REl - 0600205-86.2020.6.21.0033 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/01/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Quanto ao mérito, a controvérsia está adstrita à análise da existência de propaganda de cunho alegadamente negativo, veiculada nos perfis digitais do recorrido, em possível desacordo com o art. 57-D da Lei n. 9.504/97.

O recorrente informou a URL da nominada página onde, supostamente, constou publicação ofensiva, atendendo ao disposto no art. 17, inc. III e § 2º, da Resolução TSE n. 23.608/19.

Observe-se o que foi dito na publicação, conforme transcrito na petição inicial (ID 9997283):

Eu não sou candidato a prefeito em função de um acordo entre o ex-presidente estadual do PSL e o deputado Mateus Wesp, do PSDB, para favorecer a candidatura do Lucas Cidade e pegar o tempo de TV e o fundo eleitoral do PSL.

Ainda descobri que a executiva fake que o PSDB colocou para dirigir o PSL em Passo Fundo tinha excluído meu nome até como candidato a vereador.

É evidente que, diante de tudo o que foi feito pelo grupo do PSDB para impedir a minha candidatura a prefeito, não tenho como apoiar o candidato desse partido.

 

O art. 57-D da Lei n. 9.504/97, c/c com os arts. 10 e 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19, assegura o exercício da liberdade de expressão na propaganda eleitoral por meio da internet, regulamentando o afastamento dos excessos.

Vejamos:

Lei n. 9.504/97

Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3o do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica.

§ 1º (VETADO)

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

§ 3º Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis ao responsável, a Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação do ofendido, a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais.

 

Resolução TSE n. 23.610/19

Art. 10. A propaganda, qualquer que seja sua forma ou modalidade, mencionará sempre a legenda partidária e só poderá ser feita em língua nacional, não devendo empregar meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais (Código Eleitoral, art. 242, e Lei nº 10.436/2002, arts. 1º e 2º).

 

Art. 27. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57- A).

§ 1º A livre manifestação do pensamento do eleitor identificado ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatos, partidos ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos.

§ 2º O disposto no § 1º deste artigo se aplica, inclusive, às manifestações ocorridas antes da data prevista no caput, ainda que delas conste mensagem de apoio ou crítica a partido político ou a candidato, próprias do debate político e democrático. (Grifei.)

 

No caso concreto, como constou na sentença, o caso dos autos não é de extrapolação do regular exercício da liberdade de expressão. Reproduzo excerto da decisão (ID 9998483):

A fim de evitar tautologia, transcrevo a decisão do ev. 17253817, que indeferiu a liminar nos presentes autos, cujos fundamentos permanecem hígidos:

"Analisando-se a mídia acostada na exordial, verifica-se que se trata de vídeo em que o representado expõe aos seus potenciais eleitores os motivos pelos quais, no seu ponto de vista, não está concorrendo à Prefeitura de Passo Fundo, mas sim à Câmara de Vereadores da Cidade.

Os representantes aduzem que o vídeo possui conteúdo inverídico e, por esta razão, buscam sua retirada das redes sociais.

Sinale-se que é de conhecimento público que o representado apresentou-se como pré-candidato a Prefeito da cidade de Passo Fundo e que sua pré-candidatura não se confirmou, figurando o segundo representante como candidato pela coligação formada com o partido do representado. Como bem relatado na inicial, a Justiça Eleitoral foi acionada diversas vezes sobre esse assunto e, do que se vê, as partes possuem pontos de vista bastante divergentes sobre isso.

Assim, considerando que o vídeo trata sobre temática controvertida entre as partes, afigura-se prematuro determinar, in limine, a retirada do conteúdo das redes sociais do representado, sendo mais prudente instaurar-se o contraditório antes da decisão, sob pena de eventual ingerência no consagrado princípio da liberdade de expressão e pensamento. Em razão do exposto, indefiro os pedidos liminares.”

Ademais, importante consideração fez o Ministério Público, no sentido de que as críticas, por mais ásperas que sejam, poderão serem respondidas pelos representantes nas redes sociais ou mesmo durante o horário de propaganda eleitoral gratuita, para que, se quiserem, forneçam suas versões sobre o episódio.

Mais além, muito bem refere o Ministério Público que “Não cabe à Justiça Eleitoral decidir qual a narrativa está adequada aos fatos que realmente determinaram a composição eleitoral em questão, o que acabaria acontecendo se, porventura, o pedido que gerou o presente feito fosse acolhido”.

Em razão do exposto, improcede a representação.

 

Antecipo que a sentença não merece reparos.

Isso porque o caso dos autos não é de extrapolação do regular exercício da liberdade de expressão.

Trata-se, inegavelmente, de crítica ao partido e ao referido candidato. Ocorre, contudo, que o TSE tem assentado que críticas, ainda que veementes, são naturais do embate político, cabendo aos competidores eleitorais buscar, no espaço a eles franqueado de forma ordinária, responder às acusações.

As manifestações contrárias a ideologias ou gestões administrativas, bem como a reprodução de notícias que constaram em páginas de jornais, órgãos públicos e outras fontes de informação, não constituem, em si mesmas, propaganda eleitoral negativa, incluindo-se no permissivo legal do art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19.

A respeito da liberdade de expressão e do espaço público de debate, José Jairo Gomes leciona:

A liberdade de expressão apresenta uma relevante interface com o Direito Eleitoral.

A livre circulação de ideias, pensamentos, valorações, opiniões e críticas promovida pela liberdade de expressão e comunicação é essencial para a configuração de um espaço público de debate, e, portanto, para a democracia e o Estado Democrático. Sem isso, a verdade sobre os candidatos e partidos políticos pode não vir à luz, prejudicam-se o diálogo e a discussão públicos, refreiam-se as críticas e os pensamentos divergentes, tolhem-se as manifestações de inconformismo e insatisfação, apagam-se, enfim, as vozes dos grupos minoritários e dissonantes do pensamento majoritário.

Depois de lembrar que o direito eleitoral constitui um importante campo de incidência da liberdade de expressão, Aline Osório (2017, p. 129) assinala que

“Durante períodos eleitorais, a importância da liberdade de expressão é amplificada. Partidos e candidatos devem prestar contas de suas ações passadas e expor suas opiniões, propostas e programas futuros. Os meios de comunicação devem funcionar como canais de disseminação de informações, críticas e pontos de vista variados. Os cidadãos precisam de plena liberdade não só para acessarem tais informações, mas para manifestarem livremente as suas próprias ideias, críticas e pontos de vista na arena pública. Nesse processo, é necessário que todas as questões de interesse público – incluindo, é claro, a capacidade e a idoneidade dos candidatos e a qualidade de suas propostas – sejam abertas e intensamente discutidas e questionadas. A efetividade das eleições como mecanismo de seleção de representantes e o próprio funcionamento do regime democrático dependem de um ambiente que permita e favoreça a livre manifestação e circulação de ideias. [...]. Em regimes representativos, o voto e a liberdade de expressão configuram dois importantes instrumentos de legitimação da democracia, permitindo que os interesses e as opiniões dos cidadãos sejam considerados na formação do governo e na atuação dos representantes. [...]”.

Por outro lado – no âmbito do direito de informação –, os cidadãos têm direito a receber toda e qualquer informação, positiva ou negativa, acerca de fatos e circunstâncias envolvendo os candidatos e partidos políticos que disputam o pleito;

sobretudo acerca de suas histórias, ideias, programas e projetos que defendem. Só assim estarão em condições de formar juízo seguro a respeito deles e definir seus votos de forma consciente e responsável.

É, pois, fundamental que todo cidadão seja informado acerca da vida política do país, dos governantes e dos negócios públicos.

(Direito Eleitoral, 16. ed. – São Paulo: Atlas, 2020, edição eletrônica.)

 

Destaco, ademais, que a jurisprudência desta Corte Eleitoral se firmou no sentido de que posicionamentos pessoais, ainda que contundentes, desde que não importem ofensa à honra pessoal, fazem parte do jogo político:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. ELEIÇÕES 2018. IMPROCEDÊNCIA. PEDIDO LIMINAR PARA REMOÇÃO DO MATERIAL INDEFERIDO. INTERNET. VEICULAÇÃO DE VÍDEO. FACEBOOK. ALEGADO CONTEÚDO INVERÍDICO. CRÍTICAS DIRIGIDAS A FIGURA PÚBLICA. VEDADO CERCEAMENTO. IMPROCEDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

Alegada postagem de mensagem na internet com conteúdo tendencioso e inverídico. O pedido liminar de remoção do material da internet foi indeferido com fundamento na garantia do exercício da liberdade de expressão.

Verificada a presença de forte crítica política com relação a atuação do candidato como chefe do poder executivo, no período de 2009 até 2016, em relação a obras realizadas no hospital municipal. Não evidenciada agressão à honra pessoal do candidato ou da agremiação. Críticas dirigidas a postura de homem público, exposto à análise do eleitor, o que não pode ser objeto de cerceamento, sob pena de violação ao princípio democrático.

Esta corte assentou entendimento de que o exercício da liberdade de expressão é especialmente amplificado no período eleitoral, uma vez que a discussão sobre a capacidade e idoneidade dos candidatos é de interesse público, sendo necessária ao debate eleitoral, prevalecendo o disposto no art. 33 da Resolução TSE n. 23.551/17, que impõe a atuação da Justiça Eleitoral com a menor interferência possível no debate democrático.

Desprovimento.

(Rp 0601991-41.2018.6.21.0000. Rel. Des. El. Aux. Jorge Alberto Schreiner Pestana. Julgado em 04.10.2018, unânime.)

 

Dessa forma, não observo a veiculação de informação sabidamente inverídica envolvendo candidatos no pleito em disputa no município em questão, tampouco que ofenda à honra ou à imagem.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença em sua integralidade.