REl - 0600006-14.2019.6.21.0158 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/01/2021 às 10:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a grei partidária insurge-se contra a sentença que aprovou com ressalvas as contas, porém determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, acrescidos de multa no percentual de 20%, ao entendimento de que teria havido o recebimento de recursos de fonte vedada e a utilização irregular de verbas do Fundo Partidário.

Passo, pois, ao exame das irregularidades e da multa objeto do recurso.

Do recebimento de recursos de fonte vedada

No que tange ao primeiro ponto, verificou-se que o órgão partidário recebeu, no exercício de 2018, doze contribuições mensais de R$ 30,00, totalizando R$ 360,00, provenientes de Mirela Fetter Tusi.

O juízo a quo, entendendo que a doadora ostentava a qualidade de autoridade pública, pois ocupante de cargo de gerência adjunta em agência do Banco do Estado do Rio Grande do Sul S/A (Banrisul), glosou o montante doado, por considerá-lo oriundo de fonte vedada.

O recorrente alega que, embora não tenha sido registrada a filiação da doadora, por desídia do diretório municipal, é possível constatar-se sua vinculação partidária e sua condição de militante, à vista das contribuições mensais à grei política. Por essa razão, seriam regulares os valores arrecadados, devendo ser cassada a determinação de recolhimento ao erário.

Pois bem.

Não há que se confundir filiação partidária, situação jurídica em que o eleitor faz parte dos quadros da agremiação e da qual brotam direitos e deveres próprios decorrentes da legislação e das normas internas do partido, mediante o atendimento de requisitos específicos para o gozo desse status, com a mera vinculação ideológica ou simpatia à legenda.

Ora, a filiação partidária, erigida à condição de elegibilidade pelo texto constitucional e regulada por lei e normas do Tribunal Superior Eleitoral, representa uma relação jurídica formalizada pelo interessado junto ao partido por subscrição de ficha de filiação e comprovada mediante inclusão do eleitor na relação oficial armazenada no sistema Filia, na forma propugnada pelo art. 29 da Resolução TSE n. 23.596/19, o que não se verifica nos autos.

Do mesmo modo, inaplicável ao caso o enunciado da Súmula TSE n. 20, que permite o suprimento da lista oficial entregue à Justiça Eleitoral por outros elementos de prova de oportuna filiação, uma vez que não há prova documental mínima a respeito do fato, sendo inviável presumir-se tal situação jurídica apenas com base no suposto histórico de  militância partidária ou, menos ainda, a partir da constância das próprias contribuições financeiras tidas por irregulares.

Nesse passo, a Resolução TSE n. 23.546/17, em seu art. 12, inc. IV e § 1º, estatui que as receitas auferidas pelo partido, se provenientes de autoridade pública, são consideradas de fonte vedada, salvo quando o agente público for filiado à agremiação. Transcrevo, a seguir, o dispositivo:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…).

IV – autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se autoridades públicas, para fins do inciso IV do caput, pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

Na espécie, a autoridade pública não se encontrava filiada, logo, hão de ser reputados como originários de fonte vedada os valores por ela doados ao Partido dos Trabalhadores.

Adiante, o recorrente defende que o cargo de Gerente Adjunto do Banrisul teria sido ocupado por Mirela Fetter Tusi apenas durante o mês de janeiro de 2018, com estribo no que foi lançado em parecer da unidade técnica.

De fato, o órgão de análise, em seu parecer inicial (ID 6529683), conquanto tenha apontado como irregulares todas as contribuições efetuadas pela doadora, assinalou na tabela pertinente, de maneira equivocada, que Mirela havia exercido o cargo de gerência no período de 01.01.2018 a 31.01.2018.

Contudo, posteriormente, por ocasião do parecer técnico conclusivo, houve a devida retificação (ID 6530383), restando consignado que o desempenho do cargo se deu até o dia 31.12.2018, e não como anteriormente havia constado.

Por sua vez, o recorrente não trouxe elementos probatórios capazes de conduzir à conclusão diversa da informada no parecer técnico retificado, sendo, diante disso, irretocável o entendimento do juízo monocrático que considerou como oriunda de fonte vedada a totalidade das contribuições realizadas por Mirela Fetter Tusi.

Nesse passo, há de ser mantida a determinação de recolhimento de R$ 360,00 ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

Da utilização irregular de recursos do Fundo Partidário

No tocante à segunda irregularidade, referente à utilização de verbas do Fundo Partidário para pagamento de despesas de pessoal em percentual superior ao limite legal, adianto que o recurso também não comporta provimento.

O recorrente cinge-se a asseverar que:

(...) o Diretório Municipal de Porto Alegre não recebeu em exercícios anteriores valores do fundo partidário, o que colaborou para a desatenção contábil na aplicação do recurso, excedendo os percentuais legais no que tange a manutenção da sede. No entanto, a prestação de contas dos valores demonstra sua efetiva utilização para fins partidários. Assim, diante das circunstâncias demonstradas do recebimento esporádico de recursos do fundo partidário, bem assim o montante pouco expressivo no conjunto das contas partidárias, e a devida prestação de contas dos gastos efetuados, conduz ao afastamento da glosa, o que se requer neste grau recursal.

Quanto ao tema, o art. 21, inc. II, da Resolução TSE n. 23.546/17 estabelece que, sendo utilizados recursos do Fundo Partidário para pagamento de despesas com pessoal, o órgão partidário municipal deve observar o limite de 60% do total da receita que houver recebido daquele fundo no respectivo exercício financeiro, verbis:

Art. 21. No caso de utilização dos recursos oriundos do Fundo Partidário para pagamento de despesas com pessoal, a qualquer título, inclusive mediante locação de mão de obra, devem ser observados os seguintes limites relativos ao total do Fundo Partidário recebido no exercício financeiro em cada nível de direção:

I – 50% (cinquenta por cento) para o órgão nacional; e

II – 60% (sessenta por cento) para cada órgão estadual e municipal.

O parecer técnico indicou que a agremiação recebeu do Fundo Partidário R$ 8.000,00 e, desse montante, empregou R$ 7.892,78 para pagamento de despesas com pessoal, cifra que representa 98% do total arrecadado.

Desse modo, foi extrapolado o patamar máximo de 60% para tais gastos.

Ao contrário do afirmado pela agremiação, o recebimento esporádico de recursos do Fundo Partidário, a inexpressividade do valor ante o total das contas e a efetiva prestação de contas dos gastos efetuados não têm o condão de afastar a imposição legal de observância do teto percentual de gastos de despesas com pessoal.

Havendo a superação do limite assinalado no dispositivo em comento, o valor correspondente ao percentual excedente caracteriza-se como irregular, devendo ser restituído ao erário.

No caso dos autos, o valor máximo de recursos do Fundo Partidário que poderia ter sido destinado ao pagamento de despesas com pessoal era de R$ 4.800,00, mas foram utilizados R$ 7.892,78. Assim, a diferença entre tais quantias, ou seja, R$ 3.092,78, deve ser recolhida ao Tesouro Nacional.

Com essas considerações, tenho que deve ser mantida a sentença quanto ao tópico.

Da multa

Por derradeiro, quanto à multa de 20% sobre o valor glosado imposta na sentença, merece provimento o recurso, no trilhar do qualificado parecer da Procuradoria Regional Eleitoral.

A multa aplicada, com previsão no art. 49 da Resolução TSE n. 23.546/17, é cabível exclusivamente na hipótese de desaprovação das contas, o que não ocorreu no caso dos autos, pois a sentença aprovou-as com ressalvas em razão da insignificância percentual das falhas, que representam apenas 1,3329% do total de recursos auferidos no exercício financeiro.

Nesse sentido se alinha a jurisprudência desta Corte:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. IRREGULARIDADES NA COMPROVAÇÃO DE DESPESAS EFETUADAS COM RECURSOS ORIUNDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. APORTE DE RECEITAS ADVINDAS DE FONTES VEDADAS. IRRETROATIVIDADE DE NOVAS DISPOSIÇÕES LEGAIS. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE INEXPRESSIVO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Irregularidade na utilização de verbas oriundas do Fundo Partidário. Ausência de comprovantes fiscais relativos a despesas e apresentação de documento emitido com prazo vencido para a comprovação dos gastos, em desacordo com o disposto no art. 18, c/c o inc. VI do art. 29, c/c § 2º e inc. II do art. 35, todos da Resolução TSE n. 23.464/15.

A falta da adequada comprovação dos gastos efetivados com a verba do Fundo Partidário enseja o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

2. Percepção de receita proveniente de fonte vedada. Os cargos de chefia e direção enquadram-se no conceito de autoridade pública disciplinado no art. 12, inc. IV, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

2.1. Por tratar-se de contas relativas ao exercício de 2016, quanto ao mérito, as irregularidades devem ser examinadas conforme as regras previstas na norma de regência vigente ao tempo dos fatos, observando os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica. 2.2. Declaração incidental da inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95 proferida por esta Corte. Afastada a possibilidade de reconhecimento da anistia, devendo ser determinado o recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, consoante o art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

3. Depósitos efetuados na conta bancária da grei sem a identificação dos respectivos doadores originários, em dissonância com o previsto nos arts. 5º, inc. IV, e 7º, ambos da Resolução TSE n. 23.464/15. A falta de indicação da origem das receitas impede a atuação fiscalizatória da Justiça Eleitoral quanto à licitude dos valores e, como consequência, malfere a transparência que deve revestir o exame contábil. Quantia que deve ser considerada como de origem não identificada, impondo-se o recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme o disposto no art. 14 da Resolução TSE n. 23.464/15.

4. Falhas que representam 0,25% dos recursos auferidos no exercício financeiro em análise, possibilitando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para mitigar a severa penalidade de desaprovação das contas, circunstância que afasta a sanção de multa de até 20% e a penalidade de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário.

5. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PC n. 40-95.2017.6.21.000, Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 7.4.2020.)

(Grifei.)

 

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. AFASTADA A PRELIMINAR DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. MÉRITO. RECURSOS ADVINDOS DE FONTES VEDADAS. AUTORIDADES. IRREGULARIDADES QUE SOMAM O PERCENTUAL DE 9,86% DAS RECEITAS AUFERIDAS PELA GREI NO EXERCÍCIO FINANCEIRO EM ANÁLISE, POSSIBILITANDO O JUÍZO DE APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. REDUÇÃO DO VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADAS AS PENALIDADES DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO E DE MULTA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas. É vedado aos partidos políticos receber doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, quando ostentarem a condição de autoridades.

2. Inviável reconhecer a aduzida inconstitucionalidade do art. 65, inc. III, da Resolução TSE n. 23.546/17 por mostrar-se incompatível com o art. 60, § 4º, inc. III, da Constituição Federal. Embora o art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 13.488/17, considere regular as doações realizadas por autoridades públicas com vínculo partidário, essa regra alcança, tão somente, as doações efetuadas após a data da sua publicação, qual seja, 06.10.2017, não sendo aplicável a todo o exercício financeiro de 2017. Incidência da legislação vigente à época em que efetivadas as doações por autoridades públicas.

3. Irregularidades que somam o percentual de 9,86% da totalidade das receitas arrecadadas pela agremiação no exercício financeiro em análise, possibilitando o juízo de aprovação das contas com ressalvas, na esteira da jurisprudência firmada pelo Tribunal Superior Eleitoral, igualmente adotada no âmbito deste Tribunal.

4. Redução do valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional e afastadas as penalidades de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário e de multa.

5. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, RE n. 1526, Relatora Desa. Marilene Bonzanini, julgado em 14.5.2019.)

(Grifei.)

Desse modo, há de ser afastada a multa de 20% sobre o valor julgado irregular, dando-se provimento ao recurso neste aspecto.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso para afastar a multa de 20% sobre o montante irregular imposta na sentença, mantendo, porém, a condenação de recolhimento ao Tesouro Nacional das quantias de R$ 360,00, pelo recebimento de recursos de fonte vedada, e de R$ 3.092,78 por aplicação irregular de verbas do Fundo Partidário.