RCED - 0600653-65.2020.6.21.0031 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/02/2021 às 10:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas.

Cuida-se de recurso contra a expedição de diploma interposto pela COLIGAÇÃO VOA MONTENEGRO (PP / PL / PSB), com base no art. 262 do Código Eleitoral, por meio do qual busca desconstituir a diplomação de PAULO EUCLIDES GARCIA DE AZEREDO, eleito vereador no Município de Montenegro nas eleições de 2020.

Inicialmente, consigno que a jurisprudência consolidou o entendimento de que a coligação é parte legítima para ajuizar a espécie processual, ainda que em período posterior às eleições, “haja vista que os atos praticados durante o processo eleitoral podem repercutir até após a diplomação” (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 3776232, Relatora Ministra FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, DJE de 08.11.2011, p. 17).

No mesmo trilhar, cito o seguinte precedente desta Casa:

Recurso contra expedição de diploma. Inelegibilidade superveniente.

Artigo 262, I, do Código Eleitoral e artigo 1º, I, "g", da Lei Complementar n. 64/90. Prefeito e vice. Eleições 2012.

Matéria prefacial rejeitada:

1. a coligação possui legitimidade para ingressar com a ação, ainda que encerrada a eleição;

2. de igual forma, o partido político detém legitimidade ativa para ajuizar a ação isoladamente, uma vez desfeitos os interesses das agremiações que integravam a coligação;

3. a inclusão do vice-prefeito no polo passivo da ação é impositiva, pois se trata de litisconsórcio necessário;

4. revogada a liminar que suspendia os efeitos dos decretos legislativos de rejeição das contas, insubsistente a alegada carência de ação.

Desaprovação das contas do prefeito reeleito, relativas ao ano de 2008, pelo Tribunal de Contas do Estado e pela Câmara dos Vereadores. Emissão do decreto legislativo em data posterior ao ato de diplomação, ocasião em que estava em pleno gozo dos direitos políticos. Circunstância que afasta a pretendida inelegibilidade superveniente posta em análise. Caso concreto sem o condão de influenciar a eleição de 2012, podendo gerar reflexos em pleitos futuros.

Improcedência.

(Recurso Contra a Expedição de Diploma n. 57608, Relatora DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, DEJERS de 25.11.2013, p. 6.) (Grifei.)

 

A pretensão, contudo, não comporta conhecimento.

Nada obstante a sua denominação, o recurso contra a expedição de diploma possui natureza jurídica de ação eleitoral, não se destinando ao questionamento de uma decisão judicial propriamente dita, mas à desconstituição da diplomação, ato de caráter administrativo que atesta o resultado final do processo eleitoral e o cumprimento dos requisitos exigidos pelo ordenamento jurídico para a assunção do mandato pelo candidato eleito.

Trata-se de uma ação constitutiva negativa ou desconstitutiva do ato administrativo da diplomação (MS n. 3.100/MA, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJe de 20.12.2002), sendo, portanto, indispensável a própria existência desse ato para que surja a pretensão da parte interessada em desconstituí-lo perante a esfera jurisdicional competente.

O recurso em comento não é apto a evitar a concretização do ato de diplomação ainda não ocorrido, o que deve ser buscado pela parte interessada mediante o manejo de ações ou medidas judiciais adequadas perante esta Especializada, obedecendo aos pressupostos e requisitos próprios de cada uma delas.

Nesse contexto, o prazo para o ingresso do recurso está diretamente vinculado à diplomação, encerrando-se 3 (três) dias após a data da sua realização (art. 262, § 3º, do Código Eleitoral), e a legitimidade para compor o polo passivo do processo respectivo é atribuída ao detentor de mandato eletivo, diplomado pela Justiça Eleitoral, como se extrai da lição de José Jairo Gomes:

Legitimidade passiva - no que concerne ao polo passivo da relação processual, nele deve figurar tão somente candidato diplomado. O suplente, desde que como tal haja sido diplomado, também detém legitimidade passiva, decorrendo esta da possibilidade de ele vir a assumir a titularidade do mandato popular, fato, aliás, comum na experiência política brasileira (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14 Ed. São Paulo: Atlas, 2018, pág. 924).

 

Na hipótese concreta, em consulta ao Processo SEI n. 0019667-43.2020.6.21.8031, verifiquei que a cerimônia de diplomação dos candidatos eleitos no Município de Montenegro no pleito do ano anterior foi realizada no dia 17.12.2020.

A RECORRENTE, por sua vez, ingressou com o pedido perante a 31ª Zona Eleitoral de Montenegro no dia 02.12.2020, ou seja, 15 dias antes da data em que o RECORRIDO foi efetivamente diplomado pela Justiça Eleitoral.

Desse modo, a lide mostra-se eivada de vício desde a sua propositura, consistente na ausência de interesse processual e de legitimidade passiva ad causam, na medida em que, na sua gênese, tinha por objeto a desconstituição de ato administrativo inexistente.

Nesse sentido, ainda que se reconheça que, ao tempo do ajuizamento da demanda, existia expectativa de que a diplomação do RECORRIDO se concretizasse, a partir do resultado por ele conquistado nas urnas, a análise das condições da ação deve ficar adstrita ao momento do juízo de admissibilidade do procedimento, não permitindo instrução probatória, verificando-se, dessa forma, com base nos fundamentos fático-jurídicos deduzidos na petição inicial, segundo a Teoria da Asserção, amplamente aceita pela doutrina e jurisprudência, mesmo após as alterações introduzidas pelo art. 485 do Novo Código de Processo Civil, ao definir as hipóteses em que a relação processual é extinta sem resolução de mérito.

Assim, não poderia a RECORRENTE presumir a ocorrência da diplomação ao ingressar em juízo, tampouco se mostra juridicamente viável entender pela convalidação ou saneamento da formalidade no curso da lide, sob pena de se permitir o ajuizamento de demandas com o propósito de antecipar futuro interesse de agir (RESP n. 478-40.2016.6.20.0015/RN, Relator Ministro Edson Fachin, DJE de 16.5.2019, pp. 30-32).

Nessa linha, o Tribunal Superior Eleitoral reconhece a tempestividade de recurso contra a expedição de diploma proposto no mesmo dia da cerimônia de diplomação, desde que após a realização do ato, por aplicação analógica da regra do art. 218, § 4º, do CPC, considerando tempestivo o ato processual praticado antes do termo inicial do prazo, em prestígio aos princípios da duração razoável do processo e da cooperação, deixando de prejudicar a parte que, agindo de boa-fé, pratica um ato de forma mais célere, ressalvando, por óbvio, que essa regra se destina a prazos de natureza processual, e não de caráter material como o incidente no caso de interposição de recurso contra a expedição de diploma (TSE, RESPE n. 00004998520166080003/ES, Relator Ministro Luís Roberto Barroso, DJE de 22.8.2019, pp. 35-36).

Além disso, a ausência de interesse processual também se desdobra no relativo à inadequação da via processual eleita para a busca da tutela pretendida pela RECORRENTE.

Consoante o disposto no art. 262, caput, do Código Eleitoral, o recurso em tela é cabível nas hipóteses de inelegibilidade superveniente ou constitucional e de ausência de condição de elegibilidade:

Art. 262. O recurso contra expedição de diploma caberá somente nos casos de inelegibilidade superveniente ou de natureza constitucional e de falta de condição de elegibilidade.

 

A RECORRENTE sustenta que PAULO EUCLIDES GARCIA DE AZEREDO teve decretada a perda de seu mandato de prefeito de Montenegro pela respectiva Câmara de Vereadores no ano de 2015, em virtude da prática de condutas enquadradas como lesivas ao art. 4º, inc. VII, do Decreto-Lei n. 201/67, razão pela qual teve indeferido o pedido de registro da sua candidatura para concorrer ao cargo de deputado estadual no pleito de 2018, segundo decisão que transitou em julgado no dia 12.6.2019 nos autos do Processo 0600973-82.2018.6.21.0000, por incidir na causa de inelegibilidade insculpida no art. 1º, inc. I, al. “c”, da Lei Complementar n. 64/90, verbis:

Art. 1º. São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(...)

c) o Governador e o Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal e o Prefeito e o Vice-Prefeito que perderem seus cargos eletivos por infringência a dispositivo da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término do mandato para o qual tenham sido eleitos; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

(…).

 

Cumpre enfatizar que, por “causa de inelegibilidade”, deve ser considerada a própria decisão legislativa pela perda do mandato do RECORRIDO, ato público e formal, sufragado pela maioria absoluta dos membros da respectiva Casa, que reconheceu a prática de condutas atentatórias ao art. 4º, inc. VII, do Decreto-Lei n. 201/67, e a partir do qual se estabelece a aplicação dos seus consectários legais.

A referida causa de inelegibilidade possui natureza infraconstitucional e, portanto, conforme orientação jurisprudencial consolidada pelo Tribunal Superior Eleitoral, para fins de manejo do recurso contra expedição de diploma, deve ser superveniente, entendida como aquela que surge entre o momento do registro de candidatura e a data do pleito, consoante se depreende da ementa a seguir transcrita:

ELEIÇÕES 2018. RECURSOS CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. DEPUTADO FEDERAL. INELEGIBILIDADE SUPERVENIENTE. CONDENAÇÃO PROFERIDA POR ÓRGÃO COLEGIADO DA JUSTIÇA ELEITORAL PELA PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA, ABUSO DO PODER POLÍTICO E DE AUTORIDADE. INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, ALÍNEAS H E J, DA LEI COMPLEMENTAR 64/90. SUSPENSÃO JUDICIAL DOS EFEITOS VIGENTES NA DATA DA ELEIÇÃO E DA DIPLOMAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. SÍNTESE DO CASO 1. Recursos contra a expedição de diploma ajuizados em face de candidato eleito ao cargo de deputado federal, ao fundamento de inelegibilidade superveniente, que decorreu de condenação eleitoral proferida por órgão judicial colegiado em sede de ação de investigação judicial eleitoral, pela prática de conduta vedada e abuso do poder político e de autoridade. 2. Segundo consta dos autos, a condenação eleitoral, em tese apta a atrair a inelegibilidade, veio a lume em 19.9.2018, sendo posteriormente suspensa em 5.10.2018, a dois dias do primeiro turno das Eleições de 2018. Tal suspensão durou até o dia 23.10.2018, quando o relator proveu o agravo e a revogou expressamente. No entanto, ela foi novamente implementada em 17.12.2018, último dia da diplomação, e persistiu até 13.5.2019, oportunidade em que foram julgados os embargos de declaração. 3. O candidato recorrido foi diplomado suplente de deputado federal pelo Estado da Bahia no dia 17.12.2018, e os presentes recursos contra expedição de seu diploma foram ajuizados em 19.12.2018. ANÁLISE DOS RECURSOS Matéria preliminar 4. Não há perda de objeto das demandas, em razão da alteração jurídica do recorrido, de suplente para titular, seja porque há diplomas sobre cuja expedição regular se controverte, seja porque a titularidade é situação provisória decorrente de recontagem de votos ordenada por esta Corte Superior em feito ainda não transitado em julgado. MÉRITO 5. Nos termos da Súmula 47 do Tribunal Superior Eleitoral, a inelegibilidade superveniente que autoriza a interposição de recurso contra expedição de diploma, fundado no art. 262 do Código Eleitoral, é aquela de índole constitucional ou, se infraconstitucional, superveniente ao registro de candidatura e que surge até a data do pleito. 6. Independentemente de eventual discussão a respeito da jurisprudência desta Corte acerca do conceito de inelegibilidade superveniente, constata-se, no caso, a regular expedição do diploma, tendo em vista que o suporte fático da inelegibilidade, decorrente de condenação eleitoral em sede de ação de investigação judicial eleitoral, estava suspenso na data da diplomação e na data do pleito. 7. A revogação de liminar, ocorrida em 13.5.2019, muito após o encerramento do processo eleitoral, não pode ser considerada no julgamento do recurso contra a expedição de diploma, sob pena de ofensa à segurança jurídica e à soberania popular. 8. Uma vez vedada a arguição de alterações fáticas ou jurídicas supervenientes à data da diplomação para os fins de deferimento do registro, deve igualmente ser rejeitada a inelegibilidade cujos efeitos somente se concretizaram após o encerramento do processo eleitoral. 9. No julgamento do RO 060097244, de relatoria do Min. Admar Gonzaga, PSESS em 5.12.2018, ficou registrado que "o disposto no art. 26, C, § 2º, da Lei Complementar 64/90 deve, tanto quanto possível, ser aplicado, nos seus estritos termos, notadamente se ainda em trâmite o processo de registro de candidatura e não ultimado o processo eleitoral". Impossibilidade de ampliação do termo ad quem, em face da necessidade de estabilização das relações políticas e jurídicas. CONCLUSÃO Recursos contra expedição de diploma julgados improcedentes.

(TSE - RCED: 06039197120186050000 SALVADOR - BA, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 30.4.2020, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 120, Data: 19.6.2020, pp. 163-175.) (Grifei.)

 

Como mencionado no corpo da ementa acima colacionada, a matéria encontra-se consolidada por meio do enunciado da Súmula n. 47 do Tribunal Superior Eleitoral, publicado no DJE de 24, 27 e 28.6.16:

A inelegibilidade superveniente que autoriza a interposição de recurso contra expedição de diploma, fundado no art. 262 do Código Eleitoral, é aquela de índole constitucional ou, se infraconstitucional, superveniente ao registro de candidatura, e que surge até a data do pleito.

 

Logo, a causa de inelegibilidade que embasa a postulação não autoriza o aviamento do presente recurso, pois ocorrida no ano de 2015, ou seja, muito antes do registro de candidatura no pleito de 2020, devendo ser reconhecida a carência de interesse processual por inadequação da via processual eleita.

O debate ora suscitado deveria ter sido proposto em sede de impugnação ao requerimento de registro de candidatura do RECORRIDO para a vereança no pleito de 2020 (RCAND n. 0600254-36.2020.6.21.0031) e, eventualmente, submetida a este Regional por meio da interposição de recurso, faculdades processuais que, todavia, não foram oportunamente exercidas pela RECORRENTE, que se valeu, então, da presente ação e, anteriormente, da nominada Ação Declaratória de Impugnação de Decisão Judicial Homologatória de Registro de Candidatura, cuja inicial foi indeferida pelo juízo da origem, em decisão mantida nesta instância pelo eminente Des. ARMÍNIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, ao negar seguimento ao recurso contra ela interposto nos autos do RE n. 0600634-59.2020.6.21.0031.

Para finalizar, apesar de o Tribunal Superior Eleitoral entender cabível o ajuizamento de recurso contra a expedição de diploma com fundamento na ausência de condição de elegibilidade prevista no texto constitucional, ainda que preexistente ao registro de candidatura (TSE, RO n. 06000012520196050000/BA, Relator Ministro Sergio Silveira Banhos, DJE de 25.8.2020), como observou a Procuradoria Regional Eleitoral, sequer foi indicado o número do processo judicial em que o RECORRIDO teria sido condenado por ato de improbidade administrativa, inexistindo, ademais, pedido expresso a respeito, o que inviabiliza o seu conhecimento, nos moldes dos arts. 322 e 324, c/c o art. 330, § 1º, inc. I, do CPC.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pela extinção do feito, sem resolução de mérito, com fulcro no art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil.

É como voto, Senhor Presidente.