REl - 0600001-48.2019.6.21.0010 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/01/2021 às 10:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo. 

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, dele conheço.

Mérito

Trata-se de recurso interposto pelo PROGRESSISTAS (PP) de Cachoeira do Sul e pelos dirigentes partidários à época do exercício financeiro, JÚLIO ROBERTO FERREIRA LOPES e CESAR GILMAR TROJAHN, contra sentença do Juízo da 10ª Zona Eleitoral, que desaprovou as suas contas relativas ao exercício de 2016, condenou a agremiação e, subsidiariamente, o segundo e terceiro recorrentes ao recolhimento da quantia de R$ 192.500,00 ao Tesouro Nacional, acrescida de multa de 20%.

Da análise do parecer conclusivo emitido pelo órgão técnico, verifica-se que a contabilidade apresenta as seguintes irregularidades, adianto, todas revestidas de extrema gravidade:

Primeiramente, as contas apresentadas não informaram o recebimento de R$ 190.000,00 do Fundo Partidário e os respectivos gastos, assim como omitiram a conta bancária em que tal recurso foi movimentado. 

Mencionado recurso financeiro foi repassado no período em que o partido estava impedido de receber verbas do Fundo Partidário em face da omissão do dever de prestar contas nos exercícios anteriores, conforme apontado no exame técnico (ID 4911883 - fl. 48).

Verificado, nos extratos eletrônicos disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral, o trânsito de tal quantia pela conta bancária do prestador, o partido requereu a expedição de ofício ao Banco do Estado do Rio Grande do Sul sob a alegação de que não tinha acesso a tais documentos.

Além disso, foi detectado pela unidade técnica de exame o depósito de R$ 2.500,00 na conta bancária n. 608246306, da agência 0990 do Banrisul, destinada ao recebimento de outros recursos, indicando, como depositante, o próprio partido, bem como a realização de  pagamentos no total de R$ 190.000,00 com recursos do Fundo Partidário de forma totalmente irregular.

Passo à análise individualizada das irregularidades que levaram à desaprovação das contas e à condenação ao recolhimento de valores ao erário, em cotejo com as razões recursais.

Do recebimento de recursos do Fundo Partidário durante o período de suspensão

Conforme apontado pelo parecer técnico, o PROGRESSISTAS de Cachoeira do Sul, ora recorrente, recebeu a quantia de R$ 190.000,00 do Fundo Partidário, sendo R$ 50.000,00 em agosto e R$ 140.000,00 em setembro de 2016, período em que o partido estava proibido de obter tais recursos por ausência de prestação de contas nos anos anteriores.

A providência obrigatoriamente esperada de qualquer pessoa física ou jurídica que receba recursos financeiros por equívoco ou erro de terceiros, como parece ter ocorrido no caso, é a imediata devolução ao depositante. Mas não foi essa a atitude do partido, que se apropriou indevidamente do recurso público e o utilizou de forma totalmente irregular. 

A defesa dos recorrentes, invocando o art. 37, § 9º, da Lei n. 9.096/95, sustenta que, no ano de 2016, já havia autorização legal para suspensão dessa penalidade, no segundo semestre, em virtude do período eleitoral.

Todavia, como bem salientou o Procurador Regional Eleitoral, o benefício expresso no § 9º do art. 37 da Lei n. 9.096/95 apenas e tão somente suspende, no segundo semestre do ano eleitoral, o desconto de valores relativos a condenações de recolhimento ao erário. Em outras palavras, nesse período, os órgãos partidários que tiverem sido condenados a devolver recursos ao erário por meio de desconto no repasse de verbas do Fundo Partidário, receberiam o recurso integral, sem qualquer dedução.

Assim, não se trata de uma trégua na penalidade de suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário e, muito menos, aplica-se a partidos que tiveram suas contas julgadas como não prestadas.

Veja-se, a propósito, a literalidade da norma, tanto na Lei n. 9.096/95 quanto na Resolução TSE n. 23.464/15, aplicável, quanto ao mérito, às contas em questão:

Lei n. 9.096/95:

Art. 37. A desaprovação das contas do partido implicará exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento).

(...)

§ 9º O desconto no repasse de cotas resultante da aplicação da sanção a que se refere o caput será suspenso durante o segundo semestre do ano em que se realizarem as eleições.

Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 49. A desaprovação das contas do partido implicará a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento) (Lei nº 9.096/95, art. 37).(...)

§ 6º O desconto no repasse de quotas resultante da aplicação da sanção a que se refere o caput deste artigo será suspenso durante o segundo semestre do ano em que se realizarem as eleições (Lei nº 9.096/95, art. 37, § 9º).

Equivocados, portanto, os argumentos apresentados pelos recorrentes. Em consequência, a quantia de R$ 190.000,00 ilegalmente recebida deve ser integralmente restituída ao erário, conforme assentado na decisão recorrida.

Do depósito de R$ 2.500,00 efetuado com o CNPJ do próprio partido

No ponto, a sentença considerou tratar-se de recurso de origem não identificada e determinou o recolhimento da verba ao Tesouro Nacional.

Alegam os recorrentes que o valor havia sido obtido dos dirigentes, para custear a locação de uma sala, e fora depositado por equívoco na conta n. 608246306 do Banrisul, quando deveria ter sido depositado na conta “normal” (n. 0608278104). 

Afirmam que a locação foi comprovada com a juntada de cópia do contrato, o qual teria perdurado por apenas três meses, e pedem a aprovação das contas ao argumento de tratar-se de mera irregularidade. 

Sem razão.

O cerne da questão não se refere ao tipo de conta bancária em que foi efetuado o depósito ou à falta de comprovação da despesa.

Conforme restou claro, tanto no parecer conclusivo como na sentença recorrida, a irregularidade consiste na ausência de identificação dos doadores originários do recurso.

A mera alegação de que foi arrecadado dos dirigentes partidários não comprova a origem, restando caracterizado o recebimento de recursos de origem não identificada, nos termos do disposto no art. 13 da Resolução TSE n. 23.464/15, verbis:

Art. 13. É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, recursos de origem não identificada.

Parágrafo único. Constituem recursos de origem não identificada aqueles em que:

I – o nome ou a razão social, conforme o caso, ou a inscrição no CPF do doador ou contribuinte, ou no CNPJ, em se tratando de partidos políticos ou candidatos:

a) não tenham sido informados; ou

b) se informados, sejam inválidos, inexistentes, nulos, cancelados ou, por qualquer outra razão, não sejam identificados;

II – não haja correspondência entre o nome ou a razão social e a inscrição no CPF ou CNPJ informado; e

III – o bem estimável em dinheiro que tenha sido doado ou cedido temporariamente não pertença ao patrimônio do doador ou, quando se tratar de serviços, não sejam produtos da sua atividade.

À idêntica conclusão chegou o Procurador Regional Eleitoral (ID 5210133), de cujo parecer colaciono o seguinte excerto:

[...]

Com relação à alegação de que tais valores teriam sido obtidos perante os dirigentes partidários, vem destituída de qualquer comprovação, a qual, segundo apontado, só seria lograda mediante a juntada das microfilmagens dos cheques nominais de tais pessoas ao partido ou mediante comprovante do depósito bancário constando o CPF do depositante. 

[...]

Caracterizado o recebimento de recursos de origem não identificada, impõe-se o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14 da já citada resolução, não merecendo a sentença qualquer reparo neste ponto.

Da ausência de comprovantes idôneos dos gastos realizados com recursos do Fundo Partidário 

Conforme mencionado em tópico anterior, o PROGRESSISTAS de Cachoeira do Sul, ora recorrente, omitiu na sua prestação de contas relativa ao exercício de 2016 o recebimento de RS 190.000,00 do Fundo Partidário, assim como omitiu a conta bancária n. 0608246306, aberta e mantida junto ao Banrisul, na qual referidos recursos foram depositados. 

Para uma melhor compreensão, segue, resumidamente, a cronologia dos atos processuais realizados desde a autuação até a prolação da sentença, verificados no PDF que inaugura este processo eletrônico:

O partido apresentou as contas informando receita de R$ 145,35 e despesas de R$ 34,00, além de extratos bancários de uma única conta bancária, a de n. 0608278104 (fls. 02-05 do PDF).

 Intimado para apresentar vinte peças faltantes (fl. 21), o ora recorrente juntou os documentos das fls. 22 a 44, dentre os quais demonstrativos de recebimento e distribuição de recursos do Fundo Partidário zerados (fls. 31-32).

Na sequência, sobreveio exame técnico no qual foram apontadas as omissões quanto ao recebimento de R$ 190.000,00 do Fundo Partidário e respectivas despesas, assim como quanto à conta bancária n. 608246306.

Após sucessivos pedidos de dilação de prazo, o prestador requereu expedição de ofício ao Banrisul para a exibição dos recibos de saques e cheques compensados, sob o argumento de que “os dirigentes do Partido Progressista não têm acesso” (fl. 67), pedido indeferido pelo juízo ao fundamento de que os dirigentes tinham legitimidade para requerer as informações diretamente ao banco (fl. 75).

Intimados, os recorrentes nada providenciaram a respeito. Na sequência, foi realizado o exame técnico e apresentado o respectivo parecer conclusivo pela desaprovação das contas e recolhimento de valores ao erário (fls. 92-102), seguido de manifestação do Ministério Público Eleitoral de primeiro grau no mesmo sentido (fls. 105-106).

A seguir, oferecida defesa intempestiva (fls. 111-114), o partido reiterou requerimento anterior no sentido de que fosse expedido ofício ao Banrisul para apresentação de recibos de saques e de cheque, sob o seguinte argumento:

[…] o pedido se justifica em razão das inúmeras movimentações trazidas no parecer conclusivo, de forma a saber quem o fez e ter ideia do destino dos valores para que possam os dirigentes diligenciarem em busca das notas fiscais e recibos da época […].

Deferido o pedido, sobrevieram os documentos das fls. 122-145, dos quais foi aberta vista ao órgão partidário para manifestação no prazo de cinco dias (fl. 147).

Em resposta, o partido juntou aos autos 22 recibos simples, disponíveis para venda em livrarias, todos com a indicação de “serviços prestados”.

 Em resumo, os recorrentes apresentaram uma prestação de contas com a ínfima movimentação de R$ 145,35 de receita e R$ 34,00 de despesas e extratos de uma única conta bancária, omitindo por completo a destinação de R$ 190.000,00 oriundos do Fundo Partidário, e apenas depois que a agência bancária trouxe aos autos cópia microfilmada de cheques e de comprovantes de saques é que vieram aos autos os recibos que, adianto, não se prestam para comprovar gastos realizados com recursos do Fundo Partidário, de natureza evidentemente pública.

A uma, porque são recibos simples, desses comprados em livraria, notadamente “fabricados” a partir dos documentos apresentados pelo banco, conforme exemplar abaixo:

A própria manifestação do partido deixa clara essa circunstância ao referir, à fl. 111 do PDF, que o pedido de expedição de ofício ao Banrisul para a apresentação de documentos se justificaria “em razão das inúmeras movimentações trazidas no parecer conclusivo, de forma a saber quem o fez e ter ideia do destino dos valores, para que possam os dirigentes diligenciarem em busca das notas fiscais e recibos da época...”. (Grifei.)

Tal afirmação remete à falsa ideia de que os recorrentes assumiram um órgão partidário abandonado pela administração anterior. 

Entretanto, no presente caso, os dirigentes responsáveis pela apresentação das contas, em 2017, se confundem com os do exercício financeiro de 2016 (fl. 06 do PDF), tendo havido plena continuidade da administração partidária.

Nesse cenário, não é crível que o presidente da agremiação, JULIO ROBERTO FERREIRA LOPES, não conheça o destino dos valores que ele mesmo sacou, conforme demonstram os recibos de saques, tanto por retirada na boca do caixa quanto por cheques (122/127).

E, dentre os “recibos” apresentados, dois foram emitidos pelo próprio JÚLIO:

 

Não existe nos autos nenhuma comprovação efetiva dos serviços alegadamente prestados ao partido ou mesmo qualquer menção quanto à natureza de tais serviços, limitando-se os pretensos recibos a informar um nome e CPF, sem sequer mencionar o endereço do emitente e a obrigatória discriminação dos serviços prestados, que deveria estar acompanhada dos respectivos contratos.

Ademais, causa estranheza a contratação, pelo partido, do seu próprio presidente para prestar serviços de R$ 4.300,00 e R$ 31.046,32. As partes não trouxeram aos autos qualquer explicação para a alegada contratação do dirigente, assim como para a ausência de documentos fiscais idôneos relativos às despesas supostamente realizadas.

Limitam-se os recorrentes a sustentar que os recibos atendem ao disposto no art. 18 da Resolução TSE n. 23.546/17, a qual, convém ressaltar, se aplica ao feito apenas em relação ao rito processual, não ao mérito, que se regula pela Resolução TSE n. 23.464/15.

Pois bem.

A Resolução TSE n. 23.464/15 assim disciplina a matéria:

Art. 18. A comprovação dos gastos deve ser realizada por meio de documento fiscal idôneo, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

§ 1º Além do documento fiscal idôneo a que se refere o caput deste artigo, a Justiça Eleitoral pode admitir, para fins de comprovação de gasto, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos, tais como:

I – contrato;

II – comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço;

III – comprovante bancário de pagamento; ou

IV – Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social (GFIP).

§ 2º Quando dispensada a emissão de documento fiscal, na forma da legislação aplicável, a comprovação da despesa pode ser realizada por meio de documentação que contenha a data de emissão, a descrição e o valor da operação ou prestação, a identificação do destinatário e do emitente pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

§ 3º Os documentos relativos aos gastos com a criação ou manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres devem evidenciar a efetiva execução e manutenção dos referidos programas, nos termos do inciso V do art. 44 da Lei nº 9.096, de 1995, não sendo admissível mero provisionamento contábil.

§ 4º Os gastos partidários devem ser pagos mediante a emissão de cheque nominativo cruzado ou por transação bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, ressalvado o disposto no art. 19 desta resolução.

§ 5º O pagamento de gasto, na forma prevista no caput deste artigo, pode envolver mais de uma operação, desde que o beneficiário do pagamento seja a mesma pessoa física ou jurídica.

§ 6º Nos serviços contratados com a finalidade de locação de mão de obra, é exigida a apresentação da relação do pessoal alocado para a prestação dos serviços, com a indicação dos respectivos nomes e CPFs.

§ 7º Os comprovantes de gastos devem conter descrição detalhada, observando-se que:

I – nos gastos com publicidade, consultoria e pesquisa de opinião, os respectivos documentos fiscais devem identificar, no seu corpo ou em relação anexa, o nome de terceiros contratados ou subcontratados e devem ser acompanhados de prova material da contratação;

II – os gastos com passagens aéreas serão comprovados mediante apresentação de fatura ou duplicata emitida por agência de viagem, quando for o caso, desde que informados os beneficiários, as datas e os itinerários, vedada a exigência de apresentação de qualquer outro documento para esse fim (Lei nº 9.096, art. 37, § 10); e

III – a comprovação de gastos relativos a hospedagem deve ser realizada mediante a apresentação de nota fiscal emitida pelo estabelecimento hoteleiro com identificação do hóspede. 

Veja-se que tanto o recibo deve conter a descrição dos serviços quanto o pagamento deve ser feito por meio de cheque nominativo cruzado ou por transação bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário.

Nada disso ocorreu.

Os recibos apresentados não se prestam para comprovar os gastos e, além disso, os saques foram realizados em espécie pelo então presidente JÚLIO.

Assim, não há como apurar se as despesas efetivamente foram realizadas e, muito menos, se fazem parte do rol taxativo de GASTOS passíveis de serem pagos com recursos do Fundo Partidário, conforme disciplina do art. 17 da Resolução TSE n. 23.464/15, verbis:

Art. 17. Constituem gastos partidários todos os custos e despesas utilizadas pelo órgão do partido político para a sua manutenção e consecução de seus objetivos e programas.

§ 1º Os recursos oriundos do Fundo Partidário somente podem ser utilizados para pagamento de gastos relacionados à/ao (Lei nº 9.096/95, art. 44):

I – manutenção das sedes e serviços do partido;

II – propaganda doutrinária e política;

III – alistamento e campanhas eleitorais;

IV – criação e manutenção de fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política;

V – criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.

VI – pagamento de mensalidades, anuidades e congêneres devidos a organismos partidários internacionais que se destinem ao apoio à pesquisa, ao estudo e à doutrinação política, aos quais seja o partido político regularmente filiado; e

VII – pagamento de despesas com alimentação, incluindo restaurantes e lanchonetes.

§ 2º Os recursos do Fundo Partidário não podem ser utilizados para a quitação de multas relativas a atos infracionais, ilícitos penais, administrativos ou eleitorais ou para a quitação de encargos decorrentes de inadimplência de pagamentos, tais como multa de mora, atualização monetária ou juros.

§ 3º Os recursos do Fundo Partidário, ainda que depositados na conta bancária prevista no inciso I do art. 6º desta resolução, são impenhoráveis e não podem ser dados em garantia.

No mesmo sentido é o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, do qual extraio o seguinte excerto, verbis: 

[…]

Assim, percebe-se que os recibos juntados pelo partido e seus dirigentes com a pretensão de comprovar os gastos partidários não cumprem os requisitos do art. 18, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE nº 23.464/2015, notadamente porque, ao referirem genericamente e de forma padrão que os pagamentos de referem a “serviços prestados”, percebe-se claramente que não houve uma descrição mínima alusiva a quais serviços seriam esses, quanto menos o detalhamento referente a local, tempo, quantidade de horas ou dias, eventual emprego de materiais, etc. Tais elementos, importa frisar, são necessários à plena compreensão da realidade do gasto, bem como da vinculação dos gastos com recursos do fundo partidário às atividades partidárias, tal como determinado no § 1º do art. 17 e art. 35, II e §2º, da Resolução TSE nº 23.464/2015 

Outro ponto a macular as contas em análise é a afirmação dos recorrentes, datada de 19.8.19, de que um recibo, no valor de R$ 9.000,00, seria acostado aos autos o mais breve possível (fl. 151 do PDF). Trata-se, novamente, de mostra de falta de zelo no trato da prestação de contas em análise, pois o recibo faltante é outro, no valor de R$ 20.000,00, referente ao saque efetuado em 30.9.16, conforme cópia juntada pelo banco na fl. 125. O recibo de R$ 9.000,00 foi apresentado justamente com a petição que alegava a sua ausência.

De qualquer sorte, em 26.9.19, por ocasião da interposição do recurso, o partido continuava informando que “ausente apenas um dos recibos que ainda pode ser carreado ao feito assim que o emitente retornar de viagem de férias, já que o recibo está com o emitente”. 

Ora, até a presente data, decorridos vários meses da alegada impossibilidade de juntar o documento sob o pretexto de que o emitente estaria em férias, o pretenso recibo continua ausente.

 Com a devida vênia, a afirmação de que o recibo está com o emitente, aliada aos demais elementos do processo, como o fato de os recibos só terem vindo aos autos depois de o banco ter apresentado cópia dos saques realizados, bem ainda, o fato ressaltado no laudo técnico, acolhido pela sentença e mencionado no parecer da PRE, de que todos os recibos contêm um preenchimento padrão, com a mesma letra, levam à conclusão de que tais documentos foram “fabricados” a posteriori, numa tentativa de emprestar legalidade ao uso do dinheiro público.

Diante desse cenário, irretocável a bem-lançada sentença no ponto em que entendeu não comprovados os gastos realizados com recursos do Fundo Partidário e determinou o recolhimento do montante ao erário, recursos que, de qualquer forma, teriam que ser devolvidos em face da ilegalidade do seu recebimento durante o período de suspensão.

 

Da responsabilização dos dirigentes partidários

Além de condenar o partido político recorrente ao recolhimento dos recursos irregularmente movimentados, acrescidos de multa, o juízo singular entendeu por bem responsabilizar subsidiariamente os dirigentes JÚLIO ROBERTO FERREIRA LOPES e CESAR GILMAR TROJAHN, respectivamente presidente e tesoureiro no exercício financeiro de 2016.

Os recorrentes, visando afastar tal responsabilização, invocam o disposto nos arts. 37, § 2º, da Lei n. 9.096/95 e 49, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, segundo os quais a sanção decorrente da desaprovação das contas não torna devedores ou inadimplentes os respectivos responsáveis partidários. Ainda, alegam não estar presente, no caso concreto, a exceção prevista no § 13 do art. 37 da Lei n. 9.096/95, o qual demandaria apuração de dolo e do enriquecimento ilícito dos dirigentes partidários em procedimento próprio.

Pois bem.

De início, trago à colação trecho da sentença recorrida a respeito da matéria: 

Embora a lei tenha querido evitar a responsabilização dos dirigentes partidários, in casu a conclusão de estender a responsabilidade pelo recolhimento dos valores oriundos do Fundo Partidário aos responsáveis do exercício financeiro (presidente e tesoureiro) não pode ser afastada. São mandamentos constitucionais, a probidade e a moralidade no manuseio de recursos de ordem pública. A utilização dos recursos públicos, pelos responsáveis financeiros, deveria ter sido pautada nesses paradigmas constitucionais. 

Conforme documentação solicitada à instituição bancária Banco do Estado do Rio Grande do Sul - Banrisul, requerimento da própria agremiação partidária em sede de defesa (fls. 111-114), trazidos aos autos cópias do recibos de saque e microfilmagens de cheques compensados na conta bancária n. 06.082463.0-6, agência 0990, resta incontroverso o fato de que os dirigentes partidários (presidente e tesoureiro do exercício financeiro, acima nominados) foram os efetivos sujeitos responsáveis pela movimentação da agremiação partidária, durante o exercício financeiro de 2016, principalmente pelo manuseio dos recursos públicos recebidos do Diretório Nacional (oriundos do Fundo Partidário). Conforme manifestação da unidade técnica do cartório eleitoral (fls. 161-166), o 'total dos saques efetuados contêm as assinaturas do Presidente Júlio Roberto Ferreira Lopes e do Tesoureiro Cesar Gilmar Trojahn'. 

Assim, os dirigentes, presidente e tesoureiro do exercício de 2016, acima referidos, hão, portanto, de ser responsabilizados, subsidiariamente, pelo total da quantia de R$ 190.000,00 (recebidos indevidamente do Fundo Partidário e, também, indevidamente utilizados), haja vista que não se acautelaram quanto à sua utilização, i.e., receberam os valores do Diretório Nacional sem diligenciar preventivamente se o podiam fazer, bem como utilizaram as quantias (levantando boa parte dos valores em espécie) e não atenderam a obrigação de comprovar sua utilização regular.

Frise-se, ainda, que, além disso, omitiram a totalidade das receitas oriundas do Fundo Partidário, apresentando contas de campanha e anual (2016) sem as informações devidas sobre os valores movimentados.

O prejuízo transcende a simples esfera partidária; perpassa, inclusive, o âmbito municipal, haja vista que recursos do Fundo Partidário (Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos) são recursos públicos constituídos por dotações orçamentárias da União, multas, penalidades, doações e outros recursos financeiros atribuídos por lei; sendo exigência de ordem pública que esta justiça especializada exija o seu correto manejo e sua correta comprovação.

Assim, em caráter excepcional, entendo pela responsabilização subsidiária dos dirigentes Júlio Roberto Ferreira Lopes e Cesar Gilmar Trojahn, quanto ao recolhimento do importe de R$ 190.000,00, oriundo do Fundo Partidário.

Analisando-se a sequência de fatos verificados nas contas em análise, que vão da omissão total da quantia de R$ 190.000,00 oriundos do Fundo Partidário à apresentação de recibos confeccionados, ao que tudo indica, a partir dos dados informados pela instituição bancária, na tentativa de justificar os saques realizados em espécie pelo presidente do partido, tem-se como corolário a responsabilização dos dirigentes pelo mau uso da verba pública.

A pergunta que fica sem resposta é sobre que tipo de serviços de pessoa física autônoma um partido do interior poderia ter contratado nessa elevada quantia, lembrando que, embora se tratasse de período de eleições municipais, o valor não foi repassado a candidato nem tampouco revertido, de alguma forma, às campanhas eleitorais.

Com efeito, não se mostra razoável crer que, em um município com cerca de 83.000 habitantes, o partido tenha, em um curto período de três meses, utilizado R$ 190.000,00 para pagar serviços supostamente prestados por pessoas físicas cujas qualificações não restou esclarecida.

Como se observa, a questão não se resume aos recibos desprovidos de qualquer idoneidade fiscal, mas abrange o fato de não ter vindo, em qualquer das manifestações, uma palavra sequer indicando o tipo de serviço supostamente prestado à agremiação partidária.

É sabido que a prestação de contas é composta por diversos demonstrativos contábeis (Resolução TSE n. 23.464/15, art. 29), os quais devem espelhar a movimentação financeira do período, como, por exemplo, o Demonstrativo de Recursos Recebidos e Distribuídos do Fundo Partidário e o Demonstrativo de Receitas e Gastos. No caso dos autos, esses demonstrativos vieram zerados e assim continuam, visto que os recorrentes não retificaram as contas.

Digo isso para demonstrar que a gravidade vai além da apresentação de recibos inidôneos, na medida em que os valores subjacentes não fazem parte da contabilidade declarada, não constando em nenhuma das planilhas apresentadas pelo partido, fato que, a rigor, levaria ao julgamento de contas como não prestadas.

Evidente, pois, a gravidade das irregularidades verificadas nas presentes contas, impondo-se que os prestadores respondam pelos valores sacados da conta do partido e pela apresentação de demonstrativos contábeis fictícios.

A questão que se apresenta é verificar se essa responsabilização seria possível no âmbito do processo de prestação de contas, como entendeu o juízo singular, ou se requer a instauração de procedimento próprio, como defendem os recorrentes.

A Procuradoria Regional Eleitoral, valendo-se de um caso hipotético, diz, in verbis, que:

Se reconhecido na prestação de contas que os recursos do Fundo Partidário não reverteram para o partido, mas foram apropriados pelos seus dirigentes, a agremiação além de ter sido vítima de seus dirigentes, pois não pode utilizar dos recursos que lhe eram destinados, terá de recolher uma soma que não utilizou.

Mas não é só, pois os partidos políticos, apesar da autonomia e da roupagem jurídica de direito privado que ostentam, são, como frisado, entidades de evidente interesse público, visto que de existência necessária ao sistema democrático representativo. Assim, presente mais uma razão para que a eventual responsabilidade pela utilização irregular dos valores destinados aos partidos não seja deixada para resolução circunscrita ao âmbito interno das agremiações. Pensar de maneira contrária, aliás, conduziria a tornar letra morta o próprio § 13 do art. 37 da Lei nº 9.096/95 no âmbito cível, visto que colocaria nas mãos dos próprios dirigentes partidários, que são os representantes do partido, a decisão de moverem ação de ressarcimento contra eles próprios enquanto pessoas físicas, o que, obviamente, jamais ocorreria.

Os argumentos da atenta Procuradoria são legítimos. Todavia, ainda que os dirigentes tenham participado do processo com todos os meios de defesa inerentes, tenho que razão assiste à defesa, neste ponto.

Com efeito, o art. 37, § 13, da Lei n. 9.096/95 exige que:

A responsabilização pessoal civil e criminal dos dirigentes partidários decorrente da desaprovação das contas partidárias e de atos ilícitos atribuídos ao partido político somente ocorrerá se verificada irregularidade grave e insanável resultante de conduta dolosa que importe enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio do partido.

No caso concreto, a irregularidade grave e insanável, assim como a lesão ao patrimônio do partido restam evidentes. A conduta irregular restou clara em relação ao procedimento de prestação de contas, conforme já demonstrado anteriormente, em que, até a presente data, não se sabe a destinação dada aos recursos do Fundo Partidário.

No entanto, impõe-se apurar a ocorrência ou não de conduta dolosa no manuseio dos recursos, assim como eventual enriquecimento ilícito  dos dirigentes, em especial do então presidente JÚLIO, por meio dos instrumentos cabíveis.

Nessa toada, necessário verificar, por exemplo, que tipo de serviço teria sido prestado por Eunice Silvana H. Lopes que, em 21.9.2016, recebeu a quantia de R$ 25.000,00, não passando despercebida a este relator a coincidência do sobrenome dela com o do então presidente Júlio.

No ponto, pondero que, conquanto o art. 51 da Resolução TSE n. 23.464/15, ao disciplinar o art. 37, § 13, da Lei dos Partidos Políticos, tenha silenciado quanto ao modo da responsabilização pessoal dos dirigentes partidários – se nos autos da prestação de contas ou em ação própria – tenho que a conjunção dos requisitos “conduta dolosa” e “enriquecimento ilícito”, referidos na norma, requer a instauração de procedimento específico.

De qualquer sorte, a Resolução TSE n. 23.604/19, aplicável, no que diz respeito aos aspectos procedimentais, a todas as prestações de contas em tramitação, supriu a lacuna anterior ao definir, expressamente, o seguinte:

Art. 50. A responsabilização pessoal civil e criminal dos dirigentes partidários decorrente da desaprovação das contas partidárias e de atos ilícitos atribuídos ao partido político somente ocorrerá se verificada irregularidade grave e insanável resultante de conduta dolosa que importe enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio do partido (art. 37, § 13, da Lei nº 9.096/95).

§ 1º O disposto neste artigo não impede que a autoridade judiciária, diante dos fatos apurados, verifique a incidência das regras e dos princípios constitucionais que regem a responsabilidade daqueles que manuseiam recursos públicos.

§ 2º Na hipótese de infração às normas legais, as responsabilidades civil e criminal são subjetivas e recaem somente sobre os dirigentes partidários responsáveis pelo partido à época dos fatos, bem como devem ser apuradas em processos específicos a serem instaurados nos foros competentes.

(Grifei.)

Por essas razões, concluo que a desaprovação das contas e condenação de recolhimento de recursos ao erário, por mais evidente que tenha sido a ilegalidade no manuseio dos recursos, não pode produzir efeitos direto na esfera jurídica dos dirigentes, devendo a responsabilização de cada um ser apurada em procedimento próprio, no foro competente, exatamente como determina o art. 50, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19.

Anoto que, ainda que o órgão partidário jamais venha a ajuizar ação de ressarcimento contra os dirigentes, como apontado no parecer ministerial, o Ministério Público Eleitoral dispõe de instrumentos para apurar as condutas lesivas ao erário, como a Lei de improbidade Administrativa (no caso, considerando os dirigentes agentes públicos por equiparação) e a própria lei penal, tendo em vista eventuais crimes de apropriação ou desvio de dinheiro público e de falsidade ideológica na prestação de contas da forma como foi apresentada.

Nesse sentido, tenho que compete ao Ministério Público Eleitoral, que participa do presente feito como fiscal da lei, adotar as medidas que entender pertinentes, descabendo qualquer manifestação desta Corte a respeito.

Da sanção

Insurgem-se os recorrentes contra a aplicação da penalidade de 20% sobre os valores a serem recolhidos, ao argumento de que teriam colaborado para dirimir os fatos aventados na prestação de contas, uma vez que foi deles a iniciativa de requerer a expedição de ofício ao Banrisul para que apontasse como foram realizadas as movimentações financeiras.

Ora, a obrigação de prestar contas e de demonstrar a origem e destinação dos recursos é do partido e de seus dirigentes, não da instituição bancária.

Ademais, tal providência só veio aos autos depois que o órgão técnico trouxe a lume os valores omitidos pelos prestadores, os quais, até então, alegavam desconhecer a movimentação de recursos que eles mesmos realizaram.

Não há nenhum reparo a ser feito na sentença no que tange à multa aplicada, que deve ser mantida no patamar máximo, uma vez que as irregularidades atingem o percentual elevadíssimo de 93.168% (noventa e três mil, cento e sessenta e oito por cento), considerando-se a receita declarada, de R$ 179,35, e os recursos efetivamente recebidos, de R$ 192.500,00.

Assim, correta a multa de 20% sobre a quantia a ser recolhida, nos termos do art. 37 da Lei n. 9.096/95, c/c o art. 49, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para o fim de afastar a responsabilização subsidiária dos dirigentes JÚLIO ROBERTO FERREIRA LOPES e CESAR GILMAR TROJAHN, a qual requer apuração em procedimento próprio, mantendo a sentença quanto à desaprovação das contas do PROGRESSISTAS de Cachoeira do Sul e à determinação do recolhimento da quantia de R$ 192.500,00 ao Tesouro Nacional, acrescida de multa de 20%.