REl - 0600720-63.2020.6.21.0020 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/02/2021 às 10:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, na ação proposta na origem, a coligação ora recorrente sustenta que houve  ameaça de parte de Guilherme Eugênio Granzotto, candidato à reeleição ao cargo de prefeito, contra o eleitor Thagor Cesar Basso, por meio de uma ligação telefônica realizada em 30.10.2020, cujo áudio está acostado no ID 11818733.

Assim, argumenta a recorrente que o comportamento violento e ameaçador do candidato acabou por refletir no comportamento dos munícipes, principalmente no tocante ao embate entre eleitores, atentando contra a liberdade de voto e quebrando a igualdade de oportunidades no pleito eleitoral.

Por tais razões, a coligação requer a condenação do candidato nas incursões ao art. 301 do Código Eleitoral, bem como seja reconhecido o abuso do poder econômico, sujeitando-o à declaração de inelegibilidade de que trata o art. 1º, inc. I, al. “j”, da LC n. 64/90, nos termos do art. 22, inc. XIV, do mesmo diploma.

A douta Magistrada a quo, Dra. Lilian Paula Franzmann, em proficiente sentença, entendeu pela ausência de elementos mínimos para o cabimento da ação, extinguindo o feito sem resolução de mérito por inépcia da inicial, com os seguintes fundamentos (ID 11818983):

Dispõe a alínea “c”, do inciso I, do artigo 22 da Lei Complementar nº 64/90, que o juiz eleitoral “indeferirá desde logo a inicial, quando não for caso de representação ou lhe faltar algum requisito desta lei complementar”. O fato narrado na inicial – ligação telefônica em que o atual prefeito de Aratiba/RS diz ao representante para que ele pare de pressionar seus empregados a votarem no candidato oponente, não é caso de representação, pois nele não se vislumbra a prática de abuso de poder político ou econômico, tampouco dos crimes supostamente alegados pelo autor.

 

O abuso de poder político consuma-se [...] pela utilização desmedida de aporte patrimonial que, por sua vultosidade, é capaz de viciar a vontade do eleitor, desequilibrando a lisura do pleito e seu desfecho [...]" (AgR–REspe nº 131–63/CE, rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 27.11.2018, DJe de 11.12.2018). Em momento algum da conversa objeto da representação percebe-se fato que se caracterize como “uso de meios econômicos em montante capaz de viciar a vontade dos eleitores do Município de Aratiba/RS e desequilibrar a atual eleição”.

 

Ao seu turno, o abuso de poder econômico se verifica quando "a estrutura da administração pública é utilizada em benefício de determinada candidatura ou como forma de prejudicar a campanha de eventuais adversários" (RO nº 2650-41/RS, Rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes, DJe de 8.5.2017). Da mesma forma que no caso do abuso de poder econômico, não se percebe o uso da máquina pública, atualmente controlada pelo candidato da representada, para beneficiar sua própria campanha ou para prejudicar adversários. Por outro lado, o que se constata, é que o próprio representante pode ter sido beneficiado por ações potencialmente ilegítimas do Município de Aratiba/RS – terraplanagens e contratações, fatos os quais, ao contrário dos ora analisados, merecem apuração por parte do Ministério Público Eleitoral.

 

Evidentemente, na propositura de uma ação eleitoral, não se pode exigir do representante que comprove, desde logo, os fatos alegados, cabendo à fase de produção de provas tal finalidade. Porém, não é possível prosseguir com uma representação sobre acontecimentos que sequer podem ser enquadrados nas hipóteses de cabimento previstas no artigo 22 da Lei Complementar nº 64/90 e para os quais a dilação probatória nada teria a acrescentar nesse tocante.

 

Ademais, a condenação por crime, salvo poucas exceções previstas na legislação, como no caso dos crimes de calúnia, injúria e difamação, depende de processo criminal promovido pelo titular da ação penal – o Ministério Público Eleitoral – conforme prevê o artigo 129, inciso I, da Constituição Federal. A consequência pretendida pelo representante não pode, portanto, ser obtida por meio da atual demanda.

 

Por fim, ad argumentandum tantum, destaque-se que se é verdadeiro o que foi dito pelo candidato a prefeito na conversa telefônica, quem praticou, em tese, o crime previsto no artigo 301 do Código Eleitoral foi o próprio representante, pois estaria coagindo seus empregados a votar em candidato de sua preferência.

 

A bem-lançada sentença não merece reforma.

Com efeito, sob a ótica do caput do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, o abuso de poder representa um instituto de textura aberta, não sendo definido por condutas taxativas ou verbos predefinidos na lei. Trata-se, na dicção de José Jairo Gomes, “de conceito fluido, indeterminado, que, na realidade fenomênica, pode assumir contorno diversos” (Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 655).

Uma ação somente pode ser considerada abusiva a partir da constatação do caso concreto e de suas circunstâncias, tendo em conta a finalidade da norma, qual seja, impedir que práticas e comportamentos graves, destoantes do exercício regular e legítimo de posições públicas, influenciem na normalidade e na legitimidade do pleito, bem jurídico tutelado pelo dispositivo, nos exatos termos do art. 14, § 9º, da CF/88.

Portanto, a caracterização do ato abusivo reclama a demonstração, por prova robusta e segura, da gravidade das circunstâncias, aptas a romper a normalidade e legitimidade da eleição.

Há, portanto, uma preponderância da gravidade da conduta sobre a eventual potencialidade na alteração do resultado da eleição. 

É assim o preceito contido no art. 22, inc. XVI, da LC n. 64/90, consoante o qual, “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.

Na hipótese dos autos, o simples diálogo travado entre o candidato e o eleitor não configura abuso de poder político ou econômico, cabendo ressaltar que, na verdade, o candidato Guilherme busca, por ameaças políticas e jurídicas, fazer cessar a suposta interferência do eleitor THAGOR sobre o voto de seus empregados.

Dessa forma, o quadro fático descrito na inicial não é suficiente para a configuração de abuso de poder político, econômico ou midiático, pois a conduta não ostenta repercussão e gravidade capaz de acarretar quebra na normalidade e legitimidade das eleições que fundamentam a aplicação das penalidades insculpidas no art. 22, caput, da LC n. 64/90.

Assim é que, na esteira do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, não imputados fatos que confiram substrato mínimo à alegação de prática de abuso do poder político ou econômico, deve ser integralmente confirmada a sentença que julgou inepta a petição inicial.

No tocante ao pedido de condenação às sanções previstas no art. 301 do Código Eleitoral, trata-se de pretensão a ser deduzida privativamente pelo Ministério Público Eleitoral por meio da ação penal pública, nos termos do art. 355 do Código Eleitoral, sendo incabível a sua apreciação nos presentes autos.

Registro, por fim, que ainda se superada a inadequação da via escolhida, como ocorre nos termos do art. 22, inc. I, al. “c”, da LC n. 64/90, a coligação demandada carece de legitimidade passiva para a presente ação.

Com efeito, as sanções previstas pelo art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90, em caso de procedência da ação (declaração de inelegibilidade e cassação do registro ou diploma), são impossíveis de serem aplicadas a pessoas jurídicas.

Houvesse a lei previsto a aplicação de alguma pena pecuniária, estariam as empresas, partidos ou coligações legitimados a responder a AIJE. Como não o fez, ainda que inicialmente aceita a inclusão da coligação na lide, é de ser reconhecida a sua ilegitimidade para a causa.

Nesse sentido, o seguinte julgado deste Tribunal:

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Abuso de poder. Discurso. Inauguração de obra pública. Improcedência. Eleições 2016. Preliminar afastada. Reconhecimento da ilegitimidade da coligação para figurar no polo passivo, haja vista a inaplicabilidade das sanções decorrentes de eventual procedência da AIJE às pessoas jurídicas. Incabíveis a declaração de inelegibilidade e a cassação do diploma às coligações. Mantida a extinção da ação referente à coligação. Discurso por prefeito, com referência a candidato à eleição e com crítica à administração de governo pretérito, durante inauguração de obra pública. Preleção adstrita ao campo político, com exposição de opiniões, de pontos de vista divergentes e com abertura de espaço ao confronto de ideias. Não vislumbrada a ocorrência da quebra de isonomia entre os candidatos. Provimento negado.

(TRE-RS - RE: 47992 CAXIAS DO SUL - RS, Relator: DR. LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, Data de Julgamento: 13.12.2016, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 227, Data 15.12.2016, p. 6.) (Grifei.)

 

Por todo o exposto, na esteira da manifestação ministerial, a confirmação da sentença que indeferiu a petição inicial da presente demanda é medida que se impõe.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.