REl - 0600360-62.2020.6.21.0042 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/02/2021 às 10:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é tempestivo e presentes os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

Da Preliminar de Nulidade da Sentença

Os recorrentes pleiteiam a declaração de nulidade da sentença, alegando ofensa ao devido processo legal, com fundamento na inobservância do rito procedimental previsto para casos de representação por conduta vedada.

O rito em tela encontra-se especificado no art. 22, inc. X, da Lei Complementar n. 64/90, incluindo a abertura de prazo para contestação, possibilidade de dilação probatória e apresentação de alegações finais:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

X - encerrado o prazo da dilação probatória, as partes, inclusive o Ministério Público, poderão apresentar alegações no prazo comum de 2 (dois) dias;

Embora o devido processo legal, o direito à ampla defesa e o efetivo contraditório sejam valores supremos de nosso sistema jurídico, entendo que a declaração de nulidade do procedimento precisa passar pelo exame do real prejuízo ao jurisdicionado, eis que "a declaração de nulidade de ato fica condicionada à demonstração de prejuízo à parte, por força do princípio do pas de nullité sans grief" (TSE - AI: 177-52.2016.6.16.0000, Relator: Min. Edson Fachin, DJE de 20.10.2020).

No caso concreto, a preliminar suscitada foi analisada com extrema precisão pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral, motivo pelo qual transcrevo a seguir trecho de seu parecer:

Ora, no caso em tela, afigurava-se incabível a concessão de prazo às partes para oferecimento de alegações finais, uma vez que não houve a abertura de fase instrutória, ficando claro, pelas peças de defesa, que os fatos alegados na petição inicial não foram impugnados pelos representados.

Outrossim, o próprio recorrente, em suas razões, reconhece que não houve pedido de produção de provas pelas partes.

As alegações finais servem, justamente, para que as partes possam lançar as suas razões em face da prova produzida na fase instrutória, não podendo ser convertida em mera réplica, a qual, aliás, somente tem lugar no processo civil ante a alegação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 350 do CPC), circunstância que sequer se deu no caso.

Portanto, a preliminar em tela deve ser afastada.

Assim, posto que não se vislumbra a ocorrência de prejuízo à defesa, afasto a preliminar de nulidade da sentença.

 

Do Mérito

No mérito, os autos veiculam recurso eleitoral interposto por ORLANDO DESCONSI e COLIGAÇÃO UNIÃO DO POVO POR SANTA ROSA contra decisão que julgou improcedente representação ajuizada em face de ANDERSON MANTEI, ALDEMIR EDUARDO ULRICH, ROSANE THOBER e COLIGAÇÃO UNIÃO PARA AVANÇAR.

Antes de adentrar no caso concreto, convém tecer algumas considerações.

A Lei n. 9.504/97 ostenta capítulo específico sobre as condutas vedadas aos agentes públicos durante a campanha eleitoral, na formulação apresentada nos arts. 73 a 78, trazendo a inicial fato que se enquadraria no art. 73, inc. II, a seguir transcrito:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: (...)

II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;

O doutrinador Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, Editora Verbo Jurídico, 5ª edição, p. 585 e v.) traz lição sobre as condutas vedadas:

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC nº 16/97. Em verdade, pode-se conceituar os atos de conduta vedada como espécies de abuso de poder político que se manifestam através do desvirtuamento dos recursos materiais (incisos I, II, IV e §10º do art. 73 da LE), humanos (incisos III e V do art. 73 da LE), financeiros (inciso VI, a, VII e VIII do art. 73 da LE) e de comunicação (inciso VI, b e c do art. 73 da LE) da Administração Pública (lato sensu).

(...)

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, desnecessário qualquer cotejo com eventual violação à normalidade ou legitimidade do pleito. Basta, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

Exigir prova da potencialidade da conduta na lisura do pleito equivale a um esvaziamento do comando normativo, porquanto imporia um duplo ônus ao representante: a prova da adequação do ilícito à norma (legalidade estrita ou taxatividade) e a prova da potencialidade da conduta. A adoção dessa implica o esvaziamento da representação por conduta vedada, pois, caso necessária a prova da potencialidade, mais viável o ajuizamento da AIJE – na qual, ao menos, não é necessária a prova da tipicidade da conduta. Em suma, o bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da isonomia entre os candidatos, não havendo que se exigir prova de potencialidade lesiva de o ato praticado afetar a lisura do pleito. Do exposto, a prática de um ato previsto como conduta vedada, de per si e em regra – salvo fato substancialmente irrelevante – é suficiente para a procedência da representação com base no art. 73 da LE, devendo o juízo de proporcionalidade ser aferido, no caso concreto, para a aplicação das sanções previstas pelo legislador (cassação do registro ou do diploma, multa, suspensão da conduta, supressão dos recursos do fundo partidário). (Grifei.)

Como se verifica, o bem jurídico tutelado é a isonomia entre os concorrentes ao pleito. As hipóteses relativas às condutas vedadas são taxativas e de legalidade restrita, sendo que “a conduta deve corresponder ao tipo definido previamente” (Recurso Especial Eleitoral n. 24.795, Rel. Luiz Carlos Madeira).

Traçados esses parâmetros, passa-se ao caso concreto.

O fato imputado aos representados, e sobre o qual não há controvérsia, consistiu na publicação, em 25.10.2020, de vídeo em favor do candidato a prefeito Anderson Mantei, no perfil institucional da Escola Municipal de Educação Infantil Crescer Feliz no Facebook, por parte da Diretora do educandário, a representada Rosane Thober.

A sentença entendeu pela improcedência da ação porque, na compreensão do juízo a quo, a aludida publicação não foi apta a ensejar o desequilíbrio de oportunidades entre os candidatos concorrentes ao pleito de 2020.

Sem razão.

O conteúdo do vídeo (descrito em ata notarial no ID 10480033) deixa claro que se trata de propaganda eleitoral veiculada no perfil institucional de escola municipal.

Como bem destacou o douto Procurador Regional Eleitoral:

Com efeito, a representada Rosane, na qualidade de Diretora de Escola Municipal, portanto agente pública, usou de serviço específico da referida instituição de ensino em circunstâncias alheias às suas finalidades, a fim de favorecer o candidato Anderson Mantei. Ademais, o fato não pode ser considerado de todo irrelevante a ponto de afastar a prática de conduta vedada, visto que, mesmo que a duração da irregularidade tenha se dado por curto período, a representada utilizou-se da sua condição de agente pública e dos serviços da página da escola pública por ela dirigida no Facebook, para conferir visibilidade a uma candidatura, conduta essa que, por si só, é inaceitável, e que deve ser coibida no plano eleitoral.

Não obstante, a questão da gravidade das consequências da prática para o equilíbrio no pleito são irrelevantes para efeito da configuração da conduta vedada, devendo tais aspectos serem considerados no momento da imposição das correspondentes penalidades.

Descabe a análise efetuada pelo Juízo de primeiro grau no sentido de que, por ter sido rapidamente removida, a publicação não caracteriza abuso de poder político ou de autoridade capaz de configurar o ilícito discutido, pois a mera ocorrência do ato já atribui aos representados vantagem, principalmente pelo fato de as condutas previstas no art. 73 da Lei n. 9.504/97 possuírem presunção juris et de jure de afetar a isonomia no pleito eleitoral, isto é, são tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos.

Configurada a conduta vedada prevista no art. 73, inc. II, da Lei n. 9.504/97, cumpre definir a penalidade a ser aplicada.

Nos termos do art. 73, §§ 4º, 5º e 8º, da Lei n. 9.504/97, os responsáveis ficam sujeitos à multa de cinco a cem mil UFIR, bem como à cassação do registro ou do diploma, além da supressão da conduta e exclusão dos partidos envolvidos do recebimento do Fundo Partidário.

Nesse momento, cabe fazer uso dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade à incidência da grave sanção de cassação do registro ou diploma, consoante preconiza a jurisprudência:

ELEIÇÕES 2010. CONDUTA VEDADA. USO DE BENS E SERVIÇOS. MULTA.

1. O exame das condutas vedadas previstas no art. 73 da Lei das Eleições deve ser feito em dois momentos. Primeiro, verifica-se se o fato se enquadra nas hipóteses previstas, que, por definição legal, são "tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais". Nesse momento, não cabe indagar sobre a potencialidade do fato.

2. Caracterizada a infração às hipóteses do art. 73 da Lei 9.504/97, é necessário verificar, de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, qual a sanção que deve ser aplicada. Nesse exame, cabe ao Judiciário dosar a multa prevista no § 4º do mencionado art. 73, de acordo com a capacidade econômica do infrator, a gravidade da conduta e a repercussão que o fato atingiu. Em caso extremo, a sanção pode alcançar o registro ou o diploma do candidato beneficiado, na forma do § 5º do referido artigo.

3. Representação julgada procedente.

(Representação n. 295986, Acórdão de 21.10.2010, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 220, Data 17.11.2010, p. 15.)

Nessa perspectiva, tenho que a conduta não se revelou grave o suficiente a indicar o sancionamento de cassação do registro ou diploma.

Dessarte, tenho por razoável e suficiente a imposição da multa no patamar mínimo previsto pelo art. 73, § 4º, da Lei n. 9.504/97, de cinco mil UFIR, equivalentes a R$ 5.320,50, a cada um dos representados, ora recorridos.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, nos termos da fundamentação.

É como voto, Senhor Presidente.