REl - 0600301-03.2020.6.21.0098 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/03/2021 às 10:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) ajuizada na origem descreve 10 fatos que caracterizariam abuso de poder político e condutas vedadas aos agentes públicos, os quais estariam sendo praticados com o propósito de favorecer o atual vice-prefeito, ANTONIO FACHINELLI, então candidato a prefeito de Garibaldi, com a utilização dos recursos do município em prol de atos eleitorais.

O fato 1 descrito na inicial refere que o prefeito e seu chefe de gabinete participaram, em horário de expediente e utilizando-se da estrutura administrativa (Gabinete do Prefeito), de reunião virtual realizada em 23 de setembro de 2020 (quarta-feira), às 10h30min, presidida pelo Juiz Eleitoral da 98ª Zona para tratar de questões estritamente ligadas à campanha eleitoral com as coligações.

De seu turno, o fato 2 aponta que, em 25 de setembro de 2020 (sexta-feira), às 14h, nas dependências da CIC, o Chefe de Gabinete Micael Carissimi participou de reunião com fins estritamente eleitorais, cuja pauta era definir detalhes do debate entre candidatos a prefeito que seria realizado no dia 03 de novembro de 2020, às 19h.

Em relação ao fato 3, descreve a inicial que, em 02 de outubro de 2020 (sexta-feira), às 9h, nas dependências da Rádio Serrana, o chefe de gabinete do prefeito participou novamente de reunião para definir cronograma de entrevistas dos candidatos, utilizando-se do horário de expediente para o encontro.

Tais atos configurariam, em tese, a prática da conduta vedada descrita no art. 73, inc. III, da Lei das Eleições, verbis:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...).

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

 

O dispositivo preocupa-se com a moralidade pública, buscando evitar que ocupantes de cargos da administração sejam desviados de suas funções para auxiliar a campanha de candidatos.

Por sua vez, a testemunha Vera Lucia Furlanetto disse, em juízo, que participou de reuniões de organização de debates representando a coligação adversária, ora recorrente, e que Micael esteve presente em vários desses encontros, entre eles uma reunião na CIC, à tarde, uma na Rádio Serrana, também no período da tarde, duas na Rádio Garibaldi e outra na Rádio Estação (ID 12105533).

Em defesa, os recorridos argumentam que Micael Carissimi não tem horário definido e está 24 horas por dia, incluindo finais de semana e feriados, à disposição do prefeito e do município. Além disso, aduzem que os vídeos das câmeras de segurança da prefeitura (ID 12104883, 12104933 e 12149863) demonstram que Micael sempre chega antes ou fica além do horário de funcionamento da prefeitura.

Não obstante, ainda que o servidor comissionado não tivesse um horário de expediente regular, não se pode supor que não estivesse submetido a carga horária alguma, porque, no mínimo, o servidor teria de cumprir determinado turno de expediente normal da prefeitura.

Por outro lado, quanto à reunião descrita no fato 1, bem registra o Ministério Público de piso que "não se vê dos autos prova acerca do teor do convite feito pela Justiça Eleitoral que possa infirmar que a reunião promovida não tinha abertura para definição e esclarecimentos de condutas vedadas na campanha, o que, em linha de princípio, afastaria a pecha de ilegalidade na participação de agente público, com uso de bem móvel e da internet custeada pelo Município de Garibaldi, em benefício de candidato e/ou de sua campanha eleitoral".

Ademais, consta nos ID 12104783 e 12104833 que Micael requereu compensação de sua carga horária dos dias 25.9.2020 e 02.10.2020, respectivamente, datas em que realizados os eventos virtuais descritos nos fatos 2 e 3.

Dessa forma, embora seja incontroversa a participação de Micael nos eventos, não há prova robusta e inconteste pela qual se possa concluir pela configuração da conduta vedada ou de que o agente público tenha se utilizado indevidamente de seu horário de expediente ou da estrutura administrativa com desvio de finalidade.

Relativamente ao fato 4, narra a inicial que, em 22 de outubro de 2020 (quinta-feira), às 11h05min (em horário de expediente, portanto), em local desconhecido, o chefe de gabinete do prefeito foi flagrado em conversa com fornecedor do município, fato divulgado nas redes sociais e em reportagem vinculada no site da Leove (https://leouve.com.br/cc-da-prefeitura-de-garibaldi-emite-nota-sobre-video-queflagra-recebimento-de-caixa-de-empresario).

O ponto refere-se a uma reportagem publicada em portal da internet, noticiando que um servidor de alto escalão da prefeitura foi flagrado, em um estacionamento, recebendo uma caixa de um empresário vencedor de licitação no Município de Garibaldi.

O próprio demandante pontua que "as reais circunstâncias do fato ainda carecem de esclarecimento", sendo certo que não consta elemento mínimo de prova adicional que permita relacionar o ocorrido com alguma espécie de ilícito eleitoral, restando inviável a procedência recursal quanto ao ponto.

Na sequência, a partir do fato 5, os recorrentes alegam total desregramento nas ações do Prefeito Antônio Cetollin ao participar intensamente da campanha dos seus candidatos à sucessão, deixando a administração do município desguarnecida.

Como se percebe, a acusação em questão é despida da indicação de quaisquer fatos concretos, circunstâncias ou provas que lhe confiram amparo.

Desse modo, na linha do entendimento esposado pelo Ministério Público Eleitoral e adotado pela sentença:

No ponto, a inciativa é genérica e não permite aferir dias e horários de conduta irregular do prefeito, com um mínimo de especificidade, que propicie o devido contraditório. Tampouco se faz possível asseverar um grau de abuso que permita aplicar as graves consequências da cassação do registro aos beneficiários e/ou da multa cominada na norma de regência.

Por seu turno, o fato 6 reporta que, no dia 14 de julho de 2020, a Sra. Simone Agostini de Moraes deixou a função de Secretária da Saúde para atuar como enfermeira. Refere, ainda, que a enfermeira Simone era cogitada como pré-candidata ao cargo de vice-prefeito pelo MDB, o que não se confirmou. Por fim, noticia que a servidora requereu licença-prêmio no período de 17.8.2020 a 16.9.2020.

Diante disso, os recorrentes sustentam que houve desvio de finalidade no ato administrativo de concessão da licença, aduzindo em suas razões que:

Simone era Secretária de Saúde e principal coordenadora dos esforços do Município em relação à pandemia. Enfermeira experiente. No entanto, ela e o Prefeito optaram por uma licença-prêmio cuja finalidade não atendia objetivo pessoal nem interesse público, mas fins eleitorais: Simone foi ser uma das principais coordenadoras do comitê eleitoral dos recorridos. Tudo isso, repita-se, em prejuízo da Municipalidade.

 

Novamente, a alegação é carente de comprovação mínima quanto à repercussão eleitoral do ocorrido, sendo que, em gozo de licença, não haveria ilicitude na eventual participação da servidora pública em atos de campanha eleitoral, conforme expressamente ressalvado no texto no art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97.

Ademais, não cabe à Justiça Eleitoral analisar se conveniente e oportuna a concessão da referida licença-prêmio, ainda que em meio à crise sanitária provocada pela Covid-19, quando ausentes circunstâncias concretas de que o ato administrativo afetou a normalidade e a isonomia do pleito.

No tocante ao fato 7, a petição inicial relata que o então Prefeito Antônio Cettolin compareceu a diversas inaugurações de obras públicas quando a campanha já havia começado. Reproduzo o que foi referido pelos demandantes:

Em 03 de outubro de 2020, o Prefeito (e Coordenador de campanha de Fachinelli e Milani), compareceu num ato público que conjugava uma Assembleia de moradores/proprietários da localidade de São Roque Figueira de Melo com a inauguração “simbólica” de uma obra pública. Não bastasse a entrega de obra pública no momento de campanha eleitoral, o Prefeito fez evidente alusão à campanha, conforme se observa no vídeo anexo (Doc 11). Tal alusão é muito mal disfarçada, já que o slogan de campanha por ele coordenada é “Garibaldi no caminho certo”, e o Prefeito, por várias vezes, em seu discurso oficial, repetiu que “Garibaldi está num caminho bom, seguro”, além de pedir para “seguirem juntos”, num pouco disfarçado pedido de apoio à manutenção do seu grupo político no Poder Executivo local.

Como se percebe, o Prefeito promoveu intensa agenda de “inaugurações simbólicas” na semana de aniversário do Município – entre 1º e 07 de outubro, período em que já deflagrada a campanha eleitoral, cujos interesses e presença do Mandatário é já extensa e repetidamente debatida acima.

 

Cediço que não há impedimento legal a que o prefeito não concorrente nas eleições participe da inauguração de obras e serviços públicos, posto que a vedação inserta no art. 77 da Lei n. 9.504/97 dirige-se apenas à figura do candidato, proibindo-o de participar de inauguração de obras públicas no período de três meses que antecedem o pleito. 

Outrossim, as expressões destacadas pelo recorrente no discurso realizado pelo Prefeito no evento de 03.10.2020, embora similares às usadas pela campanha de seu grupo político, são meramente pontuais e não estão acompanhadas de pedido de voto ou de referências aos candidatos, ou qualquer outra atitude que pudesse desvirtuar o evento para um ato de promoção ou de campanha eleitoral.

Assim, se sequer se comprova conduta reprovável, em contrariedade à legislação eleitoral, a atuação do recorrido está igualmente longe de configurar abuso de poder de autoridade, que, como se sabe, consiste no uso indevido de cargo ou função pública, com a finalidade de obter votos para determinado candidato, sendo necessário que o agente público estabeleça uma vinculação entre a liberdade de voto e um projeto, ato ou obra, o que não se observa na espécie.

Destarte, diante do acervo probatório, evidencia-se a ausência de elementos de provas que apontem a movimentação da máquina pública municipal em benefício ilícito ou abusivo das candidaturas impugnadas.

Tangente ao fato 8, afirma-se que houve o desligamento do estagiário Bruno Pilatti Bortolini da prefeitura em virtude de sua participação em ato de campanha promovido pela coligação opositora da administração então no poder, assim constando na peça inicial:

Em 18 de outubro de 2020 (domingo), ocorreu “bandeiraço” organizado pelos simpatizantes da candidatura de Alex Carniel (candidato da Coligação Autora) na Av. Independência, em frente ao seu comitê. Dentre os vários participantes, estava Bruno Pilatti Bortolini, estagiário municipal da área da saúde de nome.

No dia seguinte (19/10/2020 – segunda-feira), Bruno foi chamado no gabinete da sua superior, no Posto Central de Saúde e foi comunicado que seu contrato de estágio estava rescindido. Ao indagar dos motivos, foi informado que seria uma ordem expressa da Secretaria da Saúde e que era consequência de participar da campanha da oposição. Segue áudio da conversa que comprovam os fatos ora narrados. (doc. 14). Junta também o a rescisão do termo de compromisso de estágio firmado entre Bruno e a Prefeitura Municipal de Garibaldi, datada em 20/10/2020 (doc 13).

 

Entretanto, a partir da prova oral produzida em juízo, não é possível depreender as razões que levaram ao desligamento do vínculo de estágio. Ressalta-se que Bruno declarou desconhecer o motivo da rescisão contratual, e que a então Secretária de Saúde Diane Pascoaletto alegou a necessidade de substituição da vaga por um profissional de 40 horas no posto de saúde.

Transcrevo a prova testemunhal colhida, conforme restou apanhada – com precisão – na manifestação ministerial em primeira instância:

Neste particular, Bruno Pilatti Bortilini foi ouvido em juízo e declarou expressamente que era estagiário na Prefeitura por empresa terceirizada, com previsão de duração de seis meses, e, sobre o desligamento, disse que no dia 20/10, recebeu comunicação da Coordenadora do Posto de Saúde, que queria conversar com ele; questionou o assunto, e foi-lhe informado para passar no Posto de Saúde às 16h30min; lá chegando, a Coordenadora disse que estaria desligando, que não era ordem dela, mas que no dia seguinte não precisava voltar ao Posto pois o contrato estava sendo encerrado; ela não disse o motivo, embora questionada; ela informou para ir no dia seguinte na Prefeitura pegar a rescisão do contrato; lá foi apresentado um papel assinado por Micael; não foi dito o motivo da rescisão, em momento algum; o contrato finalizaria em 30/11/2020; cumpria 06 horas diárias; no lugar do depoente assumiu um menino, chamado Gabriel, que já estava no Posto Central.

Ou seja, diferentemente do aposto na petição inicial, Bruno negou ter sido “informado que seria uma ordem expressa da Secretaria da Saúde e que era consequência de participar da campanha da oposição”.

(…).

Rochane Brugalli, outra testemunha ouvida, disse que era candidata a vereadora e presenciou Bruno Pilati receber mensagem para comparecer no posto de saúde. Levou-o até lá e depois recebeu ligação para buscá-lo. Não acompanhou dentro do Posto de Saúde.

Acompanhou-o na Prefeitura na assinatura do encerramento, na Secretaria da Saúde, onde conversaram com a Cris e tinha um documento assinado pelo Micael para fazer o encerramento do estágio. Enquanto estava com ele, não foi dito o motivo do desligamento. Não sabe quando terminava o contrato dele.

Diane Pascoaletto, servidora pública, compromissada, disse que o Bruno foi demitido por necessidade de profissional de 40 horas no local, que houve apenas substituição de profissional e não interessa ao serviço as opiniões pessoais dos funcionários, apenas o trabalho realizado; atualmente é a Secretária Municipal de Saúde.

Natalia Marinho, enfermeira; compromissada, disse não saber o motivo da demissão do Bruno, mas que não costumam demitir pessoas pelo motivo de possuir opiniões diversas.

 

Por sua vez, do áudio gravado por Bruno de sua conversa com a Coordenadora do Posto de Saúde, no momento da comunicação sobre o desligamento, extrai-se a seguinte transcrição (ID 12103433):

(…).

- Ela pediu para ti se desligar, na verdade, né? Não foi ela. Ela só recebeu o comunicado. Oficialmente um papel. Esse documento está com ela lá. Para ti ser desligado. Então na verdade tu foi demitido, a partir de hoje. Tu sabe os teus, os motivos deles, né Bruno.

- Não, quais motivos? Seria por causa da escolha partidária?

- Sim, não é questão de escolha, questão, cada um tem uma escolha, né Bruno.

- Sim.

- Questão de se expôs, tu se expôs.

- Tá, mas tipo assim, eles estão me demitindo porque eles realmente não precisam de mim?

- Bruno, estou te dizendo o que que eu fiquei sabendo, tu estás demitido, foi essa, o que eu fiquei sabendo, entendeu? Só que tem questões, né políticas, que a gente já vinha conversando há algum tempo. E agora tu tava na via pública, enfim, vestido, caracterizado, eu não sei, porque eu não te vi, mas enfim tu deu a cara a tapa, né? Então é por esse motivo, né.

(…).

 

Embora o diálogo indique que a chefia imediata atribuísse a demissão à participação do estagiário em evento de campanha do candidato adversário, não restou demonstrado, de forma inequívoca e segura, que o motivo do desligamento a ela informado teria sido efetivamente esse ou se tal indicação consistiria em mera especulação pessoal da interlocutora.

Ademais, consoante bem pontuou o douto Procurador Regional Eleitoral em seu parecer escrito, a jurisprudência não admite a interpretação extensiva do rol de condutas vedadas do art. 73 da Lei n. 9.504/97, nas quais “imperam os princípios da tipicidade e da legalidade estrita, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previsto na lei” (REspe n. 626-30/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 04.02.2016).

Dessa forma, a demissão de estagiário não aperfeiçoa o tipo previsto no inc. V do aludido dispositivo, cujo teor não abrange categorias que não se enquadram no conceito de “servidor público”.

Ressalvadas as particularidades de cada caso, este Tribunal já pronunciou que, “dadas as peculiaridades da sua contratação – dentre as quais saliento a desnecessidade de submissão a concurso público, a sujeição à regulamentação específica e a sua finalidade preparatória do trabalho produtivo –, o estagiário não pode ser diretamente equiparado à figura do servidor público para fins de caracterização da conduta vedada descrita no art. 73, inc. V, da Lei das Eleições” (Proc. RE 302-81; Rel. Des. Carlos Cini Marchionatti, sessão de 28.3.2017).

Assim, diante dos elementos probatórios carreados nestes autos, entendo não demonstrada, de forma robusta e inequívoca, a caracterização de conduta vedada ou o intuito eleitoreiro ou abusivo da Administração Pública no desligamento do estagiário Bruno, com desvio da finalidade da máquina estatal em detrimento dos demais concorrentes que disputam as eleições.

Em sequência, o fato 9 relaciona-se à divulgação de obras públicas e “inaugurações simbólicas” nas redes sociais, assim descritas na petição inicial:

(…). O perfil da rede Facebook da Prefeitura Municipal de Garibaldi1era pouco utilizado até setembro de 2020 para divulgar qualquer conteúdo de prestação de contasde atos realizados pela Administração, limitando-se à louvável divulgação de conteúdos sobre a pandemia Covid-19 (aliás, exatamente o sentido a que deve se prestar a publicidade institucional, num cenário ideal). As divulgações sempre são feitas pela assessora de imprensa, onde esta marca e/ou realiza o ckek-in a rede social da Prefeitura, conforme se verifica pelos prints obtido junto ao facebook da prefeitura (doc 15).

A partir do mês de agosto, no entanto, muda o foco das postagens. A assessoria de imprensa do Prefeito intensificou as postagens (marcando o face da prefeitura) divulgando obras recém-iniciadas, ordens de serviços, entre outros (doc 15).

(…).

Fica evidente que tais publicações têm cunho eleitoral, tensionando trazer visibilidade do que está sendo feito pelo atual Prefeito e buscando angariar apoio aos seus candidatos e coligação.

 

Quanto ao tema, novamente, a instrução processual não trouxe prova suficiente para a caracterização de conduta vedada ou abuso de poder.

Reporto-me, mais uma vez, à detida análise da prova testemunhal procedida pelo diligente órgão ministerial de piso:

Valéria Cristina Loch, servidora pública; compromissada, disse que o município não tem página oficial no facebook, mas apenas uma página para divulgar exclusivamente temas de turismo; as publicações do seu perfil pessoal são manifestação de questões pessoais; marca as pessoas em suas publicações por vínculo de amizade e coleguismo.

(…).

Cinara Carlotto, servidora pública; compromissada, disse que foi marcada em alguma publicações pela Valéria Loch, pois a depoente é colega e amiga, é o trabalho dela, e para dar maior alcance ao trabalho ela marca as pessoas amigas.

Fabiana Pizatto, servidora pública; compromissada, disse que foi marcada pela Valeria Loch, no perfil pessoal dela, em razão de ser colega e amiga.

 

De fato, os prints de publicações trazidos pelos representantes envolvem exclusivamente postagens realizadas por Valéria Cristina Loch em seu perfil pessoal, nas quais noticia e enaltece o trabalho da Prefeitura de Garibaldi (ID 12103333), não havendo demonstração do uso de recursos públicos ou de meios oficiais de comunicação para esse intento.

Nesse quadro, as condutas de usar o perfil particular no Facebook para enaltecer os atos de gestão próprios ou os feitos do candidato que conta com seu apoio não desbordam para a ilicitude, consistindo simples exercício da liberdade de expressão, acessível aos demais concorrentes da disputa eleitoral, consoante entendimento remansoso do TSE:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. CONDUTA VEDADA. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. REDE SOCIAL. PERFIL PESSOAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE EMPREGO DA MÁQUINA PÚBLICA. PROMOÇÃO PESSOAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DESPROVIMENTO.

1. Agravo interno interposto contra decisão monocrática que negou seguimento a recurso especial eleitoral.

2. Não há privilégio ou irregularidade na publicação de atos praticados durante o exercício do mandato; especificamente, porque veiculados sem utilização de recursos públicos em meio acessível a todos os candidatos e apoiadores, como é o caso das mídias sociais.

3. Além disso, a promoção pessoal realizada de acordo com os parâmetros legais não caracteriza conduta vedada, constituindo exercício da liberdade de expressão no âmbito da disputa eleitoral.

4. O emprego da máquina pública, em qualquer de suas possibilidades, é a essência da vedação à publicidade institucional prevista no art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/1997, objetivando assegurar a igualdade de oportunidades entre os candidatos. No caso, a moldura fática do acórdão regional não apresenta indícios de que houve uso de recursos públicos ou da máquina pública para a produção e divulgação das postagens de responsabilidade do agravado.

5. Agravo interno a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 151992, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 28.6.2019.)

 

Assim, os fatos indicados na ação não se subsomem à norma contida no art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei das Eleições, que limita a publicidade institucional, nem se enquadram como propaganda irregular, estando afastada, da mesma forma, a configuração do abuso de poder político ou econômico, pois inexistente a gravidade capaz de acarretar quebra na normalidade e legitimidade das eleições que fundamenta a aplicação das penalidades insculpidas no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90.

Por derradeiro, o fato 10 indica que o prefeito, em grupo de WhatsApp, conclamou os servidores para se manifestarem em favor dos candidatos Fachinelli e Eldo nas redes sociais, especialmente no site da Rádio Garibaldi.

A gravação de áudio enviada consta no ID 12102583, de onde se extrai a seguinte fala: “(…). Amanhã tem na rádio Garibaldi, a partir das 11 e pouquinho, né. Eu sei que nós estamos trabalhando às 11 horas. Nesse horário, 11, 11 e meia, não se faz nada. Mas de 11 e meia em diante, todos vocês sintonizados, escrevendo alguma coisa no face da rádio. (…)”.

A testemunha Cinara Carlotto, servidora pública, compromissada, disse que recebeu o áudio em um grupo de WhatsApp denominado “amigos”, com simpatizantes do partido.

Da prova produzida, embora se observe um chamamento para que os militantes atuem na rede social em favor dos candidatos Fachinelli e Eldo, não há elementos que permitam inferir a ocorrência de qualquer espécie de imposição ou constrangimento à participação de servidores públicos em tal mobilização, sequer alguma evidência de retaliação contra quem porventura não tenha aderido à ação.

Ademais, pelo que consta dos autos, a mensagem foi enviada em grupo privado e fechado de WhatsApp, sendo expressamente ressalvado o horário de expediente dos servidores públicos municipais, não se evidenciando, nisso, a utilização de aparato público para atos de campanha.

Destarte, não restou demonstrado que a conduta tenha comprometido a igualdade da disputa e a legitimidade do pleito, em benefício de uma candidatura, com gravidade apta a configurar o reprovável abuso do poder político de que trata o art. 22, caput, da LC n. 64/90, tampouco alguma das condutas vedadas de que trata o art. 73 da Lei n. 9.504/97.

Dessa forma, na esteira do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, não demonstrada a prática de conduta vedada ou o abuso do poder político ou econômico, deve ser integralmente confirmada a sentença que julgou improcedente a ação.

Em desfecho, registro que a presente resolução de mérito do recurso não impede que o Ministério Público, na condição de dominis litis da ação penal, tome as medidas que entender pertinentes na esfera criminal, inclusive em razão da independência entre essa e a instância civil.

Assim, fica autorizada a extração das cópias pela Procuradoria Regional Eleitoral para remessa à Procuradoria da República no Município de Bento Gonçalves para eventual apuração de infração penal de falso testemunho, conforme requerido no parecer ministerial.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, autorizando a extração das cópias pela Procuradoria Regional Eleitoral para remessa à Procuradoria da República no Município de Bento Gonçalves para eventual apuração de infração penal de falso testemunho.