REl - 0600190-44.2020.6.21.0122 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/01/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Quanto ao mérito, assevera o recorrente que o acórdão embargado incorreu em três vícios, quais sejam:

1. Contradição, pois indicou inviabilidade de “revisão de mérito de decisões de outras searas” e, ao mesmo tempo, teria revisado “mérito da decisão do Ministério Público gaúcho, que foi pela inexistência de ato de improbidade administrativa”;

2. Omissão, ao não “explicitar qual ato de MARNE, em qual momento e por quais motivos demonstram a existência de dolo do mesmo”;

3. Erro material, pois teria afirmado que o TCE/RS apontara descumprimento do art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal, quando, em verdade, a decisão indicaria tão somente “desrespeito abstrato à LRF”.

À análise.

No relativo à suposta contradição, é inviável adotar o entendimento esposado pelo embargante, no sentido de que o acórdão teria desconsiderado “decisão” do Ministério Público do Rio Grande do Sul. A alegação é de que, não tendo o órgão do Parquet estadual ajuizado ação de improbidade administrativa perante o juízo competente, não caberia, nesta Justiça Especializada, concluir pela ocorrência de improbidade.

Sem razão.

Em primeiro lugar, e com o perdão da obviedade: o Ministério Público não decide. Não exara decisões. Tem as suas competências estampadas constitucionalmente, e dentre elas não está a de proferir decisões. Denominar de “decisão” a inocorrência de ajuizamento de ação de improbidade pelo Ministério Público Estadual é de inviável imprecisão conceitual, sobretudo ao considerarmos a linguagem jurídica (lente pela qual há de ser lido o verbete n. 41 do Tribunal Superior Eleitoral).

Ademais, há nos presentes autos manifestação também do Ministério Público atuante na Justiça Eleitoral, opinando pela ocorrência de ato de improbidade administrativa – e nem se diga seja a Procuradoria Regional Eleitoral incompetente para tratar do tema.

Há, aqui, a competência para tratar do tema da improbidade para fins eleitorais, nítido está. Ora, o embargante se cala no que diz respeito aos seguintes fatos: AIRC ajuizada pelo Promotor Eleitoral; recurso do Ministério Público Eleitoral, parecer da Procuradoria Regional Eleitoral – sempre com opiniões pela ocorrência de ato de improbidade administrativa.

Se, portanto, nos lindes do direito administrativo lato sensu não houve a averiguação de ato de improbidade, a independência das esferas permite, com vistas à detecção de causa de inelegibilidade, que aqui o item seja debatido e exarada decisão, suportada em outras decisões.

O tema foi tratado no acórdão embargado, como segue:

[...]

Ademais, afaste-se também as alegações do recorrido relativas à atuação do Ministério Público perante outros ramos do Poder Judiciário – penal ou cível, diante da independência entre as esferas. O atuar do Parquet, por exemplo, em investigações ou ações de improbidade perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul é situação indiferente ao julgamento da presente demanda.

Ora, se, conforme a Súmula n. 41 do TSE, não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto, ou desacerto, das decisões proferidas por outros órgãos do Judiciário, ou dos Tribunais de Contas, que configurem causa de inelegibilidade, menos ainda há de se perquirir a atuação (ou não atuação) do Ministério Público, cujos representantes gozam de independência funcional para a realização do mister constitucional entregue àquela instituição.

Dito de outro modo, pretender vincular a atuação do Ministério Público Eleitoral à do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, ainda que sobre os mesmos fatos, é de todo descabido.

 

Afasto a alegada contradição.

No que diz respeito à suposta omissão das circunstâncias que indicariam a presença de dolo no ato de improbidade administrativa, convém trazer o seguinte trecho do acórdão:

Ou seja, o recurso do Ministério Público Eleitoral está a merecer provimento no ponto, uma vez que foi detectada pelo órgão de contas desobediência à LC n. 101/00, condição que a jurisprudência do TSE entende suficiente, por si só, como caracterizadora da prática de ato doloso de improbidade administrativa:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. INDEFERIMENTO. REJEIÇÃO DE CONTAS PELO TCE/RJ. AFERIÇÃO DAS CAUSAS DE INELEGIBILIDADE A CADA ELEIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE COISA JULGADA OU DIREITO ADQUIRIDO. PRECEDENTES. DESCUMPRIMENTO DOS ARTS. 1º E 42 DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. EMISSÃO DE ALERTA, PELA CORTE DE CONTAS, NO EXERCÍCIO ANTERIOR. INÉRCIA DO GESTOR. CONFIGURAÇÃO DE ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INSANABILIDADE. HIPÓTESE DE INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, “g”, DA LC Nº 64/1990. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO .

1- A decisão proferida em ação de impugnação ao registro de candidatura, afastando a incidência de inelegibilidade, tem eficácia restrita àquele pleito e não produz os efeitos exógenos da coisa julgada para eleições posteriores. Precedentes.

2- O art. 1º, I, “g”, da LC nº 64/1990 exige, para a sua configuração, a presença dos seguintes requisitos: exercício de cargos ou funções públicas; rejeição das contas pelo órgão competente; insanabilidade da irregularidade verificada; ato doloso de improbidade administrativa; irrecorribilidade do pronunciamento de desaprovação das contas e inexistência de suspensão ou anulação judicial do aresto de rejeição das contas.

3- A inércia do gestor público em reduzir o déficit público, apesar de emitido alerta pelo Tribunal de Contas, evidencia o descumprimento deliberado das obrigações constitucionais e legais que lhes eram impostas e consubstancia irregularidade insanável em suas contas que caracteriza ato doloso de improbidade administrativa.

4- A existência de contratos assinados e despesas decorrentes de empenhos emitidos nos últimos dois quadrimestres do mandato do gestor público, sem suficiente disponibilidade de caixa, indica a existência de irregularidade insanável em suas contas que caracteriza ato doloso de improbidade administrativa.

5- O descumprimento dos arts. 1º, § 1º e 42, da Lei de Responsabilidade Fiscal constitui irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa, que, juntamente com os demais requisitos identificados, atrai a causa de inelegibilidade do art. 1º, I, “g”, da LC nº 64/1990.

6- Agravo regimental a que se nega provimento.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO Nº 0600769-92.2018.6.19.0000 – RIO DE JANEIRO – Relator: Ministro Edson Fachin. Unânime.

Note-se que o caso é idêntico ao dos autos (descumprimento do art. 42 da LC n. 101/00) pois lá houve, como aqui, nos últimos dois quadrimestres do mandato exercido pelo recorrido, contração de obrigação de despesa não cumprida integralmente dentro do exercício, ou com parcelas a serem pagas no exercício seguinte, sem a suficiente disponibilidade de caixa.

O paradigma, veja só, envolve inclusive o mesmo ano de 2012, e o TSE entendeu, repito, que a simples desobediência ao art. 42 da LC n. 101/00 foi apta a configurar o ato doloso de improbidade administrativa, da qual decorreu irregularidade insanável.”

(Grifei.)

 

Ou seja, indubitável, pela mera leitura do trecho, que constam no acórdão as circunstâncias indicadas como ausentes: MARNE praticou ato doloso de improbidade administrativa ao contrair, em resumo, nos dois últimos quadrimestres do mandato exercido, obrigação não cumprida dentro do exercício.

Esse o ato, essas as circunstâncias que apontam o dolo.

Afasto a omissão, igualmente.

Finalmente, no que diz respeito à indicação de erro material, impõe-se esclarecer que o acórdão apenas identificou topicamente o dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal desobedecido, em vista, exatamente, da constatação do TCE/RS, ratificada pela Câmara de Vereadores de Mostardas, de que MARNE não atendeu à Lei de Responsabilidade Fiscal no exercício de 2012.

E tal proceder é absolutamente legítimo, pois, sem julgar o acerto ou desacerto da decisão da Corte de Contas, mas sim a partir dela, é que a Justiça Eleitoral perquire a ocorrência de hipótese de inelegibilidade – no caso, portanto, a partir das condutas descritas pelo TCE/RS é que este Tribunal identificou o art. 42 da LRF como desobedecido, até mesmo porque “a Justiça Eleitoral é competente para analisar o teor do acórdão dos órgãos de contas, a fim de verificar se a eventual irregularidade que ensejou a rejeição delas tem natureza insanável e se configura ato doloso de improbidade administrativa”. (TSE, RESPE n. 155-71, Rel. Min. Henrique Neves, j. em 16.3.2017), de modo que “uma vez rejeitadas as contas, a Justiça Eleitoral não só pode como deve proceder ao enquadramento jurídico das irregularidades como sanáveis ou insanáveis, para fins de incidência da inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar n. 64/90” (TSE, AgR-REspe n. 482-80, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 17.12.2012).

Ou seja, inexistentes os vícios apontados, não há que se falar em acolhimento.

Diante do exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.