PC - 0600284-38.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/02/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, os embargos de declaração servem para afastar obscuridade, omissão, contradição ou erro material, nos termos do art. 275 do Código Eleitoral e art. 1.022 do Código de Processo Civil.

Por sua vez, o embargante entende que o acórdão aplicou precedente do TSE que, de forma concomitante, reconheceu não se adequar ao caso concreto, revelando a contradição ou obscuridade na fundamentação, pois, se o julgado não serve de parâmetro, não devem ser aplicadas as suas diretrizes ao contexto fático em exame.

Sem razão o embargante quanto ao ponto.

Em realidade, não houve adoção estrita do citado precedente jurisprudencial na solução do caso concreto, representado pelo paradigmático voto de relatoria da Min. Rosa Weber na PC n. 228-15, julgado na sessão de 26.4.2018 pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Resta claro na decisão que o aludido precedente apenas é utilizado como reforço argumentativo, em conjunto com o entendimento manifestado pelo TSE no julgamento da PC n. 26054, relatado pelo Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 26.4.2017, com as demais ponderações baseadas na legislação de regência e nos princípios jurídicos aplicáveis.

Assim, ao contrário da aplicação direta e imediata de determinado julgado anterior, como sugere o embargante, a decisão recorrida elucida o panorama jurisprudencial da Corte Superior pertinente à matéria, pontuando a observância da legalidade estrita e o especial rigor fiscalizatório exigidos quando o destinatário dos recursos públicos manejados pela agremiação é dirigente partidário ou pessoa ligada à cúpula do partido, hipótese dos autos.

Ademais, o principal fundamento para a desaprovação restou consignado como a ausência de documentos idôneos de comprovação das despesas, mormente “do respectivo contrato de trabalho ou de prestação de serviços ou de nota fiscal, a partir dos quais se pudesse verificar o detalhamento da contraprestação realizada pela contratada, em transgressão ao estipulado no art. 18 da Resolução TSE n. 23.464/15”.

Transcrevo a passagem do aresto que melhor evidencia a questão ora exposta:

Diante disso, embora o gasto discriminado na tabela 2, relacionado à contratação do escritório de advocacia, esteja suficientemente comprovado por meio do instrumento contratual e da nota fiscal, o mesmo não ocorre quanto às despesas atinentes à tabela 1.

Nesse ponto, trago a lume passagem de voto do ilustre Ministro Henrique Neves que, julgando matéria análoga em sua passagem pelo TSE, afirmou que, "se o partido político deve manter atenção em relação a toda documentação que envolve a utilização de recursos públicos, tal atenção deve ser redobrada quando o destinatário dos recursos públicos é dirigente partidário ou pessoa ligada à cúpula partidária, em relação às quais não pode haver a mínima dúvida sobre a legalidade dos pagamentos realizados" (TSE - PC n. 26054, Relator: Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 26.4.2017).

Quanto ao tema, o TSE já decidiu, inclusive, que a contratação pelo partido político de fornecedor de serviços, pessoa física, que seja dirigente do partido, utilizando-se de recursos públicos, é atentatória aos princípios da moralidade e da impessoalidade que conferem pilar ao Estado Republicano, conforme ilustra a seguinte ementa:

PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. DEMOCRATAS (DEM) - EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2012. IRREGULARIDADES QUE TOTALIZAM 9,51% DO VALOR RECEBIDO DO FUNDO PARTIDÁRIO. REITERADO DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE DESTINAÇÃO DE RECURSOS AO INCENTIVO À PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DA MULHER. CONTAS DESAPROVADAS PARCIALMENTE. IMPOSIÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO E SANÇÕES DE ACRÉSCIMO DE 2,5% NO GASTO COM O INCENTIVO À PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA E SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO PELO PERÍODO DE 1 (UM) MÊS.

(…)

4. Este Tribunal Superior tem entendido que "é de se ter enraizada nas estruturas partidárias a consciência da transparência, da moralidade, da economicidade, da razoabilidade, da boa-fé, da cooperação e de outros importantes princípios norteadores das despesas com recursos públicos, exatamente para que os gastos com o Fundo Partidário não percam a natureza de sustentação do modelo republicano brasileiro" (PC nº 229-97, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 19.4.2018).

5. À luz do princípio da moralidade, não há como admitir que sejam contratadas para prestar serviços ao partido empresas pertencentes a dirigentes dele. Da mesma forma, tal contratação não permite o atendimento do princípio da economicidade, pois nunca se poderá saber se os serviços foram prestados com qualidade e modicidade de custo ou se eventual falta de qualidade ou preço acima do justo foram relevados pelo fato da empresa pertencer a dirigente partidário.

6. Ainda que admitida a possibilidade de tal contratação, seria necessário grau elevado de transparência diante da existência de transação entre partes relacionadas, com a apresentação de contrato escrito detalhando todas as peculiaridades da transação, relatórios claros das atividades desenvolvidas e demonstração de custos compatíveis com o mercado, inexistentes no caso concreto.

(TSE – PC n. 0000228-15.2013.6.00.0000, Relatora Min. Rosa Weber, julgado em 26.4.2018, publicado no DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 110, Data: 06.6.2018, pp. 57-58.) (Grifei.)

 

Muito embora esse último precedente não se amolde ao caso concreto, pois a contratada ocupava mero cargo de membro executivo em instância partidária diversa, sem atribuição específica de direção, o posicionamento reforça a necessidade de adoção de critérios e mecanismos especialmente rigorosos de fiscalização pelos órgãos da Justiça Eleitoral quando a contratação envolver pessoas físicas vinculadas aos quadros da própria agremiação.

Assim, em relação aos serviços contemplados na tabela 1, não houve a juntada do respectivo contrato de trabalho ou de prestação de serviços ou de nota fiscal, a partir dos quais se pudesse verificar o detalhamento da contraprestação realizada pela contratada, em transgressão ao estipulado no art. 18 da Resolução TSE n. 23.464/15, verbis:

Art. 18. A comprovação dos gastos deve ser realizada por meio de documento fiscal idôneo, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

§ 1º Além do documento fiscal idôneo a que se refere o caput deste artigo, a Justiça Eleitoral pode admitir, para fins de comprovação de gasto, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos, tais como:

I – contrato;

II – comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço;

III – comprovante bancário de pagamento; ou

IV – Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social (GFIP).

§ 2º Quando dispensada a emissão de documento fiscal, na forma da legislação aplicável, a comprovação da despesa pode ser realizada por meio de documentação que contenha a data de emissão, a descrição e o valor da operação ou prestação, a identificação do destinatário e do emitente pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

 

Colho o correto apontamento vertido do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 4926833, fl. 9):

No caso em tela, contudo, não há a juntada de qualquer documentação nesse sentido, tal como contrato de prestação de serviços em que se refira a natureza da contraprestação, a sua quantidade, os prazos e o preço contratado. De fato, não há qualquer documento que evidencie o caráter obrigacional das atividades elencadas nos esclarecimentos do prestador de contas, não sendo possível extrair que foram realizadas como contraprestação aos valores recebidos, no âmbito de um vínculo contratual. Note-se que, à míngua de tal espécie de documento, a burla à regra torna-se extremamente fácil, podendo o gasto ser referenciado a qualquer tipo de atividade aleatória por parte da pessoa supostamente contratada. O que se verifica nos autos, pelo contrário, é a mera informação de uma remuneração fixa e mensal em prol da aludida pessoa física, a qual é atrelada a uma rubrica genérica de serviço autônomo, sem qualquer identificação do tipo e natureza da atividade, da produção necessária, do valor por unidade e do lapso de tempo em que necessária a prestação.

Da mesma forma, nas explicações fornecidas pela agremiação, não se vislumbra efetiva vinculação de despesa com a atividade partidária da esfera estadual, configurando o descumprimento do art. 44 da Lei n. 9.096/95, que arrola taxativamente as hipóteses de gastos passíveis de utilização de recursos do Fundo Partidário.

Com efeito, as referidas atividades e produções de cunho partidário e político realizadas pela contratada, incluindo aconselhamentos sobre questões políticas, publicação de artigos e participação em eventos, bem podem se situar no contexto de sua atuação como militante ou membro da executiva nacional do PSOL, qualidade na qual, inclusive, é referida nos artigos elencados, não havendo clareza dos motivos que ensejaram a contratação pelo órgão de esfera estadual.

Ademais, não se revela, nos serviços realizados, alguma necessidade ou benefício específico e concreto ao diretório estadual que justificasse o seu interesse na contratação. Bem ao contrário, as notícias trazidas aos autos, publicadas em sítio eletrônico da própria contratante, e não do partido, evidenciam o ativismo a título pessoal da dirigente.

Sobre o aspecto, adoto, mais uma vez, como fundamentação, o pronunciamento da Procuradoria Regional Eleitoral:

Por outro lado, com relação à participação em eventos, em alguns deles não está referenciada a posição da pessoa física como representante do partido, e, ainda assim, tem-se que tais atividades defluem naturalmente da condição de membro ou dirigente do partido, não podendo ser contratadas e pagas como um “serviço prestado”, senão apenas ressarcidas eventuais despesas com viagens, acomodações, entre outras, as quais, ademais, possuem rubricas específicas na prestação de contas partidária. Ademais, não se pode conceber que o mero ativismo político de um filiado do partido possa ser considerado como atividade remunerada, como se o engajamento político do cidadão pudesse ser comprado, em evidente inversão da lógica e motivação do vínculo associativo e partidário. Mesmo assim, a justificativa para o gasto não se deu ante a eventual condição de dirigente do partido.

 

Nesse panorama, a utilização dos recursos públicos do Fundo Partidário sem a demonstração da sua aplicação vinculada (art. 44 da Lei n. 9.096/95) constitui irregularidade grave, apta em tese a ensejar a desaprovação das contas, mormente quando constatada a sua destinação em favor de particulares, como é o caso dos autos.

 

Dessa forma, não se constata qualquer obscuridade ou contradição entre o exame dos precedentes jurisprudenciais referidos e as conclusões vertidas do acórdão embargado.

Em continuidade, as razões recursais invocam diversos argumentos a fim de sustentar a licitude dos gastos com valores públicos, quais sejam, em síntese: (i) de que a contratada Luciana Genro demonstrou a realização de diversas atividades políticas alinhadas às finalidades essenciais da agremiação; (ii) de que os serviços prestados propiciaram o crescimento político do partido; (iii) de que a ordem jurídica não veda à agremiação remunerar o ativismo ou a militância de importantes lideranças partidárias; (iv) de que tal tipo de incursão no gasto partidário não integra os poderes de fiscalização da Justiça Eleitoral, bem como (v) de que a nota fiscal ou o recibo são documentos suficientes para a comprovação dos gastos, sendo o contrato meio subsidiário, cuja ausência não pode ser invocada como fundamento à desaprovação das contas.

Muito embora as colocações trazidas no recurso sejam relevantes e tenham sido formuladas com apuro técnico e destacada eloquência, instigando novas reflexões sobre o tema por parte deste julgador, a presente via processual não admite a pretendida rediscussão dos fatos e das provas dos autos.

Quanto ao ponto, ressalto que a parte teve a oportunidade de oferecer suas teses de defesa no curso da instrução processual, tanto anteriormente (ID 4502633, 4502683 e 4502433) quanto após o parecer ministerial, que opinou pelo reconhecimento da irregularidade (ID 5254433 e 5416983), o qual restou inteiramente acolhido pelo acórdão embargado.

Trata-se, portanto, de inovação argumentativa que não configura omissão do aresto (TSE, ED-AgR-Al n. 211-86/RS, Rel. Min. Sergio Banhos, DJe de 02.8.2019, e ED-REspe 2351-86, Relatora Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 18.8.2016), bem como de desdobramentos das articulações da defesa anteriormente oferecida, já infirmados pela fundamentação do acórdão.

Destarte, a insurgência, nesse aspecto, volta-se às conclusões alcançadas pela Corte, matéria a ser invocada no recurso dirigido à superior instância.

Por fim, o embargante afirma que “a correção espontânea da irregularidade pelo prestador de contas exaure o apontamento e afasta a imposição da pena pecuniária”.

O argumento relaciona-se à irregularidade no repasse de recursos do Fundo Partidário para quitação de dívida do órgão partidário de Viamão, em período no qual a instância municipal estava impedida, por decisão judicial, ao recebimento das novas verbas da espécie, infringindo o art. 23, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Não obstante, houvesse ocorrido o recolhimento no próprio exercício financeiro sob exame, realmente se poderia cogitar no afastamento da irregularidade. Entretanto, a medida foi tomada somente no ano seguinte, após o apontamento realizado pela Unidade Técnica, não o bastando, desse modo, à superação da falha, conforme enfrentamento realizado no acórdão:

Por sua vez, a agremiação sustenta que realizou o pagamento de boa-fé, pois não tinha conhecimento da suspensão a que se sujeitava o diretório municipal naquele período (ID 5254433). Visando demonstrar a sua boa-fé, junta aos autos o comprovante de recolhimento ao Tesouro Nacional, em 04.02.2019, do valor apontado como irregular (ID 5254483).

A providência, porém, representa simples cumprimento voluntário da consequência legal de restituição ao erário dos recursos públicos utilizados indevidamente, o que não tem o condão de afastar a caracterização da própria irregularidade, consistente no uso de verbas de Fundo Partidário com infringência ao art. 23, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.464/15, capaz de motivar a desaprovação das contas.

(…).

Ressalto que, uma vez realizado espontaneamente o depósito integral do montante irregular referido no item 1 (R$ 6.100,00) ao Tesouro Nacional, incabível qualquer determinação judicial no mesmo sentido e para os mesmos fins, sob pena de odioso bis in idem.

A antecipação da providência, por outro lado, não afasta a multa incidente sobre o aludido valor, que deve ser aplicada como meio de reprovação à irregularidade então praticada, independentemente do ressarcimento aos cofres públicos.

Destarte, o conjunto e o percentual alcançado pelas irregularidades conduz à desaprovação e, por consequência, à multa prevista no art. 37 da Lei n. 9.096/95 e do art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15, estabelecido pelo acórdão embargado no patamar de 5% sobre a importância apontada como irregular.

 

Assim, não está presente nenhum dos vícios que autorizam o manejo dos aclaratórios, pois os fundamentos do acórdão são extraídos do caderno probatório e estão em harmonia com as razões de convencimento e com o dispositivo da decisão, havendo o exame de todos os elementos essenciais ao deslinde da controvérsia e oportunamente alegados pela agremiação.

Por fim, na linha do disposto no art. 1.025 do Código de Processo Civil, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou para fins de prequestionamento.

 

Ante o exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.