REl - 0600100-50.2020.6.21.0085 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/01/2021 às 10:00

VOTO

Preliminar de desrespeito ao princípio da dialeticidade recursal

Ao contrário da conclusão ministerial, entendo que, embora de forma sucinta, as razões recursais combatem os dois fundamentos utilizados pela sentença para o indeferimento do pedido.

Em seu recurso, a eleitora ataca a sentença por ter julgado a ação improcedente e ao mesmo tempo extinguido o processo sem julgamento de mérito, defende ter comprovado o vínculo com o Município de Três Forquilhas/RS, e afirma que, nada obstante o transcurso de tempo até que fosse buscada a prestação jurisdicional, não havia outra alternativa senão recorrer ao Judiciário para reverter a injustiça sofrida em virtude da restrição de acesso à justiça e dos direitos constitucionais violados.

Cito, a propósito, o seguinte trecho das razões de reforma da sentença (ID 7592733):

I- RESUMO PROCESSUAL

Excelência, o costumeiro senso de justiça que normalmente norteia as decisões do juízo “a quo”, no presente caso, não se fez totalmente presente. Isto porque, ao sentenciar, o nobre julgador julgou a ação improcedente, extinguindo o processo sem julgamento de mérito.

 

II- DO MÉRITO

A autora é viúva, mudou-se para Três Forquilhas, para cuidar da mãe já idosa e enferma. Sua mãe veio a óbito, deixando a casa para a autora, que decidiu continuar residente e domiciliada no endereço citado. Ocorre que sua mãe, a titular da conta de luz, faleceu em fevereiro de 2020. A autora teve que cuidar de todos os procedimentos do funeral, custos e atender as obrigações devidas. Devido a isso não houve a possibilidade de transferir a conta para seu nome, neste período especifico.

O que de forma alguma traduz a realidade dos fatos. A autora comprovou que reside no endereço citado e que tem vínculo com a cidade, através de sua herança, casa na qual transformou em sua moradia. Além de trazer aos autos provas definitivas de seu domicílio.

A definição de domicílio eleitoral envolve o vínculo político, familiar, afetivo, profissional, patrimonial ou comunitário do eleitor com a localidade onde pretende exercer o direito de voto. Na prática essa cidade que a autora cuidou de sua mãe e passou a residir, é o seu domicílio eleitoral, pois tem vínculo afetivo, familiar e político.

É certo que se passou um período até que a autora buscasse a prestação jurisdicional, ocorre que sem absoluto nenhum conhecimento acerca do presente assunto e crendo ter sido injustiçada por uma decisão sem justiça alguma, não havia outra alternativa senão recorrer por através desse meio.

Após recorrer ao judiciário para sanar tal injustiça sofrida, eis que mais uma ocorre, a restrição ao acesso à justiça, dos direitos constitucionais violados, restando ceifados seus direitos fundamentais, decorrentes de claúsulas pétreas.

Tendo em vista própria Constituição Federal (CF), em seu artigo 5°, que inaugura os direitos e garantias fundamentais, em atendimento a CF foi adotado pela esfera eleitoral. Onde atos necessários à cidadania, como os pedidos de informações ao poder público, em todos os seus âmbitos, objetivando a instrução de defesa ou a denúncia de irregularidades administrativas na órbita pública; as ações de impugnação de mandato eletivo por abuso do poder econômico, corrupção ou fraude e quaisquer requerimentos ou petições que visem as garantias individuais e a defesa do interesse público, são livres para acesso à Justiça eleitoral e devem ser garantidos a qualquer tempo.

 

Desse modo, estão suficientemente demonstradas as razões do inconformismo, devendo ser considerado atendido o requisito de dialeticidade, motivo pelo qual rejeito a prefacial arguida pela Procuradoria Regional Eleitoral.

 

No mérito, observa-se que a sentença recorrida considerou que a ação trata de recurso eleitoral interposto de forma intempestiva, uma vez que o pedido de transferência de domicílio eleitoral deduzido na petição inicial foi anteriormente requerido pela eleitora por meio do preenchimento do formulário do Título Net, no mês de maio de 2020, e indeferido por decisão prolatada em 27.5.2020, contra a qual cabe recurso no prazo de 5 dias, conforme prevê o art. 18, § 5º, da Resolução TSE n. 21.538/03.

Por essa razão, o juízo a quo julgou o feito extinto, sem resolução do mérito, por ausência de pressuposto processual (ID 7592683).

A eleitora MARIA SOZÉLIA WITT JUSTIN solicitou transferência de sua inscrição eleitoral para o município de TRÊS FORQUILHAS, apresentando como comprovante de residência conta de luz em nome da sua mãe, MARIA ENILDA STEIMETZ VITT, já falecida.

O pedido foi indeferido por não atender à Portaria n. 02/2020 desta Juíza, já que a eleitora não apresentou comprovante de residência em seu nome ou qualquer outro documento válido que indicasse a sua moradia no município da transferência.

Aceita-se comprovante em nome de terceiros somente se em conjunto for apresentada declaração de residência pelo titular da conta, o que não era viável.

Ademais, o pedido é intempestivo, já que despacho de indeferimento do pedido de transferência de domicílio ocorreu em 28 de maio de 2020 e a interposição do recurso apenas em 14 de julho de 2020 (Artigo 18, § 5°, da Resolução TSE 21.538/2003).

Ante todo o exposto, Julgo EXTINTO O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO por ausência de pressuposto processual do pedido formulado por MARIA SOZELIA NITT JUSTIN, nos termos do § 5°, do artigo 18, da Resolução TSE 21.538/2003.

 

Ocorre que, do exame da petição inicial, se verifica que o processo trata de uma ação judicial com pedido de tutela de urgência para a transferência do domicílio eleitoral da eleitora (ID 7591533), e não de recurso contra a decisão administrativa que indeferira, em oportunidade anterior, o requerimento de transferência.

Entretanto, após ajuizada a presente ação no PJe de primeiro grau, foi certificado pelo cartório eleitoral que “a eleitora Maria Sozelia Witt Justin requereu a sua transferência via preenchimento do formulário do título net com comprovante em nome de terceira, sua mãe falecida Maria Enilda Steimetz Vitt, o que determinou a colocação do seu RAE em diligência e a geração do Processo Sei n. 10443-16.2020.6.21.8085” e que, “naquele processo, a Juíza Eleitoral despachou no sentido do indeferimento do RAE por não comprovação do domicílio eleitoral” (ID 7591933).

Em seguida, os autos foram conclusos e restou indeferido o pedido liminar, ao entendimento de que o expediente se trata de recurso, e que “a inconformidade ocorreu quase 2 meses após o indeferimento da sua transferência - despacho de indeferimento datado de 27.05.2020 -, o que afasta o perigo da demora”, nos seguintes termos (ID 7591983):

Trata-se de insurgência quanto ao indeferimento de transferência do domicílio eleitoral de MARIA SOZELIA NITT JUSTIN para o município de Três Forquilhas ocorrida dentro do bojo do Processo SEI n. 10443-16.2020.6.21.8085.

A recorrente requereu liminar deferindo a transferência do seu título, o que não se mostra viável, tendo em vista não haver risco do perecimento do direito, diante da alteração da data da Eleição para o mês de novembro do corrente ano.

Ademais, a inconformidade ocorreu quase 2 meses após o indeferimento da sua transferência - despacho de indeferimento datado de 27.05.2020 -, o que afasta o perigo da demora.

Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de liminar requerido por MARIA SOZELIA NITT JUSTIN diante da inexistência fática dos seus requisitos legais.

 

Contudo, o pedido de transferência foi ajuizado por intermédio de ação judicial denominada “ação de REVISÃO DE TRANSFERÊNCIA DE DOMICÍLIO”, e não de recurso eleitoral, evidenciando-se que a inicial inclusive apresenta requerimento de produção de prova testemunhal.

Veja-se que o órgão do Ministério Público Eleitoral, com vista dos autos, manifestou-se pela coleta de prova oral, ou juntada de declarações com firma reconhecida, das testemunhas que sustentariam “a alegação da requerente de que reside no local que aponta na petição inicial” (ID 7592383).

A seguir, a eleitora, que alega residir na Estrada Fundo do Chapéu, n. 3300 – Bairro Morro do Chapéu 900, em Três Forquilhas/RS, juntou aos autos uma fatura de energia elétrica emitida em nome de Eli da Silva Gaspar, residente na Estrada Fundo do Chapéu, n. 1695 – Rua Morro do Chapéu 900 Direita, Bairro Morro do Chapéu, Três Forquilhas/RS, e uma declaração conjunta, com firmas reconhecidas, subscrita por Eli da Silva Gaspar e Adão Steimetz Hoffmann, afirmando que “a Sra. Maria Sozella Witt Justin é nossa vizinha e reside na Estrada Fundo do Chapéu, n. 3300, Bairro Morro do Chapéu, Três Forquilhas/RS, desde outubro de 2019” (ID 7592433).

Em face da documentação acostada aos autos, o Ministério Público Eleitoral, com nova vista, opinou pelo deferimento do pedido (ID 7592633).

A sentença recorrida, por sua vez, apontou que o requerimento não atendeu à Portaria n. 02/20 da Juíza Eleitoral da 85ª Zona, pois o comprovante de residência não está em nome da eleitora, e concluiu que “o pedido é intempestivo, já que despacho de indeferimento do pedido de transferência de domicílio ocorreu em 28 de maio de 2020 e a interposição do recurso apenas em 14 de julho de 2020”, extinguindo o processo sem resolução do mérito por falta de pressuposto processual.

Desse modo, considerando que o processo, quando da tramitação na primeira instância, não se tratou de recurso, mas de ação judicial - nada obstante verse sobre matéria administrativa -, e que a magistrada a quo enfrentou o mérito do pedido, considerando-o improcedente, é equivocada a conclusão pela extinção do processo em face da intempestividade.

Nesse ponto, quanto ao entendimento de que o pedido é intempestivo, verifica-se que a eleitora judicializou o requerimento de transferência de domicílio eleitoral, ajuizando, no PJe e por intermédio de seu advogado, a petição inicial que deu origem ao presente processo.

O Processo Judicial Eletrônico é o sistema afeto exclusivamente ao ajuizamento e  à tramitação de ações judiciais perante a Justiça Eleitoral.

Assim, de plano se evidencia que a eleitora, ora recorrente, optou por judicializar a demanda, apesar de o pedido em questão também poder ser formulado, como de fato o foi em maio de 2020, por simples requerimento administrativo, sem a necessidade de propositura de ação judicial.

Dada a competência administrativa e jurisdicional que detém o juízo eleitoral da 85a Zona para analisar o pedido, não se verifica ilegalidade em virtude da escolha do seu processamento pela via judicial, mormente considerado o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inc. XXXV, CF).

Com efeito, de acordo com o STJ, “o esgotamento da instância administrativa não é condição para o ingresso na via judicial” (AgRg no AREsp 217.998/RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 24.9.2012).

Conforme a sentença, o requerimento deduzido na petição inicial havia sido realizado de forma administrativa pela própria eleitora anteriormente, por meio da plataforma título net, e restou indeferido em 28.5.2020, mas é certo que tal decisão, por sua natureza administrativa, produziu coisa julgada administrativa, não sendo caso de decisão judicial transitada em julgado.

Na lição de Hely Lopes Meirelles, “a denominada coisa julgada administrativa, que, na verdade, é apenas uma preclusão de efeitos internos, não tem o alcance da coisa julgada judicial, porque o ato jurisdicional da Administração não deixa de ser um simples ato administrativo decisório, sem a força conclusiva do ato jurisdicional do Poder Judiciário” (Direito administrativo brasileiro. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 687-688).

Com esse entendimento, a recente decisão desta Corte:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ELEIÇÃO 2020. REGISTRO DE CANDIDATURA. INDEFERIMENTO. OMISSÃO. COISA JULGADA ADMINISTRATIVA. VÍCIO NAS RAZÕES DE DECIDIR. PARCIAL PROCEDÊNCIA NÃO GERA EFEITO INFRINGENTE. SÚMULA TSE N. 52. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. ACOLHIMENTO PARCIAL.

1. Apontados vícios quanto às razões de decidir. O acórdão embargado indicou a ocorrência de trânsito em julgado da decisão, prolatada em processo administrativo, que determinou o cancelamento da filiação partidária da recorrente junto à grei. A natureza de tal decisum conduz à formação de coisa julgada administrativa, não sendo caso de decisão judicial transitada em julgado. Acolhimento quanto ao ponto.

(...)

4. Acolhimento parcial dos embargos de declaração, sem atribuição de efeitos infringentes, tão somente para consignar que a decisão prolatada no processo n. 35-91.2011.6.21.0159 produziu coisa julgada administrativa.

5. Acolhimento parcial.

(TRE-RS, REL 0600353-13.2020.6.21.0158, rel. Des. El. Miguel Antônio Silveira Ramos, j. 20.11.2020, publicado em sessão.)

 

Portanto, não há que se falar em intempestividade do presente pedido.

Contudo, é inviável reconhecer a procedência do pedido de transferência de domicílio eleitoral, pois houve longo transcurso de tempo desde a data de emissão da fatura de energia elétrica – em abril de 2020 –,  em nome da mãe da recorrente, já falecida, e que serve como comprovante de residência contido nos autos (ID 7591633).

Não é razoável ou proporcional se levar em consideração, no momento atual, a alegação central contida na peça recursal no sentido de que a conta de luz não foi transferida para o nome da recorrente devido às tratativas pertinentes ao funeral da sua genitora, ocorrido em fevereiro.

Essas razões são, atualmente, insuficientes para o deferimento do pedido de transferência de domicílio eleitoral, devido à falta de atualidade dos fatos (óbito da genitora e tratativas do funeral) e da prova da residência juntada aos autos (fatura de energia elétrica do mês de abril de 2020).

Além disso, levando-se em conta que a reabertura do cadastro eleitoral ocorreu no dia 9 de dezembro de 2020, de acordo com a Resolução TSE n. 23.626/20, é prudente que o pedido seja realizado de modo administrativo ao juízo a quo com o comprovante recente de endereço.

O próprio TSE, ao explicitar os documentos necessários para a transferência de domicílio eleitoral, informa que o eleitor deve apresentar “um comprovante recente do novo endereço (original, digital ou cópia em nome do eleitor, emitido ou expedido nos três meses anteriores à data do atendimento)” (https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2019/Novembro/saiba-como-solicitar-a-transferencia-do-titulo-de-eleitor).

Destarte, considerando que a eleitora já teve tempo suficiente para providenciar as alterações dos documentos que comprovem o endereço residencial no domicílio de Três Forquilhas, nada impede que promova novo pedido de transferência com documentação atualizada.

O requerimento pode ser realizado novamente por meio do aplicativo digital e-Título, com atendimento aos requisitos da Portaria n. 02/2020 expedida pela Juíza da 85ª Zona Eleitoral de Torres.

Esse ato normativo não foi observado pela eleitora e exige, de forma prudente, a apresentação de comprovante de residência em nome do eleitor, “ou qualquer outro documento válido que indicasse a sua moradia no município da transferência”, apontando que “comprovante em nome de terceiros somente se em conjunto for apresentada declaração de residência pelo titular da conta”.

Por fim, consigno que na Justiça Eleitoral não há custas e emolumentos nem são cabíveis as condenações decorrentes de eventual sucumbência, sendo desnecessário o pedido de gratuidade da justiça.

 

Com essas razões, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso.