Ag/REsp - 7878 - Sessão: 25/01/2021 às 14:00

PROCESSO: PC 78-78.2015.6.21.0000

PROCEDÊNCIA: PORTO ALEGRE

AGRAVANTE: MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO – PMDB

RELATOR: DES. ELEITORAL ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO

 

RELATÓRIO

Trata-se de agravo interno interposto pelo DIRETÓRIO REGIONAL DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) em face da decisão (fls. 751-753v.) que indeferiu os pedidos de aplicação da anistia prevista no art. 55-D da Lei n. 9.096/95, acrescentado pela Lei n. 13.831/19, de sobrestamento do feito até a final manifestação do TSE nos autos do Processo RE n. 35-92, no qual este Tribunal julgou a arguição de inconstitucionalidade da referida disposição legal e de concessão do pagamento por meio de descontos nos repasses das verbas do Fundo Partidário.

Em suas razões, invoca o art. 1.030, inc. III, do CPC e sustenta que não há decisão capaz de fazer coisa julgada a respeito da matéria, porque o TSE ainda não julgou o RESPE n. 35-92, e o STF também não julgou a ADI n. 3062, devendo ser sobrestado o processo quanto ao pedido de aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95. Assevera a constitucionalidade da Lei n. 13.831/19, reporta-se ao julgamento da ADI 3685, aos arts. 17 e 37 da CF e ao art. 113 do ADCT. Aponta que a Resolução TSE n. 23.604/19 foi aplicada ao feito de forma retroativa, devendo, por essa razão, ser considerada a alteração implementada no ano de 2009 ao art. 37 da Lei n. 9.096/95. Colaciona jurisprudência e requer o provimento do recurso (fls. 755-779).

É o relatório.

 

VOTO

A decisão agravada merece ser mantida por seus próprios fundamentos, lançados nos seguintes termos:

Da aplicação da anistia trazida pelo art. 5º da Lei n. 13.877/19.  

Em relação ao pleito de aplicação da anistia ao débito decorrente da condenação pelo recebimento de recursos financeiros de fonte vedada, este Tribunal, na sessão de 19.8.2019, nos autos do processo RE n. 35-92, da relatoria do Des. Eleitoral Gerson Fischmann, declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, introduzido pela Lei n. 13.831/19, consoante a ementa que segue:

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

 

1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18. 1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19.

(...)

(TRE-RS, RE n. 35-92, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 19.8. 2019, DEJERS 23.8.2019.) Grifei.

 

A fim de evitar desnecessária tautologia, colho os judiciosos fundamentos deduzidos no referido acórdão, os quais adoto como razões de decidir:

O dispositivo legal objeto do incidente de inconstitucionalidade está assim redigido:

Art. 55-D. Ficam anistiadas as devoluções, as cobranças ou as transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições feitas em anos anteriores por servidores públicos que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político.

 

O artigo acima transcrito foi incluído na Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.831/19, na data de 19.6.2019, oriundo da derrubada do veto do Presidente da República, por ocasião da sanção do Projeto de Lei n. 1.321/19.

As razões do veto foram as seguintes:

A propositura legislativa ao estabelecer, por intermédio da inclusão do art. 55-D na Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, que ficam anistiadas as devoluções, cobranças ou as transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições feitas em anos anteriores por servidores públicos que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político, acaba por renunciar receitas para a União, sem a devida previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro, em infringência ao art. 113 do ADCT, art. 14 da LRF e arts. 114 e 116 da LDO de 2019.

 

Contudo, o Congresso Nacional, utilizando da prerrogativa prevista no § 4º do art. 66 da Constituição Federal, rejeitou o veto presidencial.

Como muito bem apontado pelo suscitante, não se tem notícia de que tenha havido apresentação dos dados relativos à estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita sob análise.

A exigência da mencionada estimativa tem sede constitucional, incluída pela EMC n. 95/16 no ADCT:

Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.

Além disso, a legislação infraconstitucional igualmente exige a devida comprovação do impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União (art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18).

 

Assim, no ponto, o dispositivo legal em questão possui vício de inconstitucionalidade na origem.

O constituinte de 1988 foi contundente ao demonstrar a intenção de dedicar papel central aos partidos políticos no Estado Democrático de Direito, elegendo como fundamento da República Federativa do Brasil o pluralismo político.

As funções das agremiações partidárias, na dicção de Mario Justo López (Partidos Políticos: teoría general y régimen legal, p. 40-41), são: a) dar coerência à vontade popular; b) realizar a educação cívica dos cidadãos; c) servir de elo entre o governo e a opinião pública; d) selecionar aqueles que devem dirigir os destinos do Estado; e e) projetar a política de governo e controlar a sua execução.

Como eixo fundante da democracia representativa, os partidos devem respeitar a soberania popular, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e são obrigados a prestar contas à Justiça Eleitoral.

O instituto da prestação de contas tem como escopo emprestar transparência à atividade partidária, identificar a origem e a destinação dos recursos utilizados nas disputas eleitorais, tudo com o propósito de evitar o aporte de dividendos ilícitos no processo eleitoral e evitar o abuso do poder econômico.

Nessa medida, quando esses mesmos organismos que deveriam ser os protagonistas da democracia representativa, em uma verdadeira queda de braço com o Poder Executivo, instituem anistia de todas as verbas consideradas oriundas de fontes vedadas, forçoso reconhecer ofensa direta ao princípio da prestação de contas. Não só isso, sendo o benefício em causa própria e sem qualquer finalidade pública, para dizer o mínimo, há inequívoca violação ao princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, da CF).

A anistia igualmente coloca em situação não isonômica e em posição desfavorável aquelas agremiações partidárias que adimpliram suas obrigações com o recolhimento de importâncias glosadas pela Justiça Eleitoral quando do exame e fiscalização de suas contas.

Significa dizer, nas palavras do eminente Procurador Regional Eleitoral, depois do jogo jogado, mudam as regras e, de forma benevolente e casuísta, concede-se anistia aos que se encontram em mora.

Para além disso, subverte a natureza jurídica do instituto da Anistia, realizando uma aplicação retroativa da Lei n. 13.488/17, que autorizou as doações daqueles que exercem cargo ou função demissível ad nutum, desde que filiados.

 

Com efeito, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de não ser possível a aplicação retroativa das disposições da Lei n. 13.488/17:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Dr. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.17, por unanimidade.) (Grifei.)

 

Ressalto que esse entendimento é adotado pelo Tribunal Superior Eleitoral: a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava durante o exercício contábil, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo (ED-ED-PC n. 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Portanto, como reação à interpretação dada pelos Tribunais, o legislador, por meio de expediente nada republicano, moral e ético, aprova regramento anistiando todas doações advindas de servidores demissíveis ad nutum filiados, atribuindo eficácia imediata nos processos de prestação de contas e de criação dos órgãos partidários em andamento, a partir de sua publicação, ainda que julgados (art. 3º da Lei n. 13.831/19).

De outra banda, a palavra anistia é derivada do grego amnestía, que significa esquecimento. Na atualidade, anistiar significa um esquecimento das infrações cometidas, isto é, como se as condutas ilícitas nunca tivessem sido praticadas.

Desde a Grécia, vem sendo implementada a anistia como medida geral de clemência, benevolência, posteriormente a acontecimentos ocorridos por lutas, conflitos, provocados por motivos e circunstâncias de caráter político.

Tem, por fundamento, razões de ordem pública e não pode ser utilizada como favorecimento egoístico ou em causa própria, pressupõe a ocorrência de fatos que foram punidos, mas, por motivos de conveniência, são esquecidos, com o objetivo do restabelecimento da tranquilidade do Estado.

Rui Barbosa ensina que vem sendo aplicada desde Solon, 594 anos antes da era cristã, sendo instituto de ampla incidência ao longo da história, sempre em caráter geral e imbuída de finalidade pública.

Como adverte João Barba lho, "a anistia não se inspira só nos sentimentos de humanidade e clemência, mas não menos ou principalmente no bem do Estado, em ponderosas razões de ordem pública".

Na espécie, quando o legislador refere que a anistia deve incidir inclusive em relação aos processos em andamento, ou seja, antes da condenação, e se dirige apenas aos partidos políticos (individual), sem qualquer finalidade pública subjacente, evidente o desvio da própria natureza jurídica do tão importante instrumento de pacificação social.

Não é demais lembrar que o poder concedido ao legislador não é ilimitado e está sujeito a controle.

Lênio Streck, na sua obra Hermenêutica Jurídica em Crise, adverte para o que se pode chamar de integridade legislativa, significa dizer, o legislador igualmente há de fazer leis de modo coerente, observando uma sequência lógica e histórica.

Desse tema também se ocupou Ronald Dworkin, na sua obra O Império do Direito, no sentido de que a integridade legislativa deve ser concebida como limite de possibilidades de criação do direito pelos legisladores. Daí a assertiva de que as normas devem ser concebidas de forma a constituir um sistema único e coerente de justiça e equidade.

Nessa quadra, cabe lembrar que também deve ser imposto aos legisladores a construção da história legislativa como na metáfora de Dworkin do romance em cadeia, no sentido de que cada lei criada deve representar o capítulo seguinte da mesma obra.

 

Por derradeiro, acrescento que há outros dispositivos nessa mesma Lei n. 13.831/19 de constitucionalidade e integridade duvidosa, como é o caso daqueles que retiram a possibilidade de a Justiça Eleitoral rejeitar contas ou aplicar penalidade às agremiações partidárias que deixaram de aplicar o percentual mínimo de recursos para o financiamento das candidaturas femininas. Entretanto, deixo de avançar no tema, pois não é objeto do presente incidente.

Em resumo, o art. 55-D, inserido na Lei dos Partidos Políticos pela Lei n. 13.831/19, padece de vício de inconstitucionalidade formal e material, na medida em que deixou de ser apresentada estimativa de impacto orçamentário, violou os princípios da prestação de contas, da moralidade administrativa e da integridade legislativa.

O entendimento tem sido reiteradamente confirmado pelo Plenário deste Tribunal nos julgamentos posteriores acerca da matéria, conforme ilustram os seguintes precedentes: RE n. 1088, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, DEJERS de 04.02.2020; PC n. 4872, Relator: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, DJE de 21.01.2020; AI n. 8218, Relatora: Des. Eleitoral Marilene Bonzanini, DEJERS de 16.12.2019; e RE n. 1313, Relator: Des. Eleitoral Roberto Carvalho Fraga, DEJERS de 30.10.2019.

 

Por sua vez, os argumentos trazidos pelo peticionante não lançam nenhum novo elemento jurídico ou social que justifique a modificação da decisão do Plenário deste Tribunal proferida em incidente de inconstitucionalidade.

Assim, na esteira da jurisprudência deste Tribunal, indefiro o pedido de aplicação da anistia trazida pelo art. 55-D da Lei n. 9.096/95, tendo em vista a inconstitucionalidade formal e material do dispositivo legal.

 

2. Do sobrestamento do presente feito.

O peticionante argumenta que foi interposto recurso perante o TSE em face do acórdão que julgou o RE n. 35-92.2016.6.21.0005. Por essa razão, requer o sobrestamento do presente processo até a manifestação da instância superior a respeito do tema.

Contudo, a hipótese não se insere naquelas situações em que o Código de Processo Civil prevê a suspensão do feito, razão pela qual, indefiro o requerimento do partido.

Registro, obter dictum, que em 16.09.2019, foi ajuizada pela Procuradora-Geral da República, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n. 6230), com pedido de medida cautelar, em relação a diversos dispositivos da Lei 13.831/19, contemplando o art. 55-D em questão, que prevê a anistia postulada pelo agravante. Porém, a matéria, inclusive o pleito cautelar, ainda está carente de manifestação da Suprema Corte.

Assim sendo, indefiro o pedido de s uspensão de processo.

 

3. Do pagamento por meio de desconto nos repasses do Fundo Partidário.

A agremiação requer, ao final, o cumprimento da condenação por meio de descontos no repasse do Fundo Partidário, a ser levado a efeito pelo Diretório Nacional.

A Resolução TSE n. 23.604/19 regulamentou o tema, dispondo em seu 14, § 4º, que, para o recolhimento de recursos de fontes vedadas, não podem ser utilizados recursos do Fundo Partidário.

Além disso, o art. 44 da Lei n. 9.096/95 prevê hipóteses taxativas para a aplicação da verba do Fundo Partidário, não contemplando as penalidades determinadas nestes autos.

Nesse sentido, trago à colação julgado do Plenário desta Corte que, nas contas do exercício financeiro de 2012 do Diretório Regional ora requerente, indeferiu pedido similar de utilização dos recursos do Fundo Partidário para pagamento do parcelamento, bem como considerou inaplicável a incidência do limite de 2% do repasse mensal das quotas do Fundo Partidário, diante da irretroatividade das disposições previstas nas Leis 13.165/2015 e 13.488/2017 a exercícios anteriores:

 

AGRAVO REGIMENTAL. DIRETÓRIO ESTADUAL DE PARTIDO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXECUÇÕES. INVIÁVEL O PARCELAMENTO MEDIANTE DESCONTOS DOS REPASSES DO FUNDO PARTIDÁRIO. POSSIBILIDADE COM RECURSOS PRÓPRIOS. ART. 44 DA LEI 9.096/95. RESOLUÇÃO TSE N. 21.841/04. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2012.

não se aplicam às prestações de contas partidárias de exercícios anteriores. A nova redação dada retirou a suspensão de quotas do Fundo Partidário e estabeleceu exclusivamente a imposição de multa de até 20% sobre o valor a ser recolhido. Tratando-se de prestação de contas do exercício financeiro de 2012, devem ser observadas as normas de direito material previstas na Resolução TSE n. 21.841/04.2. Irretroatividade da Lei n. 13.488/17, in casu, por ser processo de exercício anterior a sua vigência. Obediência aos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

3. Agremiação condenada a recolher valores ao Fundo Partidário e ao Tesouro Nacional. Possibilidade de parcelamento. Vedado o uso de recursos do Fundo Partidário na medida em que o art. 44 da lei 9.096/95 prevê hipóteses taxativas de sua aplicação.

4. Negado provimento.

(Ag/Rg 63-80.2013.6.21.0000, Agravante: PMDB; Agravado: Justiça Eleitoral, julgado em 31 de janeiro de 2018, Relator: Des. Carlos Cini Marchionatti)

 

Com essas considerações, indefiro o pedido de parcelamento do débito por meio de descontos mensais dos futuros repasses das quotas do Fundo Partidário.

Por outro lado, considerando que o art. 59 da Resolução TSE n. 23.604/19 contemplou expressamente a hipótese de parcelamento e tendo em vista o valor significativo da quantia a ser adimplida, defiro, desde já, o parcelamento previsto no dispositivo em comento, que deverão ser atualizadas nos termos de tal regulamento parcelamento poderá ocorrer em até 60 (sessenta) meses, salvo se o valor da parcela ultrapassar o limite de 2% (dois por cento) do repasse mensal do Fundo Partidário, hipótese em que poderá estender-se por prazo superior, de modo que as parcelas não ultrapassem o referido limite.

À Secretaria de Auditoria Interno para que efetue o cálculo das parcelas mensais considerando os termos da Resolução TSE n. 23.604/19.

Após, à Secretaria Judiciária para que forneça as guias de pagamento sequencialmente, mediante comprovação de quitação da parcela anterior, advertindo-se o requerente de que deve retirar o documento independente de notificação ou aviso e efetuar o pagamento devido mensalmente, juntando aos autos comprovante.

 

Especificamente quanto às razões de reforma, consigno que o art. 1.030, inc. III, do CPC trata da hipótese específica dos recursos “sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça”, não se enquadrando na hipótese dos autos.

Assim, o fato de a Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI n. 6230 – e não ADI 3062, conforme consta da petição de agravo interno – ainda não ter sido julgada pelo STF, não tem o condão de acarretar a suspensão deste processo.

Além disso, o simples fato de um recurso especial, interposto em outro processo, estar pendente de julgamento perante o TSE não impõe o sobrestamento dos demais feitos em que o partido figure como parte, por total ausência de previsão legal nesse sentido.

Nesse ponto, vale o registro de que o parecer da Procuradoria Geral Eleitoral no RESPE n. 35-92 é no sentido do não conhecimento do recurso especial eleitoral interposto naqueles autos pela agremiação.

Ressalto que não prospera a tese de que a decisão agravada realizou aplicação retroativa do § 4º do art. 14 da Resolução n. 23.604/19 ao processo ao referir a impossibilidade de utilização do Fundo Partidário para recolhimento ao erário dos recursos recebidos de fonte vedada ou de origem não identificada.

No tocante à forma de devolução dos recursos, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é pacífica no sentido de que tal procedimento deverá ser feito com recursos próprios na hipótese dos autos. A propósito, confira-se os seguintes julgados do TSE: PC n. 9/DF, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 13.5.2014 e PC n. 947-02/DF, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 20.8.2014.

Como se vê, os argumentos trazidos no agravo interno não lançam nenhum outro elemento jurídico ou social que justifique a modificação da decisão.

Cumpre ter presente que, apesar de não ser tributo, o valor que a agremiação deve recolher ao Tesouro Nacional, por condenação judicial transitada em julgado, é receita pública, pois título executivo judicial que assegura o direito ao crédito cuja credora é a União. Exatamente por isso, a legislação infraconstitucional exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e dos arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18.

O equívoco argumentativo do agravante está em entender que as receitas públicas adviriam apenas do recolhimento de tributos.

Em realidade, ainda que a cobrança de tributos seja a maior fonte de recursos, as receitas públicas são compostas por diversas formas de captação, oriundas de contratos, de concessões públicas, sanções e, claro, nas hipóteses em que o Estado, excepcionalmente, interfere diretamente na atividade econômica desenvolvendo empresa.

Os valores devidos pela agremiação são receitas públicas, e eventual anistia passaria, necessariamente, pelo preenchimento dos citados requisitos legais para a renúncia de receita, sob pena de malferimento do princípio da moralidade administrativa.

Quanto à jurisprudência invocada, entendo que os pronunciamentos aludidos não possuem caráter vinculante como, também, não representam manifestação do Plenário do Tribunal Superior a respeito da questão constitucional. Dessa forma, tais julgados não têm o condão de retirar a força jurídica do entendimento pela inconstitucionalidade do dispositivo legal.

Portanto, considerando que a decisão está devidamente fundamentada nas razões acolhidas por este Tribunal, em 19.8.2019, no julgamento do incidente de inconstitucionalidade, nos autos do RE n. 35-92.2016.6.21.0005, de relatoria do eminente Des. Eleitoral Gerson Fischmann, que reconheceu a inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, merece ser desprovido o recurso.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do agravo interno.