REl - 0600005-47.2019.6.21.0055 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/01/2021 às 10:00

VOTO

O apelo é tempestivo, motivo pelo qual dele conheço, pois atende aos demais pressupostos processuais. Gizo, nessa linha: apesar de constar na certidão ID 5250583 que Jardel Valandro não teria patrono nos autos, considero regular sua representação processual, diante da procuração da fl. 43, outorgada em nome próprio.

No mérito, as razões combatem a decisão que declarou a inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95 de forma incidental no RE n. 35-92 e que foi observada na fundamentação da sentença recorrida. Dito de outro modo, reside a irresignação (1) na validade da anistia instituída e (2) no impacto da mácula das fontes vedadas sobre a contabilidade.

Transcrevo a ementa do julgamento citado, no ponto pertinente:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18. 1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19. (...) (grifo nosso)

(...)

(TRE/RS, Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, RE 35-92.2016.6.21.0005, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, DEJERS de 23.8.2019.)

Peço vênia para colacionar trecho dos debates realizados na ocasião:

O dispositivo legal objeto do incidente de inconstitucionalidade está assim redigido:

Art. 55-D. Ficam anistiadas as devoluções, as cobranças ou as transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições feitas em anos anteriores por servidores públicos que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político.

O artigo acima transcrito foi incluído na Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.831/19, na data de 19.6.2019, oriundo da derrubada do veto do Presidente da República, por ocasião da sanção do Projeto de Lei n. 1.321/19.

As razões do veto foram as seguintes:

A propositura legislativa ao estabelecer, por intermédio da inclusão do art. 55-D na Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, que ficam anistiadas as devoluções, cobranças ou as transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições feitas em anos anteriores por servidores públicos que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político, acaba por renunciar receitas para a União, sem a devida previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro, em infringência ao art. 113 do ADCT, art. 14 da LRF e arts. 114 e 116 da LDO de 2019.

Contudo, o Congresso Nacional, utilizando da prerrogativa prevista no § 4º do art. 66 da Constituição Federal, rejeitou o veto presidencial.

Como muito bem apontado pelo suscitante, não se tem notícia de que tenha havido apresentação dos dados relativos à estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita sob análise.

A exigência da mencionada estimativa tem sede constitucional, incluída pela EMC n. 95/16 no ADCT:

Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.

Além disso, a legislação infraconstitucional igualmente exige a devida comprovação do impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União (art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18).

Assim, no ponto, o dispositivo legal em questão possui vício de inconstitucionalidade na origem.

O constituinte de 1988 foi contundente ao demonstrar a intenção de dedicar papel central aos partidos políticos no Estado Democrático de Direito, elegendo como fundamento da República Federativa do Brasil o pluralismo político.

[...]

O instituto da prestação de contas tem como escopo emprestar transparência à atividade partidária, identificar a origem e a destinação dos recursos utilizados nas disputas eleitorais, tudo com o propósito de evitar o aporte de dividendos ilícitos no processo eleitoral e evitar o abuso do poder econômico.

Nessa medida, quando esses mesmos organismos que deveriam ser os protagonistas da democracia representativa, em uma verdadeira queda de braço com o Poder Executivo, instituem anistia de todas as verbas consideradas oriundas de fontes vedadas, forçoso reconhecer ofensa direta ao princípio da prestação de contas. Não só isso, sendo o benefício em causa própria e sem qualquer finalidade pública, para dizer o mínimo, há inequívoca violação ao princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, da CF).

A anistia igualmente coloca em situação não isonômica e em posição desfavorável aquelas agremiações partidárias que adimpliram suas obrigações com o recolhimento de importâncias glosadas pela Justiça Eleitoral quando do exame e fiscalização de suas contas.

Significa dizer, nas palavras do eminente Procurador Regional Eleitoral, depois do jogo jogado, mudam as regras e, de forma benevolente e casuísta, concede-se anistia aos que se encontram em mora.

Para além disso, subverte a natureza jurídica do instituto da Anistia, realizando uma aplicação retroativa da Lei n. 13.488/17, que autorizou as doações daqueles que exercem cargo ou função demissível ad nutum, desde que filiados.

Com efeito, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de não ser possível a aplicação retroativa das disposições da Lei n. 13.488/17:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Dr. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.17, por unanimidade.) (Grifei.)

Ressalto que esse entendimento é adotado pelo Tribunal Superior Eleitoral: a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava durante o exercício contábil, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo (ED-ED-PC n. 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Portanto, como reação à interpretação dada pelos Tribunais, o legislador, por meio de expediente nada republicano, moral e ético, aprova regramento anistiando todas doações advindas de servidores demissíveis ad nutum filiados, atribuindo eficácia imediata nos processos de prestação de contas e de criação dos órgãos partidários em andamento, a partir de sua publicação, ainda que julgados (art. 3º da Lei n. 13.831/19).

[...]

Por derradeiro, acrescento que há outros dispositivos nessa mesma Lei n. 13.831/19 de constitucionalidade e integridade duvidosa, como é o caso daqueles que retiram a possibilidade de a Justiça Eleitoral rejeitar contas ou aplicar penalidade às agremiações partidárias que deixaram de aplicar o percentual mínimo de recursos para o financiamento das candidaturas femininas. Entretanto, deixo de avançar no tema, pois não é objeto do presente incidente.

Em resumo, o art. 55-D, inserido na Lei dos Partidos Políticos pela Lei n. 13.831/19, padece de vício de inconstitucionalidade formal e material, na medida em que deixou de ser apresentada estimativa de impacto orçamentário, violou os princípios da prestação de contas, da moralidade administrativa e da integridade legislativa.

Com essas considerações, entendo que merece acolhimento o incidente de inconstitucionalidade suscitado, afastando, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19.

Ora, tendo o Plenário da Corte discutido a matéria e declarado a inconstitucionalidade do dispositivo, cabe uniformizar a jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente (art. 926 do Código de Processo Civil), bem como observar a orientação do plenário do órgão (art. 927, inc. V, do mesmo diploma). Note-se que o julgamento recente e a ausência da indicação de outros elementos hábeis a justificar a revogação de precedente afastam os argumentos de rediscussão, de forma que a transcrição acima realizada é adotada, aqui, expressamente, como razões de decidir.

Na sistemática de controle de constitucionalidade, ainda que existam diversos aspectos sob os quais a norma possa ser reputada válida, a existência de uma mácula é suficiente para a declaração de afronta à Carta Magna. Assim, mesmo que o art. 55-D da Lei dos Partidos Políticos fosse constitucional sob o ponto de vista da anualidade eleitoral, ou da isonomia e segurança jurídica, o reconhecimento da falha no processo legislativo - pela não observância da apresentação da estimativa de impacto orçamentário – seria suficiente para a declaração de inconstitucionalidade.

Dito de outro modo, não se trata de mera transcrição per relationem, pois tendo havido manifestação do Plenário da Corte sobre a inconstitucionalidade da norma e a aplicação do precedente pelo juízo a quo, fica consignada, aqui, a fundamentação de forma ampla, viabilizando-se ao recorrente formular irresignação pelos meios processuais pertinentes.

Na mesma toada, a questão de a anistia implicar renúncia de receita, a qual consta, também, no precedente transcrito. Mesmo sem trânsito em julgado de condenação judicial especificando os valores que deveriam ser recolhidos ao Tesouro Nacional, a elaboração do orçamento público demanda indicação de expectativas, tanto de receita quanto de despesa, de forma que a renúncia desacompanhada do estudo de impacto viola claramente os princípios orçamentários.

Acerca do conceito de receita pública, a Lei n. 4.320/64, que estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, define que as receitas podem ser classificadas em Receitas Correntes e Receitas de Capital, sendo que as primeiras são as receitas tributárias, de contribuições, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços e outras e, ainda, as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas classificáveis em Despesas Correntes (art. 11).

As condenações judiciais, em especial aquelas que determinam o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional para repasse ao Fundo Partidário, caracterizam a última modalidade de receita corrente mencionada. Isso porque o Orçamento da União, Projeto de Lei Orçamentária - Exercício Financeiro 2019, Volume III, prevê que os recursos do Fundo Partidário estão contidos no orçamento do Poder Judiciário, especificamente junto às despesas previstas para a Justiça Eleitoral (fl. 109 do documento), sendo classificados como “Outras Despesas Correntes” (fl. 227 daquela peça).

Sob tal perspectiva, inegável que os valores recolhidos ao Tesouro Nacional para fim de destinação ao Fundo Partidário constituem receita da União, da categoria receita corrente, destinada a atender despesa corrente específica prevista no orçamento do Poder Judiciário.

Ademais, diante do regime jurídico aplicável às doações de fonte vedada, não cabe a discussão de circunstâncias de cunho subjetivo em relação ao ingresso das aludidas receitas, uma vez que a regra proibitiva incide objetivamente, bastando a ocorrência do aporte dos recursos.

No que diz respeito à aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a quantia recebida de fontes vedadas, R$ 300,00 (trezentos) reais, é de pouco significado, e permite a aprovação das contas com ressalvas, sem, todavia, dispensar o recolhimento do total da glosa ao Tesouro Nacional.

Nesse sentido, colaciono precedente da Corte:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSO ADVINDO DE PESSOA JURÍDICA. FONTE VEDADA. VALOR INEXPRESSIVO. APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECOLHIMENTO DA QUANTIA IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. AFASTADA A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.

Recebimento de contribuição procedente de pessoa jurídica, infringindo o disposto no art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15. Ainda que a quantia recebida indevidamente represente 24,48% da receita arrecadada no exercício financeiro, a pouca expressividade do referido valor permite a aprovação das contas com ressalvas. Aplicados os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, consoante entendimento desta Corte. Recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional. Afastada a incidência da sanção de suspensão de quotas do Fundo Partidário, pois a penalidade é cabível apenas aos casos de desaprovação.

Provimento. Aprovação com ressalvas.

(Recurso Eleitoral n. 1951, ACÓRDÃO de 02.9.2019, Relator MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 165, Data: 04.9.2019, p. 11.) (Grifei.)

Assim, forte no precedente invocado, as contas da agremiação devem ser aprovadas com ressalvas.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas do PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB) DE RIOZINHO referentes à movimentação financeira do exercício de 2016, mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 300,00.