz da causa (RESP n. 22247, Relator Ministro DIAS TOFOLLI, PSESS de 08.11.2012).

Desse modo, na linha do parecer ministerial, afasto a preliminar de nulidade processual.

Mérito

No mérito, o RECORRENTE pugna pelo indeferimento do pedido de transferência do domicílio eleitoral de ERILDE TOLOTTI para o Município de Caseiros, sob o argumento de que a eleitora não teria comprovado possuir vínculo com o citado município.

Sobre o tema, dispõe o Código Eleitoral, em seu art. 42, parágrafo único:

Art. 42. O alistamento se faz mediante a qualificação e inscrição do eleitor.

Parágrafo único. Para o efeito da inscrição, é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.

 

A Resolução TSE n. 21.538/03, regulamentando a matéria, preceitua:

Art. 18. A transferência do eleitor só será admitida se satisfeitas as seguintes exigências:

I – recebimento do pedido no cartório eleitoral do novo domicílio no prazo estabelecido pela legislação vigente;

II – transcurso de, pelo menos, um ano do alistamento ou da última transferência;

III – residência mínima de três meses no novo domicílio, declarada, sob as penas da lei, pelo próprio eleitor (Lei nº 6.996/1982, art. 8º);

IV – prova de quitação com a Justiça Eleitoral.

(...)

Art. 65. A comprovação de domicílio poderá ser feita mediante um ou mais documentos dos quais se infira ser o eleitor residente ou ter vínculo profissional, patrimonial ou comunitário no município a abonar a residência exigida.

§ 1º Na hipótese de ser a prova de domicílio feita mediante apresentação de contas de luz, água ou telefone, nota fiscal ou envelopes de correspondência, estes deverão ter sido, respectivamente, emitidos ou expedidos nos 3 (três) meses anteriores ao preenchimento do RAE, ressalvada a possibilidade de exigir-se documentação relativa a período anterior, na forma do § 3º deste artigo.

§ 2º Na hipótese de ser a prova de domicílio feita mediante apresentação de cheque bancário, este só poderá ser aceito se dele constar o endereço do correntista.

§ 3º O juiz eleitoral poderá, se julgar necessário, exigir o reforço, por outros meios de convencimento, da prova de domicílio quando produzida pelos documentos elencados nos §§ 1º e 2º.

§ 4º Subsistindo dúvida quanto à idoneidade do comprovante de domicílio apresentado ou ocorrendo a impossibilidade de apresentação de documento que indique o domicílio do eleitor, declarando este, sob as penas da lei, que tem domicílio no município, o juiz eleitoral decidirá de plano ou determinará as providências necessárias à obtenção da prova, inclusive por meio de verificação in loco.

 

Sobressai da análise do caput do art. 65 da Resolução TSE n. 21.538/03 que basta, à comprovação do domicílio eleitoral, a apresentação de documento do qual se infira residência ou vínculo profissional, patrimonial ou comunitário no município.

Os §§ 1º e 2º do art. 65 da resolução em tela permitem expressamente que a prova do domicílio seja realizada por meio de contas de luz, água ou telefone, nota fiscal ou envelopes de correspondência, desde que tenham sido emitidos ou expedidos nos três meses anteriores ao requerimento apresentado à Justiça Eleitoral, além de cheque bancário.

Interpretando as normas eleitorais aplicáveis à espécie, a doutrina e a jurisprudência assentam que o conceito de domicílio eleitoral não se confunde com o domicílio do direito comum, regido pelas normas de Direito Civil.

O domicílio, para fins eleitorais, é mais flexível e elástico, identificando-se com o lugar onde o interessado constitui vínculos políticos, econômicos, sociais, familiares e afetivos.

Quanto ao ponto, transcrevo a doutrina de Rodrigo López Zilio (Direito eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2017, p. 157):

Alicerçada na realidade dinâmica do Direito Eleitoral, a jurisprudência tem albergado um conceito amplo de domicílio eleitoral, sopesando diversas circunstâncias flexibilizadoras da caracterização do vínculo do eleitor com o local em que pretende exercer a sua capacidade eleitoral. Desta feita, a conceituação de domicílio eleitoral abarca – segundo interpretação dos tribunais – não apenas a residência ou moradia do eleitor, abrangendo, também, aquela localidade com a qual o eleitor tenha uma vinculação específica, seja na forma de exercício profissional (vínculo profissional), interesse patrimonial (vínculo patrimonial), reconhecida notoriedade no meio social daquela comunidade (vínculo social, político e afetivo).

 

Nessa esteira, está consolidada a jurisprudência do TSE:

DIREITO ELEITORAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO DE SENADOR. PROCESSO DE IMPEACHMENT DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. CONDENAÇÃO QUE SE LIMITOU À PERDA DO CARGO, SEM INABILITAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA. NÃO INCIDÊNCIA DE CAUSAS DE INELEGIBILIDADE. NEGATIVA DE SEGUIMENTO.

(...)

11. Hipótese em que preenchida a condição de elegibilidade do art. 14, § 3º, IV, da CF/1988, uma vez que a candidata constituiu domicílio eleitoral na circunscrição dentro do prazo exigido pela Lei nº 9.504/1997, sendo notório o vínculo familiar da candidata com a localidade. O conceito de domicílio eleitoral pode ser demonstrado não só pela residência no local com ânimo definitivo, mas também pela constituição de vínculos políticos, econômicos, sociais ou familiares. Precedentes. Ademais, eventual irregularidade na transferência de domicílio eleitoral deveria ter sido suscitada em procedimento próprio, estando preclusa (arts. 57, 2º, e 71, I e III, do Código Eleitoral). Precedentes

(…)

(TSE, RO n. 060238825/ MG, Relator Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 04.10.2018.) (Grifei.)

 

ELEIÇÃO 2012. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATO. DEFERIMENTO. DOMICÍLIO ELEITORAL. ABRANGÊNCIA. COMPROVAÇÃO. CONCEITO ELÁSTICO. DESNECESSIDADE DE RESIDÊNCIA PARA SE CONFIGURAR O VÍNCULO COM O MUNICÍPIO. PROVIMENTO. 1) Na linha da jurisprudência do TSE, o conceito de domicílio eleitoral é mais elástico do que no Direito Civil e se satisfaz com a demonstração de vínculos políticos, econômicos, sociais ou familiares. Precedentes. 2) Recurso especial provido para deferir o registro de candidatura.

(TSE - REspe: 37481 PB, Relator: Min. MARCO AURÉLIO MENDES DE FARIAS MELLO, Data de Julgamento: 18.02.2014, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 142, Data: 04.8.2014, pp. 28-29.) (Grifei.)

 

Com idêntico entendimento quanto à amplitude da definição de domicílio eleitoral, sedimentou-se a jurisprudência desta Corte, da qual colho o seguinte aresto:

Recurso. Transferência de domicílio eleitoral. Deferimento.

Afastada a preliminar de inépcia da inicial. Recebimento de petição nominada erroneamente mas protocolada dentro do prazo recursal.

É pacífico o entendimento de que o conceito de domicílio eleitoral não se confunde com o de domicílio civil. Mais flexível, admite-se como domicílio eleitoral o lugar em que o cidadão possua vínculos familiares, políticos, afetivos, sociais ou econômicos.

Comprovado o vínculo social e político do recorrido com o município. Inscrição eleitoral mantida.

Provimento negado.

(TRE/RS, Relatora Desa. Eleitoral Gisele Anne Vieira de Azambuja, DJE: 18.02.2016.) (Grifei.)

 

Na situação concreta sob análise, ao requerer a transferência do seu domicílio eleitoral para Caseiros, em maio de 2020, ERILDE TOLOTTI declarou residir na Estrada Vila Passos, n. 540, situada na zona rural do município, conforme conta de energia elétrica apresentada em nome de seu companheiro, Luis Carlos dos Santos Gomes, referente ao mês de março de 2020 (ID 12510233).

Ainda que o RECORRENTE tenha juntado a declaração de moradora da localidade no sentido de que desconhecia ERILDE TOLOTTI e seu companheiro, os quais, segundo afirmou, nunca haviam residido naquele endereço (ID 12509883), a defesa de ERILDE acostou aos autos a declaração de Antônio Barbosa Neto e Maria Terezinha Ferreira dos Passos (ID 12510583), proprietários do imóvel localizado no endereço declinado pela RECORRIDA à Justiça Eleitoral, comprovando a residência de Erilde e de seu companheiro no local até se mudarem para a propriedade de Claudionor Ossani Cordeiro, situada na Capela São Jorge, n. 190, onde passaram a trabalhar no ramo da avicultura, de acordo com o correspondente contrato de prestação de serviços firmado entre as partes (ID 12510633).

Ainda, ERILDE é usuária da rede de saúde pública de Caseiros, como demonstra o prontuário de atendimento médico (ID 12510683), e seu enteado encontra-se matriculado na Escola de Ensino Fundamental João Rodrigues de Souza, integrante da rede municipal de ensino (ID 12510783).

Ademais, como consignado na sentença e no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, a carta de intimação emitida a ERILDE para que apresentasse defesa no presente processo foi por ela pessoalmente recebida (ID 12511083), restando, portanto, suficientemente comprovada a sua vinculação com o Município de Caseiros, o que afasta a argumentação recursal de que não haveria correspondência entre o motivo apresentado no momento do pedido de transferência à Justiça Eleitoral e aquele aduzido em sede de contestação, bem como a alegada burla à legitimidade do processo eleitoral no município por meio da arregimentação da eleitora.

Logo, pelos fundamentos expendidos, a impugnação apresentada pelo RECORRENTE não deve ser acolhida, mantendo-se a sentença que deferiu o pedido de transferência do domicílio eleitoral de ERILDE TOLOTTI para o Município de Caseiros.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.

É como voto, Senhor Presidente.