INQ - 5539 - Sessão: 08/02/2021 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de inquérito policial instaurado para apurar a suposta prática dos delitos tipificados nos arts. 289 (inscrição eleitoral fraudulenta), 348, § 1° (falsificação de documento público para fins eleitorais), e 353 (uso de documento falso para fins eleitorais), todos do Código Eleitoral, em razão da notícia de que, em abril e maio de 2016, eleitores teriam comparecido ao Cartório Eleitoral do Município de São Luiz Gonzaga e apresentado comprovantes de residência inverídicos com a finalidade de regularização do cadastro eleitoral e alistamento ou transferência do título eleitoral para o Município de Dezesseis de Novembro.

A investigação tramitou perante o Juízo Eleitoral da 52ª Zona e foi concluída e relatada (fls. 716-760) com o indiciamento de 73 pessoas (fls. 761-924).

A seguir, o juízo a quo declinou da competência para este Tribunal devido à notícia de que o Prefeito de Dezesseis de Novembro, ADEMIR JOSÉ ANDRIOLI GONZATTO, estaria envolvido nos fatos (fl. 931).

A Procuradoria Regional Eleitoral, em promoção, requereu a) a fixação da competência do TRE-RS; b) o arquivamento do expediente em relação à parte dos investigados, por atipicidade e ausência de justa causa; c) a cassação do despacho policial de indiciamento, com o respectivo ofício ao instituto de identificação, quanto à parte dos investigados; d) o compartilhamento de provas com a Promotoria de Justiça de São Luiz Gonzaga; e) o encaminhamento dos autos à Polícia Civil de Dezesseis de Novembro para a continuidade das investigações; e f) a realização de diligências complementares (fls. 935-961).

Este Tribunal, em acórdão, acolheu integralmente a promoção ministerial, fixando a competência para exercer a supervisão judicial do presente procedimento apuratório, porquanto os delitos teriam sido cometidos quando o investigado ocupava o cargo de prefeito, para o qual foi reeleito, por condutas praticadas em razão e por meios oportunizados pela função pública desempenhada, nos termos da interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal ao foro por prerrogativa de função na AP n. 937 QO/RJ (fls. 1027-1040v.).

Após, o feito retornou à Polícia Civil de Dezesseis de Novembro, que realizou diligências requeridas pelo Ministério Público Eleitoral (fls. 1051-1111).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral ofereceu promoção, pugnando pelo declínio da competência ao Juízo Eleitoral da 52ª Zona, sediada em São Luiz Gonzaga, em virtude do término do segundo mandato consecutivo do investigado à testa do Executivo Municipal, a fim de que, encaminhados os autos ao Promotor de Justiça Eleitoral com atuação perante aquele juízo, fossem adotadas as providências cabíveis (fls. 1120-1122v.).

É o relatório.

VOTO

A competência jurisdicional para a supervisão do presente inquérito policial foi fixada por este Regional em razão de os fatos investigados terem sido praticados, em tese, por ADEMIR JOSÉ ANDRIOLI GONZATTO no exercício do cargo de prefeito do Município de Dezesseis de Novembro e com pertinência às respectivas funções, consoante destacado em anterior acórdão deste Tribunal, cujos excertos, no que concerne ao ponto, transcrevo (fls. 1027-1040v.):

No caso dos autos, a investigação ocorreu a partir da notícia de que em abril e maio de 2016, diversos cidadãos teriam apresentado comprovantes de residência potencialmente inverídicos à Justiça Eleitoral a fim de alistarem-se eleitores no município de Dezesseis de Novembro, regularizarem sua situação eleitoral após a ausência ao recadastramento biométrico de 2013 ou transferirem seu domicílio eleitoral para a localidade.

 

Os documentos aparentemente fraudulentos compreendem 33 conjuntos de documentos de arrecadação municipal de cobrança de consumo de água (fls. 16-68) e 7 carteiras de vacinação expedidas pela Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul e preenchidas pela Secretaria Municipal de Saúde de Dezesseis de Novembro (fls. 69-75).

 

Além disso, outros eleitores mencionaram que transferiram seu título para votar em Mico Gonzatto em razão de promessa de cargo ou emprego na Administração Municipal, quais sejam, Graciel Ferraz de Moura (fls. 39-41, 194, 342 e 590), Denize Lopes de Moraes (fls. 71, 312-313 e 547-550), Silvana Flores da Silva (fls. 244, 441-2 e 554-5) e Valdecir José Follmann (fls. 245-6, 454 e 558-9).

 

Dessa forma, o inquérito apura a suposta prática dos crimes previstos nos arts. 290, 299, 348 e 346 c/c 377, todos do Código Eleitoral, por Ademir José Andrioli Gonzatto.

 

Os fatos ocorreram quando o investigado detinha o cargo de Prefeito de Dezesseis de Novembro, para o qual foi eleito em 2012, e pretendia a candidatura à reeleição em 2016, na qual sagrou-se vencedor concorrendo pela coligação PP/PDT/PT.

 

Na hipótese, indubitavelmente há relação direta entre os fatos descritos e as funções desempenhadas pelo mandatário. As condutas teriam sido praticados em razão e por meios oportunizados pela função pública exercida, nos termos da interpretação conferida pelo Plenário da Suprema Corte ao foro por prerrogativa de função, por ocasião do julgamento da AP n. 937 QO/RJ, de relatória do Min. Roberto Barroso, em 03.05.2018.

 

Ademais, entendo que a circunstância de que os fatos teriam sido perpetrados durante o primeiro mandato do investigado na chefia do Poder Executivo Municipal não tem o condão de afastar a prerrogativa de função constitucionalmente conferida ao mandatário.

 

Veja-se que não houve a mínima interrupção no exercício do cargo em tela, que decorreu de reeleição a novo mandato imediato e subsequente.

 

A hipótese, portanto, não guarda similitude com os recentes julgados nos quais as Cortes Superiores tem se posicionado pela cessação do foro por prerrogativa de função quando existente um hiato temporal entre o mandato em que cometido o delito e a recondução ao cargo.

 

(...)

 

Destarte, no caso telado, ocorre a prorrogação do foro especial, pois o segundo mandato, decorrente de sucessiva e ininterrupta reeleição, deve ser havido como continuação do primeiro, na esteira do entendimento sufragado pelo Pleno da Suprema Corte por ocasião do julgamento da Inq 4435 AgR-quarto, julgado em 14.03.2019, DJe de 21-08-2019, consoante o qual, na dicção do relator Min. Marco Aurélio, entende-se “mostrar-se desimportante à persistência da competência do Tribunal a circunstância de os delitos haverem sido praticados em mandato anterior, bastando que a atual diplomação decorra de sucessivas e ininterruptas reeleições”.

 

Diante disso, por simetria, nos termos do art. 29, inc. X, da Constituição Federal, a competência originária para processamento e julgamento de ação penal no caso de crimes eleitorais cometidos, em tese, pelo referido Prefeito Municipal Ademir José Andrioli Gonzatto, é deste Tribunal Regional.

 

Entrementes, como apontado pelo Parquet Eleitoral, dominus litis da ação penal, impõe-se, neste momento, o declínio da competência da apuração criminal à primeira instância da Justiça Eleitoral, tendo em vista o término do segundo mandato consecutivo de prefeito então ocupado pelo investigado, de modo a não mais subsistir a competência criminal originária deste Tribunal Regional.

Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados desta Corte:

INQUÉRITO POLICIAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. PREFEITO À ÉPOCA DO FATO. NÃO REELEITO. AUSENTE PRERROGATIVA DE FORO. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA. ACOLHIDA A PROMOÇÃO MINISTERIAL. ELEIÇÃO 2016. Não se encontrando o investigado no exercício de mandato ou cargo público com prerrogativa de foro a atrair a competência deste Tribunal, cabível o declínio à Justiça Eleitoral de primeiro grau para a apuração do crime. Declínio de competência.

(TRE-RS - INQ: 16075 PORTO ALEGRE - RS, Relator: DR. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 23.02.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 31, Data 27.02.2018, Página 2-3.)

 

INQUÉRITO. CRIME ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. PREFEITO E VICE. ELEIÇÕES 2012. PRERROGATIVA DE FORO. TÉRMINO DO MANDATO. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA. Investigação destinada a apurar notícia de possível prática do delito tipificado no art. 299 do Código Eleitoral, por candidatos à reeleição aos cargos de prefeito e vice, às vésperas das eleições municipais de 2012. O investigado não mais exerce mandato ou cargo público aptos a atrair a competência criminal originária, por prerrogativa de foro, perante este Tribunal. Declinada a competência ao Juízo da Zona Eleitoral.

(TRE-RS - INQ: 1233 COLORADO - RS, Relator: DES. FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 16.03.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 45, Data 19.03.2018, Página 4.)

 

É de se destacar que a modificação na competência, além da alteração no quadro fático, provocada pelo encerramento do mandato eletivo que conferia ao investigado foro por prerrogativa de função, deve-se, também, à fase em que se encontra a persecução penal.

Sobre o ponto, impende salientar que não se verifica no caso vertente a ressalva contida na tese definida pelo Pretório Excelso por ocasião do julgamento da AP 937QO/RJ, de que a competência não será afetada após o final da instrução processual, pois tal momento processual ainda não foi alcançado.

Colho, a tal respeito, excerto da bem-lançada promoção ministerial:

Oportuno acrescentar que a interpretação restritiva ao foro por prerrogativa de função conferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de Questão de Ordem na Ação Penal Originária n. 937 não altera o entendimento pelo declínio dos presentes autos ao primeiro grau de jurisdição, pois ainda se encontram na fase investigativa.

Com efeito, a vedação à alteração da competência ao término do mandato restringe-se ao final da instrução processual, conforme expressamente consignado na tese firmada no referido julgado, o que não se verifica no presente caso.

 

Transcreve-se:

 

(II) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.

[Tese definida na AP 937 QO, rel. min. Roberto Barroso, P, j. 3-5-2018, DJE 265 de 11-12-2018.]

 

Destarte, considerando (i) o término do mandato eletivo do investigado; e (ii) a fase investigativa do expediente, deve ser declinado da competência ao juízo da zona eleitoral de origem para o acompanhamento da presente investigação.

 

Dessa forma, é cabível a declinação da competência para a apuração dos fatos apontados nos autos.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo acolhimento da promoção ministerial, a fim de declinar da competência ao Juízo Eleitoral da 52ª Zona, de modo que os autos sejam encaminhados ao Promotor Eleitoral oficiante, para a adoção das medidas que entender cabíveis.