REl - 0600308-23.2020.6.21.0121 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/02/2021 às 10:00

VOTO

Tempestividade

Ambos os recursos são tempestivos e, ao atenderem os demais pressupostos, estão a merecer conhecimento.

Preliminares suscitadas pelos recorrentes demandados Coligação Aliança Popular, Silvestre Antônio Rebelato e Ademar Zeni

1. Preliminar de indeferimento da inicial por ausência de provas.

Os recorrentes pugnam pelo indeferimento da inicial, sob a alegação de que não teria sido atendido o requisito presente no art. 47 da Resolução TSE n. 23.608/19, vez que, no seu entendimento, a Coligação Frentão e Abel Grave não juntaram aos autos os vídeos e demais provas concernentes ao que pretendem provar.

O art. 47 da Resolução TSE n. 23.608/19 assim prescreve:

Art. 47. No caso de representação instruída com vídeo ou áudio, a citação será acompanhada, se houver, de cópia da transcrição do conteúdo e da informação de dia e horário em que o material impugnado foi exibido.

Não procede.

Os pronunciamentos apontados como prática de conduta vedada, tanto os áudios (ID 11820133, 11820183, 11820233, 11820283, 11820333) como suas respectivas transcrições (ID 11819883, 11819933), foram trazidos aos autos na propositura da ação. Diga-se, áudios de qualidade suficiente a permitir o integral conhecimento das falas.

Ademais, os representados, cientes das imputações, apresentaram defesa e, também, o recurso que ora se julga, acompanhados de  transcrições de áudios.

Assim, afasto a preliminar.

2. Preliminar de indeferimento da inicial por inviabilidade de AIJE.

Os demandados apelam, ainda, pelo indeferimento da exordial ao argumento de que, para a configuração do abuso do poder, há obrigatoriedade de demonstrar o impacto da suposta irregularidade, o que não teria ocorrido. Pretendem reforçar a tese ao apontar o fato de terem sido derrotados na eleição, o que provaria não ter havido desequilíbrio no pleito.

Inválido o argumento.

A ação foi proposta com elementos suficientes a demonstrar fatos que, em tese, poderiam configurar abuso de poder. É pacífico o entendimento nesta Especializada, e no Poder Judiciário como um todo, de que os fatos indicados na petição inicial devem ser considerados de forma hipotética para o trâmite da ação. 

E não há como negar que, no presente processo, as circunstâncias indicadas pelo demandante na peça portal poderiam caracterizar aquelas situações objeto de ação de investigação judicial eleitoral, de modo que andou bem o juízo da origem ao conferir trâmite e exarar manifestação acerca do fundo da causa.

O segundo fundamento lançado, a sustentar a preliminar em questão, repousa no fato de que o recorrente Silvestre Antônio Rebelato exercia o mandato de vereador e, por isso, a fala por ele proferida, em sessão de Câmara de Vereadores, estaria amparada pela imunidade parlamentar.

Esta alegação igualmente não socorre os recorrentes.

Pronunciamentos feitos no exercício do mandato à vereança, ainda que cobertos pela imunidade parlamentar, não admitem todo e qualquer conteúdo, a uma, porque a imunidade parlamentar não é absoluta (como aliás qualquer direito, ainda que fundamental) e, a duas, por ser inaplicável para amparar exercício abusivo de mandato eletivo.

É o que se depreende da decisão do e. Tribunal Superior Eleitoral, de relatoria do Min. Henrique Neves da Silva:

ELEIÇÕES 2012. AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CONDUTA VEDADA E ABUSO DE PODER POLÍTICO. ARTS. 73, I E II, DA LEI Nº 9.504/97 E 22 DA LC Nº 64/90. CONFIGURAÇÃO.

1. O Tribunal Regional Eleitoral concluiu pela configuração da prática das condutas vedadas descritas nos incisos I e II do art.73 da Lei nº 9.504/97 e de abuso do poder político decorrente da realização de audiências públicas levadas a efeito por vereadores com a utilização de bens, servidores e da estrutura pública, para, sob o pretexto de discutir questões relativas a projeto de lei, apontar o então prefeito, candidato à reeleição, como grande inimigo de agricultores.

2. Segundo as premissas da decisão regional, as reuniões foram transmutadas em atos ostensivos de campanha eleitoral, extrapolando o debate político inerente às atividades do Poder Legislativo, considerando-se o número elevado de pessoas que lá compareceram e a grande repercussão do assunto na comunidade, o que demonstrou a gravidade da conduta de uso da máquina pública.

3. O quadro fático - obtido a partir do exame soberano das provas realizadas tanto pelo juiz de primeira instância quanto no acórdão recorrido - não pode ser alterado por esta Corte Superior em sede de recurso especial, a teor do que dispõem as Súmulas 7 do STJ e 279 do STF.

4. As práticas reconhecidas pelo acórdão regional enquadram-se, perfeitamente, nas proibições expressas nos incisos I e II do art. 73 da Lei nº 9.504/997, razão pela qual não há falar em ofensa a tais dispositivos.

5. A imunidade parlamentar não constitui princípio absoluto. Nenhum princípio ou garantia constitucional é irrestrito e não pode ser invocado para se sobrepor ao evidente exercício abusivo do mandato eletivo, a fim de beneficiar ou prejudicar determinado candidato.

Precedentes. Recursos especiais a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 1063, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Volume, Tomo 228, Data 02.12.2015, pp. 53-54.) (Grifei.)

 

Assim, afasto, igualmente, esta preliminar.

3. Preliminar de ilegitimidade do recorrente Ademar Zeni.

Os representados suscitam a ilegitimidade do candidato a vice-prefeito, Ademar Zeni, para compor o polo passivo da demanda, pois não teria concorrido na prática das condutas. Destacam que o art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 prevê a declaração de inelegibilidade apenas daqueles "quantos hajam contribuído para a prática do ato".

Convém gizar que, em tese, a ação de investigação judicial eleitoral pode resultar em cassação do registro ou do diploma, o que torna impositivo o litisconsórcio entre o candidato a prefeito e seu vice na chapa majoritária, pois eventual procedência da ação atingiria a ambos, independente da participação direta na conduta sancionada.

Dessarte, embora a conduta não tenha sido atribuída ao candidato, seria ele, igualmente, beneficiado pelo ato e, até por prestígio ao princípio da ampla defesa, o litisconsórcio necessário se impõe.

Ademais, a possibilidade de sanção ao beneficiário decorre de expressa previsão, contida no § 8º do art. 73 da Lei n. 9.504/97:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

§8º Aplicam-se as sanções do § 4º aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem.

 

Transcrevo ementa deste Regional:

Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Abuso de poder. Art. 22, XIV e XVI, da Lei Complementar n. 64/90. Representação. Condutas vedadas. Art. 73, I e III, da Lei n. 9.504/97. Propaganda eleitoral irregular. Resolução TSE n. 23.404/14. Prefeito, vice e partido político. Eleições 2014. Divulgação de material publicitário apócrifo, com conteúdo calunioso contra candidatura ao cargo de deputado estadual. Alegada utilização de agentes públicos e veículos da administração municipal para a distribuição. Deferimento parcial de pedido liminar, a fim de atender a demanda visando a busca e apreensão dos panfletos.

Preliminar de ilegitimidade passiva para a causa afastada. O vice-prefeito é parte legítima na ação, uma vez que existe litisconsórcio passivo necessário entre o titular e o vice, dada a possibilidade de ser afetado pela eficácia da decisão.

Embora comprovada nos autos a existência de material apócrifo, em infringência ao art. 5º, inc. IV, da Constituição Federal, não há como atribuir responsabilidade aos representados, diante da absoluta falta de provas com relação à autoria do material e de seu eventual envolvimento na distribuição. Tampouco restou comprovada a alegada utilização indevida de veículo ou servidor da Administração Municipal. Para a apuração do abuso de poder, econômico ou político, deve restar demonstrada violação à normalidade e legitimidade do pleito, considerando-se a gravidade das circunstâncias em que envolto o ato, não se perquirindo a sua potencialidade em afetar as eleições. Necessidade de prova inequívoca acerca da conduta ou da contribuição dos representados nos fatos. Insuficiência do conjunto probatório para a configuração das práticas do abuso de poder, condutas vedadas e propaganda eleitoral irregular. Improcedência.

(TRE-RS Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 187611, ACÓRDÃO de 19.4.2016, Relatora DESA. LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 74, Data 29.4.2016, p. 6.)

Rejeito, ainda, esta preliminar.

4. Preliminar de exclusão de documentos.

Já em sede de contrarrazões, a parte ré pugna pela exclusão dos documentos acostados ao recurso eleitoral de ABEL GRAVE e COLIGAÇÃO FRENTÃO, os quais se resumem à exordial de representação de direito de resposta e a despacho parcialmente concessório de liminar.

Observo que, em se tratando de decisões judiciais, documentos públicos usados apenas para corroborar a tese dos recorridos (aliás, não inovada), não vislumbro necessidade de determinação de exclusão dos documentos.

Assim, indefiro o pedido.

MÉRITO

Recurso da Coligação Aliança Popular, de Silvestre Antônio Rebelato e de Ademar Zeni.

Defendem-se os demandados de acusações de prática de abuso de autoridade e utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, via pronunciamentos na Câmara de Vereadores do Município de Ibirubá. Na oportunidade, o recorrido Silvestre Antônio Rebelato teria desbordado de sua atividade parlamentar e realizado propaganda de sua campanha ao cargo de prefeito, incorrendo na prática da conduta vedada prescrita no art. 7º, inc. II, da Lei n. 9.504/97.

Transcrevo os dispositivos pertinentes.

Lei Complementar n. 64/90, art. 22:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (Vide Lei nº 9.504, de 1997)

 

Lei n. 9.504/97, art. 7º, inc. II:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;

 

No caso, o demandado Silvestre, então candidato a prefeito do Município de Ibirubá, na data de 13.10.2020, no exercício do cargo de vereador, realizou pronunciamentos, na sessão da Casa Legislativa, ao apresentar projeto de lei para redução de subsídios do prefeito, vice-prefeito e dos secretários daquele município, para o período de 2021 a 2024. Conforme a sentença, o parlamentar fez discursos não-condizentes, portanto, com as atividades típicas da vereança, configurando, sim, ato de propaganda eleitoral, visto que os pronunciamentos do representado Silvestre Rebelato extrapolaram os limites da atuação parlamentar.

Relembro: foram juntados arquivos de áudio com o texto respectivo transcrito na peça inicial da representação.

Na sequência dos fatos, a manifestação foi considerada propaganda eleitoral, o que acarretou o encaminhamento de ofício pelo órgão ministerial à Câmara de Vereadores, conforme se extrai da manifestação da promotora de justiça, em parecer:

Veja-se: já havia chegado ao conhecimento desta signatária, por meio do aplicativo PARDAL, de que o referido candidato, na sessão do dia 13 de novembro, havia falado que se o projeto de redução dos referidos subsídios não fosse votado, caso fosse eleito prefeito, mandaria novamente, para apreciação da Casa Legislativa.

Na oportunidade, levando em consideração o disposto no art. 37, § 3.º, da Lei de Eleições, este órgão resolveu RECOMENDAR ao Poder Legislativo, no dia 29 de outubro, às 8h32min, para que nas transmissões, via rede social, NÃO FOSSEM VEICULADAS PROPAGANDA ELEITORAL, quando da fala de candidatos.

 

E, a despeito da recomendação recebida, na sessão da Câmara de Vereadores de 29.10.2020, o representado Silvestre Antônio Rebelato (Tuta) reiterou a prática. Transcrevo excertos das manifestações do vereador:

Tuta: (...)Vocês não perceberam ainda que nós tamos vivendo a pior crise da nossa história? Vocês não perceberam que tem milhões de pessoas desempregadas e aqui em Ibirubá, a hora que o governo deixar de man...de, de, de largar esse recurso, vai tê gente, gente nossa que vai batê na porta da Prefeitura precisando comida e esse dinheiro, meus amigos, esse recurso, você pode sonhá, pra dá isso aqui pras pessoas, eu tô pensando isso pras pessoas que menos têm.

(…)

Gente...eu sou um que vai...eu...vô dizê aqui, eu, eu tô, tô, tô advogando contra mim, eu tô lutando contra mim ee, vocês não, não, não tão correndo risco. É eu e o prefeito Abel. E eu tô aqui fazendo uma defesa com toda a veemência, que é do meu, é...do meu bolso se isso acontecer.

E vô dizê mais meus amigos, vô dizê mais pros senhores...vô dizê mais. Grava o que estô dizendo: se Deus e o povo me escolher pra ser o prefeito vereador Fior, eu vou mandá de volta o projeto pro ano que vem, pra Câmara que vem, e a senhora tomara que teja aqui, senhora, os que tão concorrendo, eu não vô tá...

(...)

Tuta: Eu tô dizendo e vô reafirmá são duas pessoas que podem tê esse, esse benefício, per...hããã, duas...eu sou uma delas, tô concorrendo, se o povo me escolhê, sou eu.

Então, daí eu fico interessado (incompreensível) ó, vocês tem o espaço pra falá pra defendê justifica: Não, não podemo baxá, o prefeito precisa ganhá mesmo mais que o prefeito de Porto Alegre, que o secretário tem que ganhá tan... sim, tá aberto o espaço aqui, tá aberto...(...) o passo seguinte se não votá aqui, não aprová o projeto hoje, não aprová o projeto hoje, ele vai, só tem uma maneira de voltá...se o...do Executivo, do prefeito que estiver lá mandar pra Câmara e ainda, vereadora, tem que ser aprovado pela Câmara. Vejam que nós temos, nós, nós não podemo perdê a oportunidade.,, isto vai sê para o futuro prefeito de Ibirubá, para o futuro prefeito de Ibirubá.

 

Incabível o argumento da defesa no sentido de que Silvestre somente reagiu a provocações de seus colegas de tribuna – a dinâmica das falas indica que se tratou de uma fala livre e desembaraçada. Quanto mais, note-se que a recomendação advinda do Ministério Publico Eleitoral já indicara que o conteúdo desbordava das matérias atinentes à atuação de vereador.

Em resumo: pelo que se extrai dos autos, inequívoca a extrapolação dos limites da atuação parlamentar, por meio de pronunciamento que desbordou para discurso de alusão à sua candidatura e aos seus futuros atos, eleito fosse. Portanto, manifesta a prática da conduta vedada descrita no art. 73, inc. II, da Lei n. 9.504/97 pelo recorrido Silvestre Antônio Rebelato, ao fazer uso de todo aparato para gravação e transmissão no perfil da Câmara de Vereadores do Município de Ibirubá, via Facebook, custeado por aquela Casa Legislativa, para promoção de sua campanha eleitoral.

A pretensão dos representados de socorrer-se na imunidade parlamentar do vereador, candidato à prefeitura, é superada pelo já exposto na segunda prefacial enfrentada. 

De todo modo, acresço a referência sentencial, no ponto:

No que tange à alegação de que as palavras proferidas pelo representado Silvestre Rebelato estariam cobertas pela imunidade parlamentar prevista no art. 29, inc. VII, da Constituição Federal de 1988, ressalto que o Colendo Tribunal Superior Eleitoral, em julgado transcrito pelos próprios representados na sua defesa (Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 1676-64.2014.6.08.0000, Relatora MINISTRA LUCIANA LÓSSIO), já pacificou o entendimento de que a imunidade parlamentar assegurada no art. 29, VIII, da CF/88, não é absoluta, tendo a ementa do referido aresto sido redigida nos seguintes termos:

“ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. ART. 73, 1 E II, DA LEI N° 9.504/97. NÃO CONFIGURAÇÃO. DISCURSO POLÍTICO COMPATÍVEL COM A ATIVIDADE PARLAMENTAR. INEXPRESSIVIDADE DA CONDUTA. DESPROVIMENTO. Se não houve proveito eleitoral no uso da tribuna da Câmara dos Vereadores para a realização de discurso eminentemente político, não há falar em uso indevido dos bens públicos para favorecimento de candidatura. Manifestação desprovida de finalidade eleitoral e condizente, portanto, com as atividades típicas da vereança não se confunde com ato de propaganda. Precedentes. Ainda que a imunidade parlamentar assegurada no art. 29, VIII, da CF/88 não constitua garantia absoluta como assentado por este Tribunal no REspe no 10-63/RS, no caso vertente, a conduta foi inexpressiva para a disputa eleitoral, fato que, por si só, mostra-se suficiente para sustentar a improcedência da representação. Precedentes. Agravo regimental desprovido”.

 

Por todo o exposto, entendo comprovada a prática da conduta vedada, de forma que se torna imperativo o desprovimento do recurso de Aliança Popular, Silvestre Antônio Rebelato e Ademar Zeni.

 

Recurso de Coligação Frentão e de Abel Grave.

Os representantes Coligação Frentão e Abel Grave insurgem-se contra a decisão do juízo a quo, em essência, nos seguintes termos:

A parte ré contestou ação, mas confessou a utilização indevida nos termos do art.73 II da lei das eleições e 22 da lei complementar 64/90, fato inclusive narrado pelo órgão do parquet que opinou pela aplicação da multa requerida na inicial e cassação do registro de candidatura, com cassação dos direitos políticos dos representados diante da gravidade da situação vivenciada no município, sendo que o Ministério Público de Ibirubá teve a exata sensação e foi testemunha ocular do impacto eleitoral que tal desobediência a lei eleitoral teve no pleito, ou seja, tomou ciência inequívoca da invergadura que tais pronunciamentos ilícitos tomaram da eleição, não havendo outra saída a não ser a punição máxima, por medida de justiça

(…)

Contudo, o magistrado quando da prolação da sentença, proferiu sentença que verdadeiramente estimula o descumprimento da lei eleitoral, aplicando sanção mais do que branda, ou seja, 5 mil para o candidato Silvestre e 5 mil para a coligação Aliança Popular.

(...)

A sanção nos moldes aplicados traz descrédito ao poder judiciário e sensação de impunidade aos representados, que certamente voltarão a utilizar tais armas, pois a sanção é quase uma bagatela para o poderio econômico do candidato e da coligação representada.

Assim, não resta outra alternativa a não ser a reforma da sentença, majorando a multa a patamar equivalente a reiteraçaõ da conduta, cassando o registro de candidatura dos representados, aplicando a sanção de perda dos direitos políticos por 8 anos ao candidato Antônio Silvestre Rebelato.

 

Ou seja, o apelo busca majorar a sanção pecuniária ao patamar máximo, promover a cassação do registro de candidatura dos representados e a perda dos direitos políticos por 8 anos.

Com efeito, o art. 73, §§ 4º, 5º e 9º, da Lei n. 9.504/97 estabelece as sanções aplicáveis ao caso, quais sejam, multa no valor de cinco a cem mil UFIR, cassação do registro ou do diploma e a exclusão dos partidos beneficiados na distribuição dos recursos do Fundo Partidário; a essas, soma-se a inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou o ato impugnado, determinada pela LC n. 64/90, também invocada pelos representantes.

Como visto na análise do recurso da Aliança Popular, Silvestre Antônio Rebelato e Ademar Zeni, a realização da conduta vedada prescrita no art. 73, inc. II, objeto dos autos, é incontroversa e, uma vez caracterizada, passa-se à análise da penalidade cabível.

Destaco que os representados não foram eleitos, logo, não há falar em cassação de registro ou diploma. E, embora inconteste o uso de materiais e serviços custeados pela Câmara de Vereadores, ausente está a gravidade exigida para a imposição da severa sanção. Os pronunciamentos, ainda que indevidos, não afetaram a normalidade do pleito, ainda que tal fronteira seja complexa, é de se confessar. Note-se, por exemplo, que, segundo o entendimento da Corte Superior, os §§ 4º e 5º do art. 73 da Lei Eleitoral não trazem de forma obrigatória e taxativa a cumulatividade das sanções de multa e cassação, devendo ser analisadas as peculiaridades do caso concreto à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. (RESPE n. 37130, Acórdão, Relator Min. Edson Fachin, Relator designado Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 235, Data 16.11.2020).

Nessa linha, a sentença bem utilizou o princípio da proporcionalidade ao fundamentar o afastamento das sanções extremas, in verbis:

Com arrimo nos critérios da proporcionalidade e razoabilidade, cotejando o princípio da continuidade dos serviços públicos com o da isonomia de oportunidades entre os concorrentes ao pleito, tenho que a conduta reprovada não é grave a ponto de justificar sanção extrema, como a da cassação de registro de candidatura, bastando a imposição da penalidade pecuniária aos candidatos demandados (abuso político) e, por corolário, à coligação pela qual concorreram.

 

Na doutrina, vale a leitura do artigo de Rodrigo López Zílio publicado na Revista deste Regional, v.16 – número 33, de julho/dezembro de 2011, sob o título Potencialidade, Gravidade e Proporcionalidade: uma análise do art. 22, inciso XVI, da Lei Complementar N. 64/90. Transcrevo excerto:

Em suma, havendo adequação típica ocorrerá, de regra, o sancionamento respectivo, o qual deverá observar o princípio da proporcionalidade, ou seja, no caso concreto e com base na prova colhida na instrução processual, o juízo, sempre que possível, velará pela aplicação da sanção, mas com a proibição do excesso sancionatário. Dito de outro modo, a sanção a ser aplicada deve guardar razoabilidade com o ato praticado e com a quebra do bem jurídico tutelado; logo, sendo suficiente a imposição da multa para a reposição do status violado pela conduta vedada, é inadequada a cassação do registro ou do diploma do candidato.

 

No que concerne à fixação do valor da multa (que, conforme o Tribunal Superior Eleitoral é de aplicação impositiva, não havendo falar em princípio da insignificância - AgRg-AI n. 11.488/PR – j. 22.10.2009), entendo que bem andou o juízo a quo ao aplicar, também aqui, o princípio da proporcionalidade, adequando a pena ao caso concreto, idêntico e elogiável proceder havido perante a questão da declaração de inelegibilidade por 8 anos.

Senão vejamos.

O uso indevido dos meios de comunicação social pode, efetivamente, se dar por meio das redes sociais. No caso dos autos, o perfil do Facebook da Casa Legislativa do Município de Ibirubá foi usado pelo vereador, candidato à prefeitura, para, em meio a discurso parlamentar, referir sua candidatura e estabelecer diante do público assistente o conhecimento de sua intenção de reapresentar projeto de lei para redução do subsídio do prefeito, vice-prefeito e secretários, se eleito fosse.

Contudo, pronunciamentos realizados em duas sessões legislativas municipais, em meio a manifestações que pontuavam contra as falas do recorrente, não são suficientes para configurar o abuso ora sob exame. Note-se, nessa toada, o entendimento exarado pelo TSE no REspe n. 97229, julgado em 28.5.2019, relatoria do Min. Luís Roberto Barroso:

(…)

O uso indevido dos meios de comunicação se configura quando há um desequilíbrio de forças decorrente da exposição massiva de um candidato nos meios de comunicação em detrimento de outros, de modo apto a comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito (REspe n° 4709-68/RN, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 10.05.2012). Tal desequilíbrio pode ser causado quando há uma exposição excessiva de caráter positivo (favorecimento) ou negativo (desfavorecimento). De acordo com o TSE, "o uso indevido dos meios de comunicação social não pode ser presumido e requer que se demonstre a gravidade em concreto da conduta, com mácula à lisura do pleito" (REspe n° 225-04/BA, ReI. Mm. Jorge Mussi, j. em 26.06.2018) (…)

 

Ora, no caso não há falar em desequilíbrio de forças, pois dois eventos isolados não têm o poder de proporcionar ao candidato uma exposição massiva. Considerando as circunstâncias e o resultado das eleições no município, não se evidencia gravidade suficiente a configurar o abuso de poder.

Este mesmo é o entendimento da douta Procuradoria Regional Eleitoral:

Quanto à declaração da inelegibilidade pela prática de abuso de poder, verifica-se que, ainda que a sentença não tenha sido expressa, afastou a existência do abuso de poder, pois não aplicou nenhuma das sanções previstas no inc. XIV do art. 22 da LC 64/90 (...)

E andou bem a sentença neste ponto, pois a caracterização do abuso de poder pressupõe a gravidade da conduta nos termos do inc. XVI do art. 22 da Lei Complementar 64/90, quando dispõe que, para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

As circunstâncias possuirão gravidade suficiente para configurar o ato abusivo se os atos praticados importarem em prejuízo à normalidade e legitimidade do pleito, bem jurídico tutelado conforme se extrai do § 9º do art. 14 da CF/88 e art. 19, § único, da LC 64/90.

O fato de o representado SILVESTRE se utilizar da tribuna da Câmara dos Vereadores de Ibirubá para angariar votos dos eleitores não teve a repercussão desejada, conforme admitido pelos próprios recorrentes em seu recurso de apelação. Veja-se:

O proveito eleitoral foi escandaloso, mas insuficiente para ganhar uma eleição já demonstrava decidida, ou seja, utilizando dos meios vedados do art.73 II da lei da eleições tentou virar o jogo, utilizando de arma que o adversário não possuía a sua disposição, havendo assim, como dito, uma verdadeira disparidade de armas, sendo que os representados utilização de equipamentos da casa legislativa para angariar vantagem eleitoral de maneira escandalosa, não respeitando nada e ninguém.

[…]. (ID 11822583, fl. 6 do PDF)

No presente caso, limitando-se os fatos a dois pronunciamentos na Câmara de Vereadores, não restou caracterizada o prejuízo à normalidade e legitimidade do pleito, o que termina por afastar a configuração do abuso de poder e, via de consequência, as sanções aplicáveis a este.

 

Assim, caracterizada a conduta vedada, sem, contudo, estar carregada de gravidade suficiente a amparar sanções de inelegibilidade ou a aplicação de multa acima do mínimo legal, entendo que não devam ser providos quaisquer dos recursos.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO para afastar as preliminares e pelo desprovimento dos recursos de ABEL GRAVE e COLIGAÇÃO FRENTÃO, bem como dos apelos da ALIANÇA POPULAR, SILVESTRE ANTONIO REBELATO e ADEMAR ZENI.