REl - 0600053-50.2020.6.21.0029 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/02/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a sentença recorrida julgou as contas do exercício financeiro de 2019 do Diretório Municipal do Partido Social Liberal (PSL) como não prestadas, tendo em vista que, mesmo após notificado para o cumprimento do dever legal, o diretório político furtou-se à apresentação dos documentos essenciais ao exame da contabilidade (ID 10474483).

No recurso ofertado, o partido limita-se a sustentar que “por um grande equívoco de interpretação considerou que as contas estavam prestadas e as intimações que estavam a receber tratavam-se da prestação de contas do pleito em curso” (ID 10474983), apresentando, intempestivamente, as contas então omitidas, por meio de “Declaração de ausência de movimentação de recursos no exercício de 2019” (ID 10475033), pugnando pelo seu recebimento e pela regularização da situação de inadimplência.

Portanto, inicialmente, há de se analisar a viabilidade de ser conhecido o documento novo, que acompanha as razões recursais.

Sobre o tema, esta Corte tem concluído pela aceitação excepcional de novos documentos acostados com a peça recursal nos casos em que a simples leitura da nova documentação pode sanar, primo ictu oculi, irregularidades pontuais, sem necessidade de nova análise técnica.

Nesse sentido, colaciono o seguinte acórdão, de minha relatoria:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. AFASTADOS. EXTRATOS BANCÁRIOS DA TOTALIDADE DA CAMPANHA. NÃO APRESENTADOS. JUNTADA DA DOCUMENTAÇÃO EM EMBARGOS DECLARATÓRIOS. REJEITADA. DESPROVIMENTO. ELEIÇÕES 2016.

1. Afastados os argumentos de cerceamento de defesa e de ausência de dilação probatória. O art. 48, inc. II, alínea “a”, da Resolução TSE n. 23.463/15 prevê expressamente a apresentação de extratos da conta bancária aberta em nome do candidato, demonstrando a movimentação financeira ou a sua inexistência, em forma definitiva, contemplando todo o período de campanha. Verificada a ausência da documentação na prestação de contas da candidata, a qual, apesar de regularmente intimada, manteve-se inerte, manifestando-se nos autos somente após a prolação da sentença.

2. A irregularidade não fica afastada com a juntada dos extratos bancários em embargos de declaração, pois estes possuem hipóteses de cabimento taxativamente elencadas no art. 275 do Código Eleitoral, sendo inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa e para a reabertura da instrução processual.

3. Este Tribunal, em situações excepcionais, aceita a apresentação de documentação nova com o recurso quando a sua simples leitura reflete positivamente no exame das contas. Circunstância que difere do exame de extratos bancários, que demandam apurada análise contábil, conferências e verificações técnicas.

4. Irregularidade que compromete a transparência e a confiabilidade da prestação de contas.

Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 77362, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 07.11.2017) Grifei.

 

In casu, porém, a declaração juntada representa as próprias contas omitidas, pendente, em sua integralidade, de submissão aos procedimentos estabelecidos no art. 44 e incisos da Resolução TSE n. 23.604/19, inclusive para aferição da efetiva ausência de receitas, gastos e movimentação financeira, conforme transcrevo:

Art. 44. Na hipótese de apresentação da declaração de ausência de movimentação de recursos, na forma do § 4º do art. 28, a autoridade judiciária determina, sucessivamente:

I - a publicação de edital com o nome de todos os órgãos partidários e respectivos responsáveis que apresentaram a declaração de ausência de movimentação de recursos, facultando a qualquer interessado, no prazo de três dias contados da publicação do edital, a apresentação de impugnação que deve ser apresentada em petição fundamentada e acompanhada das provas que demonstrem a existência de movimentação financeira ou de bens estimáveis no período;

II - a juntada dos extratos bancários que tenham sido enviados para a Justiça Eleitoral, na forma do § 7º do art. 6º;

III - a colheita e a certificação no processo das informações obtidas nos outros órgãos da Justiça Eleitoral sobre a eventual emissão de recibos de doação e registros de repasse ou distribuição de recursos do Fundo Partidário;

IV - a manifestação do responsável pela análise técnica sobre as matérias previstas nos incisos I, II e III, no prazo de 5 (cinco) dias;

V - a manifestação do MPE, após as informações de que tratam as alíneas a e b do inciso VIII, no prazo de 5 (cinco) dias;

VI - as demais providências que entender necessárias, de ofício ou mediante provocação do órgão técnico, do impugnante ou do MPE;

VII - a abertura de vista aos interessados para se manifestarem sobre, se houver, a impugnação, as informações e os documentos apresentados no processo, no prazo comum de 3 (três) dias; e

VIII - a submissão do feito a julgamento, observando que:

a) na hipótese de, concomitantemente, não existir impugnação ou movimentação financeira registrada nos extratos bancários e existir manifestação favorável da análise técnica e do MPE, deve ser determinado o imediato arquivamento da declaração apresentada pelo órgão partidário, considerando, para todos os efeitos, prestadas e aprovadas as respectivas contas;

b) na hipótese de existir impugnação ou manifestação contrária da análise técnica ou do MPE, a autoridade judiciária, após ter assegurado o amplo direito de defesa, decide a causa de acordo com os elementos existentes e a sua livre convicção;

c) na hipótese de a declaração apresentada não retratar a verdade, a autoridade judiciária deve determinar a aplicação das sanções cabíveis ao órgão partidário e a seus responsáveis, na forma do art. 47, e a disponibilização do processo ao MPE para a apuração da prática de crime eleitoral, em especial o previsto no art. 350 do CE.

 

Dessa forma, está inviabilizado o conhecimento das informações apresentadas inauguralmente em grau recursal, sob pena de malferimento ao procedimento de exame das contas, de supressão de instância e de violação ao princípio do duplo grau de jurisdição.

Cabe, novamente, destacar que a agremiação foi devidamente intimada para o suprimento da omissão durante a instrução em primeiro grau, não existindo vícios nas comunicações processuais, que bem discriminaram tratarem da ausência da prestação de contas anual de 2019 (ID 10472733 e 10474183).

Assim, o mero equívoco subjetivo na compreensão do objeto do processo, que a recorrente teria suposto envolver as contas eleitorais, não tem o condão de descaracterizar a desídia da parte em relação à oportunidade para o saneamento da omissão.

Incide, diante disso, o que dispõe a Resolução TSE n. 23.604/19, em seu art. 35, §§ 10 e 11:

Art. 36. (...)

§ 10. Os órgãos partidários podem apresentar documentos hábeis para esclarecer questionamentos da Justiça Eleitoral ou para sanear irregularidades a qualquer tempo, enquanto não transitada em julgado a decisão que julgar a prestação de contas (art. 37, § 11, da Lei nº 9.096/95).

§ 11. O direito garantido no § 10 não se aplica na hipótese de não atendimento pelo órgão partidário das diligências determinadas pelo juiz ou pelo relator no prazo assinalado, o que implica a preclusão para a apresentação do esclarecimento ou do documento solicitado. Grifei.

 

Cumpre reconhecer, portanto, a preclusão, em consonância com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral acerca da inadmissibilidade de documentos juntados intempestivamente por desídia do interessado:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. AUSÊNCIA. INOVAÇÃO NA TESE RECURSAL. DESCABIMENTO.

1. Não há que se falar em omissão no acórdão embargado, pois a questão abordada nos aclaratórios alusiva à afronta aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório não foi objeto de discussão no recurso especial e, portanto, consiste em inadmissível inovação recursal.

2. O Tribunal analisou a questão no exato limite em que exposta no recurso, assentando a consonância do acórdão regional com a orientação dessa Corte no sentido de que, no processo de prestação de contas, ocorre preclusão para a juntada de documentos quando o partido político foi anteriormente intimado para sanar as falhas e não o fez tempestivamente, mesmo que isso ocorra ainda antes do julgamento.

3. É vedada a inovação de tese recursal em sede de embargos de declaração, ainda que se trate de matéria de ordem pública. Precedente: AgR-RCED 8015-38, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 13.5.2016.

4. Mesmo para fins de prequestionamento, os embargos somente são cabíveis quando houver no julgado algum dos vícios descritos no art. 275 do Código Eleitoral, o que não se averigua na espécie.

Embargos de declaração rejeitados.

(TSE, ED-AgR-Al n. 175-77.2016.6.09.0000/GO, Relator Min. Admar Gonzaga, julgado em 18.12.2018, publicado no DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 128, em 08.02.2019, pp. 130/131) Grifei.

 

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CARGO. DEPUTADO ESTADUAL. JUNTADA. DOCUMENTOS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO. NULIDADE DO ACÓRDÃO REGIONAL QUE ACOLHEU O RECURSO INTEGRATIVO COM EFEITOS MODIFICATIVOS A FIM DE APROVAR COM RESSALVAS AS CONTAS DO AGRAVANTE. DETERMINAÇÃO DE RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA NOVO JULGAMENTO. FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA NÃO INFIRMADOS. DESPROVIMENTO. 1. A questão relativa à falta de prequestionamento das matérias insertas nos arts. 266 e 275 do Código Eleitoral e 397 do Código de Processo Civil/73 não pode ser apreciada no caso concreto, porquanto não foi arguida nas contrarrazões ao recurso especial e representa inovação de tese recursal, incabível em âmbito de agravo regimental. Precedentes. 2. Mostra-se inviável o agravo regimental que não traz argumentos aptos a infirmar a decisão agravada, a qual se fundamentou na pacífica jurisprudência desta Corte Superior, segundo a qual, no processo de prestação de contas, deixando a parte de sanar as irregularidades apontadas pela Justiça Eleitoral no prazo concedido para tanto, não é admissível a juntada posterior de documentos. 3. “Diante da natureza jurisdicional do processo de prestação de contas, não praticado o ato no momento processual próprio, ocorre a preclusão, em respeito à segurança das relações jurídicas” (AgR-REspe n.º 258-02/RS, rel. designado Min. DIAS TOFFOLI, DJE de 10.11.2015). 4. Agravo regimental desprovido.

(TSE – RESPE 166871, Relatora Min. MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA, julgado em 09.8.2016, publicado no DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 164, de 25.8.2016, pp. 35/36) Grifei.

 

Por consequência, mostra-se inviável a pretensão de análise da contabilidade que deixou de ser ofertada no tempo e na forma devidos por inércia da parte interessada, culminando com o julgamento pela omissão das contas.

No tocante aos consectários aplicados na origem, irreparável a determinação de perda do direito ao recebimento de novas quotas do Fundo Partidário enquanto não houver a regularização das contas, à luz do disposto no art. 48 da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 48. A falta de prestação de contas implica a proibição de recebimento de recursos oriundos do partidário, enquanto não for regularizada a situação do partido político.

 

Ressalto ainda que, embora a dicção do parágrafo 2º do artigo 48 da Resolução TSE n. 23.546/17 disponha que a omissão no dever de prestar contas gera ao diretório, igualmente, a suspensão de seu registro ou anotação até a regularização, andou bem o magistrado a quo alinhar a sentença ao que decidido na ADIn n. 6032, em 05.12.2019, pelo Plenário do STF.

No aludido julgamento, a Corte Excelsa, analisando o conjunto de dispositivos que versam sobre o tema, afastou qualquer interpretação que permita que a sanção de suspensão do registro ou anotação do órgão partidário seja aplicada de forma automática, como consequência da decisão que julga as contas não prestadas, assegurando que tal penalidade somente pode ser aplicada após decisão, com trânsito em julgado, decorrente do procedimento previsto no art. 28 da Lei n. 9.096/95.

Nesta esteira, a nova Resolução TSE n. 23.604/19, que veicula a atual disciplina sobre contas partidárias, adequou-se ao posicionamento, prevendo:

Art. 47. A decisão que julgar a prestação de contas não prestada acarreta ao órgão partidário:

(...)

II - a suspensão do registro ou da anotação do órgão partidário, após decisão, com trânsito em julgado, precedida de processo regular que assegure ampla defesa (STF ADI nº 6.032, julgada em 5.12.2019)

 

Portanto, na linha da manifestação ministerial, deve ser integralmente mantida a bem-lançada decisão recorrida.

Nesse contexto, a documentação veiculada com o recurso haverá de acompanhar futuro pedido de regularização das contas, de acordo com o procedimento previsto no art. 59 da Resolução TSE n. 23.604/19, a ser apresentado perante o juízo de primeiro grau, para o qual poderá a agremiação requerer o desentranhamento das peças e demonstrativos extemporaneamente apresentados nestes autos.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.