E.Dcl. - 243 - Sessão: 27/01/2021 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração opostos por DARI DALLA CORTE contra o acórdão (fls. 320-330) que, à unanimidade, deu provimento ao recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, a fim de reformar a sentença absolutória e condenar o ora embargante pela prática do crime previsto no art. 301 do Código Eleitoral à pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 6 (seis) dias-multa, à razão de 1 (um) salário-mínimo vigente ao tempo do fato, corrigida monetariamente até o efetivo recolhimento, sendo concedido o benefício da suspensão condicional da pena, nos termos do art. 77 do CP, pelo prazo de 2 (dois) anos, mediante as condições de: a) prestar serviços à comunidade, durante o primeiro ano, nos termos a serem estabelecidos pelo juízo da execução; b) comparecer em juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades pelo prazo de suspensão da pena; e c) não se ausentar da comarca onde reside por mais de oito dias sem comunicação ao juízo da execução, durante o prazo de suspensão da pena.

Em suas razões, o embargante sustenta que o acórdão é contraditório e omisso, porque não apontou os elementos que demonstram que o réu e a suposta vítima conversaram sobre promessa ou coação/ameaça de perda do emprego antes da eleição. Alega que a ausência de fundamentação mostra-se evidente, pois, "diante do contexto dos autos, não há indicação se a promessa se deu por coação do réu, sob ameaça de perda do emprego, ou voluntariamente pela vítima". Ao final, requer o esclarecimento do acórdão, suprindo-se a omissão, com atribuição de efeitos modificativos ao presente recurso, a fim de absolver o réu (fls. 335-339).

A Procuradoria Regional Eleitoral ofereceu contrarrazões, nas quais assevera que o acórdão contemplou todos os pontos questionados, não havendo omissão ou contradição a serem sanadas (fls. 353-356v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, os embargos de declaração servem para afastar obscuridade, omissão, contradição ou erro material, nos termos do art. 275, incs. I e II, do Código Eleitoral e art. 1.022 do CPC.

Por sua vez, o embargante entende que o acórdão deixou de enfrentar todos os argumentos deduzidos pela defesa, aduzindo que não há elementos demonstrando que o réu e a suposta vítima conversaram sobre a coação ou ameaça de perda do emprego antes das eleições.

Ademais, sustenta que "a tese da denúncia possui suporte apenas nas declarações da suposta vítima e sua mãe Nilce", não se coadunando com o restante da prova.

Sem razão o recorrente.

Consignada a análise descritiva e valorativa de toda a prova produzida, com especial referência à gravação da conversa estabelecida entre Karolayne e o réu após as eleições, o acórdão examina especificamente a questão atinente aos diálogos anteriores ao pleito, de modo a reconhecer a anterior exigência e o compromisso do voto no candidato "Paulinho" para a Prefeitura de Catuípe, conforme evidencia a seguinte passagem:

Da prova produzida, resulta bem evidenciado que Dari exerceu pressões e cobranças sobre a opção eleitoral de Karolayne, em razão de um “comprometimento” anterior de seu voto e de voto de sua família para “Paulinho”, inclusive qualificando o comportamento da eleitora como traição.

 

Veja-se que as declarações prestadas por Karolayne são coerentes, firmes e plausíveis e estão corroboradas pela gravação da conversa travada com o réu, deixando claro que sobre ela recaíram pressões e ameaças de seu empregador que lhe retiraram a liberdade de voto.

 

Ressalto que o contexto das tratativas torna ínsita, por implícita e inerente ao desajuste de ânimos entre empregador e empregado, a ameaça de perda financeira ou rescisão contratual, inclusive diante da ausência de qualquer outro tipo de vínculo que pudesse justificar a aventada “traição” de Karolayne pelo suposto voto em opção eleitoral diversa da defendida por Dari.

 

Assim, não resta verossímil que as veementes cobranças de explicações e a intensidade das acusações de deslealdade efetuadas por Dari tenham por base uma mera conversa informal e despretensiosa sobre política com sua funcionária, pois o réu buscou, ainda, a reprodução impressa da postagem na rede social a fim de confrontar Karolayne pela direção de seu voto.

 

Dessa forma, resulta claro que houve um momento anterior às eleições em que Dari obteve o condicionamento do voto de Karolayne, em tamanho grau de impositividade que lhe justificou “ir tirar satisfações” pela eventual “traição”, restando patente o cerceamento da liberdade de voto realizada pelo empregador.

 

Em desfecho, Karolayne foi efetivamente dispensada sem justa causa no dia 26 de outubro de 2016 (fls. 79-80).

 

O conjunto probatório contido nos autos conduz à conclusão de que Karolayne sofreu ‘grave ameaça’, que, na lição de Rodrigo López Zilio, “deve causar um mal injusto e grave ao eleitor, suprimindo-lhe a livre capacidade de escolha no pleito” e, ainda, “deve impor um temor real sobre o mal anunciado, devendo ser verossímil – o que não se coaduna com bravatas ou ameaças genéricas e vagas” (Crimes eleitorais. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 123).

 

No tocante ao elemento normativo “grave ameaça”, enquanto elemento caracterizador do tipo penal sob exame, cumpre ressaltar que, diante dos problemas do mercado de trabalho brasileiro, a possibilidade de perda do emprego é ameaça grave o bastante para intimidar qualquer pessoa, em especial trabalhadores em um pequeno município do interior, no qual as possibilidades de recolocação profissional são escassas.

 

Em relação à alegação de que a denúncia possui suporte apenas nas declarações de Karolayne e de sua mãe Nilce, trata-se de mera renovação da matéria de defesa, a qual restou expressamente afastada no aresto, nos seguintes termos:

Em contrarrazões, a defesa aponta incongruência entre os depoimentos de Karolayne e de sua genitora Nelci, ouvida como informante, tendo em vista que a primeira relatou que Dari compareceu em sua casa para oferecer um acordo e a segunda teria afirmado que o acordo foi proposto por Paulo Roberto.

 

Em realidade, conforme trecho antes transcrito, Karolayne relata o acordo com Dari, ajustado em sua casa, com o qual Nelci não concordou, mas não faz referência precisa quanto à presença ou não de sua mãe no momento do encontro.

 

Por sua vez, Nelci, em sua oitiva, confirma que não estava presente por estar trabalhando e que o ajuste foi realizado com a sua filha e o seu marido.

 

Ora, o fato de Nelci apenas ter ouvido o relato acerca do ocorrido por meio de seus familiares justifica haver se confundido com a troca do nome da pessoa que teria comparecido em sua casa. Estivesse presente ao encontro, por certo que teria associado o nome correto à pessoa que então teria visualizado.

 

Esse argumento trazido pela defesa se esvai diante de mera discordância quanto a detalhes da narrativa de fato, contada por quem não o presenciou, e que, per si, não logra fragilizar o conjunto do depoimento de Karolayne contido nos autos.

 

Em sequência, uma vez ressalvado o depoimento prestado por Nelci, o teor do julgado retoma todo o acervo probatório anteriormente examinado, pontuando os elementos idôneos e seguros de prova para a comprovação da autoria e materialidade dos fatos imputados, conforme o seguinte destaque:

Destarte, a demonstração de forma suficiente da autoria e materialidade do delito, mediante depoimento pessoal prestado pela vítima, de modo tranquilo, firme e coerente em seu conjunto, detalhando os fatos como se sucederam; gravação ambiental – cuja autenticidade e validade como meio de prova não foi objeto de questionamento por nenhuma das partes no curso do processo – registrada em pen-drive, ratificada em ata notarial e aditada em transcrição da polícia federal, documento esse inserto nos autos; prova testemunhal isenta, segura e congruente com aquela obtida mediante a referida captação ambiental, conduz à convicção e conclusão de que deve ser reformada a sentença para julgar procedente a ação penal e condenar o recorrido às sanções previstas no art. 301 do CE.

 

Desse modo, evidencia-se que não há contradição ou omissão a serem sanadas pela via dos aclaratórios, pois as razões vertidas do recurso demonstram a pretensão de rediscutir a análise da prova dos autos, a partir de argumentos já deduzidos no recurso eleitoral e suficientemente enfrentados pelo acórdão.

Por fim, na linha do disposto no art. 1.025 do Código de Processo Civil, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou para fins de prequestionamento.

 

Ante o exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.