REl - 0600278-48.2020.6.21.0101 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/02/2021 às 14:00

VOTO

Inicialmente, enfrento como preliminares e afasto as alegações de que os vídeos que instruem a inicial tenham sido juntados aos autos sem observância do contraditório e da ampla defesa, sendo também descabida a tese de que seriam fruto do uso de tecnologia para a realização de deepfakes.

Os recorridos foram devidamente citados para responder à ação e, desde o ajuizamento, a prova já se encontrava no feito, sendo devidamente atendidos os princípios da ampla defesa e do contraditório.

Ademais, as situações retratadas nos vídeos contidos nos autos, ao menos quanto à realização de serviços com maquinário público em propriedades privadas, foram confirmadas pela própria defesa, ao responder à imputação de prática de condutas vedadas, e também pela prova testemunhal produzida durante a instrução.

Portanto, não há nulidade alguma a ser declarada, sendo a prova juntada aos autos plenamente válida e legítima.

No mérito, as razões restringem-se ao pedido de reforma da sentença para que os recorridos sejam condenados à pena de multa por prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97, que proíbe aos agentes públicos, servidores ou não, “fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público”.

Não se discute a legalidade dos serviços, pois, conforme sustenta o Ministério Público Eleitoral em seu recurso, a execução de serviços públicos em terras particulares, com a utilização de maquinário pertencente à administração municipal,  está excepcionada pela regra prevista no § 10 do art. 73 da Lei das Eleições:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...)

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

 

Segundo consta dos autos, Jandir Righes Rossa, presidente do MDB de Barra do Guarita, registrou boletim de ocorrência policial, narrando que o candidato à reeleição como vice-prefeito Anildo Alievi teria operado máquinas de construção pertencentes à prefeitura quando da realização de serviços públicos em propriedade particular (ID 9763883).

De acordo com o declarante, os fatos teriam ocorrido em 22 de agosto de 2020 na propriedade de Antonio Quatrim, em 28 de agosto de 2020 na propriedade do eleitor Vanderson da Silva (Jóca), e no dia 05 de setembro de 2020 na localidade de Capoeira Grande, em propriedades particulares, e estariam sendo divulgados pelos eleitores beneficiados por meio de publicações realizadas em redes sociais da internet.

Todavia, não constam dos autos as referidas publicações de internet nem foram indicadas na inicial as respectivas URLs em que hospedados os conteúdos referidos nas declarações prestadas por Jandir Righes Rossa.

Ao propor a representação, o Parquet Eleitoral aponta que o vice-prefeito operou o maquinário público na execução de serviços com propósito eleitoral. Para comprovar a alegação, foram juntadas com a inicial 3 gravações de vídeo, assim descritas:

Vídeo 1 - Eleitor Edson Rodrigues, residente na localidade de Remanso do Uruguai, tece loas ao Vice-Prefeito Municipal enquanto este opera uma máquina da Prefeitura. Na oportunidade, o eleitor faz o seguinte comentário: "Na Barra do Guarita aí, ó. Nosso vice-prefeito que é o maquinista aí, ó. Onde é que a gente vê o vice-prefeito trabalhando por aí?

Vídeo 2 - Maquinário da Prefeitura Municipal opera na propriedade do eleitor Vanderson da Silva, situada na Localidade de Esquina Jaboticaba.

Vídeo 3 – Eleitora Diodi Rafaela Zembruski defendendo a realização de obras da prefeitura em sua propriedade particular, situada na Localidade de Flor da Serra.

Do exame dessas gravações, verifica-se que o primeiro vídeo, que contém apenas 8 segundos e não aponta data, supostamente realizado na propriedade do eleitor Edson Rodrigues, não confirma a tese de que o candidato a vice operou a máquina pertencente à municipalidade quando da realização dos serviços na propriedade.

Na gravação, realizada de longe, não é possível ver quem opera a máquina, sendo apenas indiciária a tese de que estaria sendo utilizada pelo vice-prefeito, uma vez que a pessoa que está filmando narra "Na Barra do Guarita aí, ó. Nosso vice-prefeito que é o maquinista aí, ó”.

Assim, a prova é insuficiente para comprovação da tese de que, naquele momento, em data incerta, era o vice-prefeito quem operava o maquinário público.

Além disso, o suposto beneficiário, Edson Rodrigues, proprietário do terreno em que filmado o primeiro vídeo, não compareceu à audiência de instrução.

Em juízo, Jandir Righes Rossa, presidente do MDB de Barra do Guarita e ouvido como informante, afirmou que o vice-prefeito teria operado as máquinas da prefeitura nas propriedades particulares de várias pessoas, José Soarea, Nilson Souza da Silva, José Lori de Souza, e em diversas localidades.

Entretanto, não foi produzida nenhuma outra prova nesse sentido, e o fato está amparado em mera declaração não confirmada por meio de outras provas.

O eleitor Vanderson da Silva, proprietário do local em que gravado o segundo vídeo, do dia 02.9.2020, confirmou que o candidato Alievi operou o maquinário municipal na sua propriedade, apontando que “o vice prefeito teria somente tampado um buraco, operando o trator” e que “Além do vice estava o operador Machado nas máquinas”.

Os recorridos justificaram a situação afirmando que o manuseio das máquinas pelo vice-prefeito se deu de forma emergencial, numa única e breve oportunidade, na propriedade do cidadão Vanderson da Silva, para desobstruir uma passagem, porque o operador da máquina, Sr. Marcos Machado dos Santos, na ocasião, sentiu-se inapto fisicamente, por um mal-estar, para trabalhar (ID 9766433).

Marcos Machado dos Santos, servidor público municipal, confirmou essa versão e relatou que operou máquina na propriedade de Vanderson para fazer um poço negro no local, e que “toma remédio de pressão e não havia tomado no dia e não se sentiu bem, momento em que Alievi operou momentaneamente”.

A eleitora Diodi Rafaela Zembruski disse que não viu o vice-prefeito na sua propriedade quando da realização dos serviços.

As demais testemunhas ouvidas não contribuíram para a elucidação dos fatos.

Como se vê, da prova coligida durante a instrução, tem-se que foi comprovada a atuação do candidato a vice-prefeito no manuseio de máquina pública para a realização de serviços em terreno particular apenas na propriedade de Vanderson da Silva.

Embora a Procuradoria Regional Eleitoral entenda que,“ainda que o servidor tenha se sentido mal, o mesmo não esclarece a alegada urgência na realização do serviço, ao ponto de ter de ser realizado pelo próprio Vice-Prefeito da cidade”, apontando que a promoção pessoal “fica evidente pela própria presença deste na obra, pois o município em questão possui Secretário de Obras”, evidencia-se ser desarrazoada a condenação com base numa situação pontual e tão somente em virtude da presença do candidato no local, especialmente quando não foi produzida prova no sentido do uso promocional do fato.

Desse modo, merece ser mantida a sentença, seja porque o fato narrado foi comprovado em relação a apenas uma das supostas ocorrências e está devidamente justificado por motivo de força maior, confirmado por depoimento de testemunha devidamente compromissada, seja porque não há mínima prova de que esse fato tenha sido utilizado em benefício promocional da candidatura dos recorridos.

É razoável a conclusão do juízo a quo no sentido de que o fato foi realizado de forma eventual, não comportando apenamento:

No mérito, não merece guarida a representação trazida neste procedimento.

Com efeito, impende destacar de pronto que restou incontestavelmente comprovado nos autos que a execução dos serviços, abertura de fossas, estradas, acesso às propriedades, terraplanagens entre outros serviços executados pela Prefeitura Municipal de Barra do Guarita em propriedades particulares está em conformidade com a Legislação daquele Município. Assim, por exemplo, já prevê a Lei Municipal nº. 1.202/2013 (ID 13213606):

Art. 1º Fica o Poder Executivo Municipal autorizado a efetuar melhorias, manuteção e abertura de acesso às propriedades do Município de Barra do Guarita.

Parágrafo único. Fica também autorizado o Executivo Municipal de Barra do Guarita a efetuar serviços de terraplanagens e abertura de fossas sépticas aos munícis guaritenses.

 

Em que pese as vedações aos agentes públicos, servidores ou não, arroladas no artigo 73 da Lei nº. 9.504/97, de condutas tendentes a afetar a igualdade na disputa do pleito, tais vedações comportam interpretação temperada pela exceção contido no § 10, que expressamente possibilita a execução de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária por ocasião do ano eleitoral.

Nesse sentido, a jurisprudência:

ELEICOES 2012. RECURSO ESPECIAL. INVESTIGACAO JUDICIAL ELEITORAL. ART. 22 DA LC N° 64/90. CONDUTA VEDADA E ABUSO DO PODER POLITICO. NAO CONFIGURACAO. 1. A realizacão de obras de terraplanagem em propriedades particulares, quando respaldada em norma prevista na Lei Orgânica do Município, atrai a ressalva do art. 73, § 10, da Lei n° 9.504.97. 2. Recurso especial desprovido. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N. 365- 79.2012.6.13.0158

 

Ademais, como bem observou o Parquet: "note-se que a prova testemunhal não demonstrou a existência de uma máquina governamental voltada, mediante a prestação de serviços casuísticos, à captação do sufrágio". Restou evidente que os serviços são executados regularmente e indistintamente a todos os munícipes. Acrescente-se ainda que o serviço executado pelo atual Vice Prefeito ocorreu de forma eventual.

Pugna o Ministério Público Eleitoral ao final pela aplicação de multa, prevista no artigo 73, § 4º, da Lei n.º 9.504/97, a ser valorada em 20.000 (vinte mil) UFIRs para cada representado.

Com as devidas vênias ao Promotor Eleitoral, deixo de aplicar a multa por não vislumbrar infração a ser punida na esfera eleitoral e nos termos da Lei nº. 9.504/97.

Isso posto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido contido na ação ajuizada contra Rodrigo Locatelli Tissot, Anildo Alievi e Partido dos Trabalhadores - Diretório Municipal de Barra do Guarita.

 

Da análise dos autos, não se evidencia a quebra da isonomia entre os candidatos, bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas, pois a conduta narrada foi meramente eventual e não restou demonstrado o requisito necessário à condenação, atinente ao uso promocional do fato em benefício da campanha eleitoral.

Dessa forma, não se verifica, com a segurança necessária, o uso promocional da distribuição gratuita de bens ou serviços e, ausente a prova do desvio de finalidade, não há que se falar na prática da conduta vedada aqui pretendida, conforme entende a jurisprudência:

Representação. Conduta vedada.

- Para a configuração da conduta vedada prevista no citado inciso IV do art. 73 - distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público -, é necessário demonstrar o caráter eleitoreiro ou o uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação.

Agravo regimental não provido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 5427532, Acórdão de 18.9.2012, Relator Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 196, Data 09.10.2012, p. 17.)

 

RECURSO - ELEIÇÕES 2008 - INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - SUPOSTA COMPRA, PELA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, DE MADEIRA PARA DOAÇÃO A ELEITOR ESPECÍFICO, EM TROCA DE SEU VOTO - CONDUTA VEDADA DO ART. 73, IV, DA LEI N. 9.504/1997 - NÃO CONFIGURAÇÃO.

A conduta vedada, prevista no art. 73, IV, da Lei n. 9.504/1997, pressupõe a existência de programa social em que haja desvio de finalidade, visando benefício eleitoral de agente público, o que não se confunde com a distribuição individual a eleitor de benesse adquirida com dinheiro público. Conforme entendimento do TSE, as hipóteses de conduta vedada são de legalidade estrita [REspE n. 24.864, de 14.12.2004].

- CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO - FRAGILIDADE DA PROVA - IMPROCEDÊNCIA DA INVESTIGAÇÃO - DESPROVIMENTO DO RECURSO.

Não havendo comprovação da participação do agente público em suposta corrupção a eleitor, deve ser julgada improcedente a ação de investigação judicial por captação ilícita de sufrágio.

(TRE/SC, RECURSO CONTRA DECISÕES DE JUÍZES ELEITORAIS n. 1795, Acórdão n. 24374 de 08.3.2010, Relatora CLÁUDIA LAMBERT DE FARIA, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 44, Data 12.3.2010, p. 3.)

 

Dessa forma, entendo não comprovada a prática da conduta vedada, merecendo ser desprovido o recurso.

 

ANTE O EXPOSTO, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso.