REl - 0600943-72.2020.6.21.0163 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/02/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso foi interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL dentro do prazo de três dias, contados do ato de intimação da sentença, em atenção ao art. 41-A, § 4º, da Lei n. 9.504/97, preenchendo, também, os demais pressupostos de admissibilidade, comportando conhecimento.

Mérito

O Juízo da 163ª Zona Eleitoral de Rio Grande julgou a presente representação improcedente, sob o fundamento de que a praça construída por iniciativa do recorrido na Rua 04 (entre as Ruas 11 e 12) da 4ª Seção da Barra no referido município, sem anuência do órgão público competente, em período próximo ao feriado de 12 de outubro de 2020, com alegado intuito de obtenção de votos em favor da sua candidatura ao cargo de vereador, beneficiou a comunidade como um todo, de modo que não teriam sido individualizados, tampouco seriam identificáveis os seus beneficiários, requisito indispensável à configuração da captação ilícita de sufrágio descrita no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

No tocante ao recurso interposto, consigno, inicialmente, assistir razão ao Ministério Público Eleitoral quando sustenta que, na esteira da jurisprudência consolidada pelo Tribunal Superior Eleitoral, a caracterização do ilícito eleitoral em comento prescinde da individualização dos eleitores beneficiados com a oferta, doação, promessa ou entrega de bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza em troca da destinação do seu voto à determinada candidatura, bastando sejam eles identificáveis a partir do cenário fático delineado na inicial e posto sob debate ao longo da instrução do processo (REspe n. 28.441, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, Relator designado Ministro MARCELO RIBEIRO; REspe n. 25.256, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, julgados respectivamente em 06.3.2008 e 16.02.2006).

Como leciona ZILIO:

Para a configuração do ilícito a conduta deve ser dirigida a eleitor determinado ou determinável.

(...)

O TSE tem entendido que “para a caracterização do art. 41-A da Lei das Eleições, não se faz indispensável a identificação do eleitor” (Recurso Especial Eleitoral nº 25.215 – Rel. Min. Caputo Bastos – j. 04.08.2005). Assim, em caso de pluralidade de eleitores corrompidos, é possível reconhecer o ilícito sem a necessidade de qualificação individual de cada um, até mesmo porque a exigência da identificação nominal dos eleitores significa o esvaziamento da norma punitiva. Desta feita, o oferecimento de vantagem ou benefício dirigida a moradores de uma associação de bairro, concretizada em uma reunião da comunidade local, em tese, é possível de se caracterizar como infração ao art. 41-A da LE (ZILIO, Rodrigo Lopez. Direito Eleitoral. 5ª ed., Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico pp. 594 e 596).

 

Logo, o fato de a obra ter favorecido os moradores da comunidade da 4ª Seção da Barra de Rio Grande como um todo e, eventualmente, como asseverado na sentença, os visitantes do bairro, não constitui circunstância impeditiva ao reconhecimento da prática ilícita, uma vez que os eleitores beneficiados são passíveis de identificação para fins de incidência da norma proibitiva contida no art. 41-A da Lei das Eleições.

Todavia, ainda que se acolhesse o argumento recursal, ele não teria força para modificar a  conclusão a que chegou o órgão sentenciante ao efeito de se julgar procedente a demanda, pois, na hipótese concreta, inexiste prova contundente de que a vantagem concedida aos moradores da localidade tenha sido condicionada à destinação do seu voto à candidatura do recorrido.

Como consabido, a captação ilícita de sufrágio somente se aperfeiçoa quando alguma das ações típicas elencadas no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 (doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, ou, ainda, praticar violência ou grave ameaça ao eleitor), cometidas durante o período eleitoral, estiver, intrinsecamente, associada ao objetivo específico de agir do agente, consubstanciado na obtenção do voto do eleitor (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12ª ed. São Paulo: Atlas, p. 725), sendo que a ausência de qualquer um desses vetores integrativos conduz, inevitavelmente, ao juízo de improcedência da demanda (TSE, AI n. 00018668420126130282/MG, Relator Ministro Gilmar Ferreira Mendes, DJE de 02.02.2017, pp. 394-395).

Transcrevo o dispositivo legal em tela:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3º A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4º O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

Prosseguindo na análise do quadro probatório, consigno que a obra disponibilizada pelo recorrido aos moradores não constitui uma praça propriamente dita. No vídeo n. 04 (ID 11561533) e nas fotografias juntadas ao procedimento relativo à Notícia de Fato n. 00852.002.388/2020 (ID 11562183, p.24), observa-se um terreno, de dimensões modestas, cercado por tela de metal afixada em pilares de concreto coloridos, no qual foram dispostos pneus pintados de diversas cores e alguns bancos, não se avistando outros atrativos, a exemplo de brinquedos para as crianças ou mesmo qualquer tipo de vegetação.

Reproduzo, a seguir, as imagens trazidas no ID 11561283:

 

 

No vídeo n. 01 (ID 11561333), o recorrido aparece explicando aos moradores da Barra de Rio Grande que havia removido o campo de futebol do local porque este interrompia a continuidade da via pública e que, em substituição, construiria uma pracinha para recreação infantil e plantaria mudas de árvores frutíferas, uma vez que os moradores o haviam procurado solicitando providências quanto ao uso do espaço para o estacionamento de caminhões e despejo da água da carga de peixe transportada, ocasionando maus odores no ambiente. Acrescentou que jamais faria algo para prejudicar o bairro, ao que se denota ter gravado o vídeo em resposta a críticas à sua atuação como liderança comunitária.

O vídeo n. 01 e o de n. 02 (ID 11561383) – em que o recorrido aparece envolvido nas obras de construção da praça – foram postados nos grupos de WhatsApp denominados Polêmicas da Barra e Barra Atento, como informou Vinícius Monteiro Teixeira, testemunha ouvida perante o Ministério Público Eleitoral (vídeo n. 03 – ID 11561483).

Contudo, a única referência à campanha do recorrido encontra-se no vídeo n. 02, a qual partiu da pessoa que efetuou a gravação, ao indicar que se encontrava diante do futuro candidato da comunidade.

Em nenhum dos vídeos acostados aos autos se verifica, sequer de forma implícita, que o espaço recreativo tenha sido prometido ou entregue pelo recorrido aos eleitores em troca de voto para a sua campanha, em cenário que indicasse o seu intuito de interferir no exercício da capacidade eleitoral ativa dos moradores da localidade, tendente a afetar a normalidade e a legitimidade do pleito de 2020, o direito ao voto livre e consciente do eleitor ou a igualdade de oportunidades entre os competidores eleitorais, valores tutelados pela norma do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e fundamentais à construção de ambientes democráticos (SANSEVERINO, Francisco de Assis Vieira. Compra de votos – Análise à luz dos princípios democráticos, Ed. Verbo Jurídico, 2007, p. 274).

Ao contrário, o conteúdo dos vídeos indica que a remoção do campo de futebol e a construção da praça foram implementadas para atender às solicitações dos moradores do bairro, recebidas pelo recorrido na condição de agente centralizador das reivindicações comunitárias – papel igualmente espelhado no lançamento da sua candidatura na disputa proporcional –, sem prévio condicionamento ou vinculação da intenção de voto dos eleitores à sua campanha ao cargo de vereador na municipalidade, que implicasse o desequilíbrio das forças em disputa no pleito.

As demais provas colacionadas aos autos não são relevantes à formação de convicção em sentido diverso.

As informações constantes do relatório técnico – elaborado por servidor do Ministério Público Eleitoral após o cumprimento de mandado de vistoria no local, que foi juntado à Notícia de Fato n. 00852.002.388/2020 (ID 11562183) – tão somente revelam que o recorrido (conhecido como Bicudinho) tomou a iniciativa de executar a obra, sendo completamente destituído de força probatória quanto à finalidade eleitoral da sua conduta.

O recorrido, por sua vez, optou por exercer o seu direito ao silêncio ao ser convocado a depor sobre os fatos perante a Promotoria Eleitoral de Rio Grande (vídeo n. 05 – ID 11561583).

Ademais, eventual descumprimento do código de obras do Município de Rio Grande escapa à esfera cognitiva deste Colegiado, podendo ensejar a atuação fiscalizatória do órgão competente a qualquer tempo – o qual poderia, inclusive, demolir a aludida estrutura –, independentemente do julgamento da presente ação eleitoral.

Portanto, na hipótese fática submetida à apreciação deste Regional, eventual responsabilização do recorrido pelo ilícito que lhe foi imputado na inicial seria fundado em meras presunções e ilações acerca do encadeamento dos fatos e do proveito eleitoreiro da sua conduta.

Esforço argumentativo nesse sentido, destituído de respaldo no caderno probatório, implicaria manifesta contrariedade à orientação firmada pela Corte Eleitoral Superior, que considera absolutamente indispensável a convicção segura, lastreada em elementos probatórios firmes e irrefutáveis acerca do cometimento do ilícito, para que incidam as severas penalidades de cassação do registro ou do diploma cominadas no art. 41-A da Lei das Eleições, de repercussão direta sobre a titularidade do mandato parlamentar legitimamente conquistado nas urnas, como se extrai dos seguintes precedentes:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. COMPARECIMENTO DE CANDIDATO EM ALMOÇO. FRAGILIDADE DO ACERVO PROBATÓRIO. DISCURSO. IRRELEVÂNCIA. FINALIDADE DE COOPTAR VOTOS. NÃO COMPROVAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A configuração da captação ilícita de votos possui como consequência inexorável a cassação do diploma. Dada a gravidade da pena, faz-se mister a existência, nos autos, de conjunto probatório apto para demonstrar, indene de dúvidas, a ocorrência do ilícito. 2. O simples fato de o candidato se fazer presente em almoço ofertado a funcionários de empresa local não permite inferir que se trata de evento com fins eleitorais. 3. Para que seja caracterizada a captação ilícita de sufrágio, é necessária a demonstração do especial fim de agir consistente no condicionamento da entrega da vantagem ao voto do eleitor. 4. Na espécie, depreende-se do acervo probatório que a realização de almoço ofertado a funcionários da empresa Tucano Obras e Serviços Ambientais não foi condicionada à obtenção do voto, o que afasta a incidência do art. 41-A da Lei das Eleições, porquanto não demonstrado o especial fim de agir da conduta. 5. Agravo Regimental a que se nega provimento.

(TSE - RESPE: 56988 ERECHIM - RS, Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Data de Julgamento: 19.12.2017, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 21.02.2018.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR. AIJE. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. REVOLVIMENTO. FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. A aplicação das sanções previstas no art. 41-A da Lei das Eleições exige prova robusta de que o candidato participou de forma direta com a promessa ou a entrega de bem em troca do voto ou, de forma indireta, com ela anuiu ou contribuiu, não bastando meros indícios e presunções. Precedente.

2. As declarações prestadas pelo corréu só poderiam constituir elemento de convicção se respaldadas por outras provas, o que não ocorreu na espécie.

3. Se a Corte Regional, soberana na análise do acervo fático-probatório dos autos, assentou a ausência de comprovação dos ilícitos investigados, dada a fragilidade das provas coligidas, a modificação desta esbarraria no óbice das Súmulas nos 7/STJ e 279/STF.

4. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 38578, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 19.8.2016, p. 124.) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. FINALIDADE ELEITORAL DA CONDUTA. AUSÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. De acordo com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a captação ilícita de sufrágio somente ocorre quando evidenciado o fim especial de agir, materializado pela intenção de obter-se o voto, a teor do art. 41-A da Lei 9.504/97.

[…]

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 111485, Acórdão de 05.6.2014, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 142, Data 04.8.2014, p. 46.) (Grifei.)

 

Desse modo, com a vênia da Procuradoria Regional Eleitoral, que exarou parecer pelo provimento do recurso, merece ser mantido o juízo de improcedência da ação, embora por fundamento diverso do adotado pelo magistrado de primeira instância, porquanto as premissas fáticas apresentadas pelo Ministério Público Eleitoral mostram-se frágeis à demonstração do dolo específico da conduta do recorrido, exigido para a condenação pela prática da captação ilícita de sufrágio, conforme prevê o art. 41-A, § 1º, da Lei n. 9.504/97.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso, mantendo a sentença de improcedência da presente representação.

É como voto, Senhor Presidente.