REl - 0600255-55.2020.6.21.0052 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/12/2020 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual, dele conheço.

Mérito

Cuida-se de examinar se a inelegibilidade, pelo prazo de 8 (oito) anos, recai sobre a candidatura do recorrente JOSÉ ANTÔNIO CAETANO BRAGA, a teor dos seguintes dispositivos:

Constituição Federal:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

[...]

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Art. 1º. São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(...)

g - os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.

A norma, com a finalidade de proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato, tal como estabelecido pelo art. 14, § 9º, da CF, impede o acesso a cargo eletivo por aqueles que praticaram ato doloso de improbidade administrativa, reconhecido em decisão definitiva de rejeição das suas contas como gestor público.

Como os órgãos que julgam as contas do agente público apenas analisam o caráter financeiro e legal dos atos de gestão, sem apreciar eventual improbidade, cabe à Justiça Eleitoral apurar se os fatos, delimitados e reconhecidos na decisão de rejeição de contas pelo órgão de controle, configuram “irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade” apta a gerar a inelegibilidade do candidato.

Conforme precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, nem toda desaprovação de contas enseja a causa de inelegibilidade do art. 1º, inc. I, al. “g”, da LC n. 64/90, mas somente aquelas que preencherem, cumulativamente, (i) rejeição das contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas; (ii) decisão do órgão competente que seja irrecorrível no âmbito administrativo; (iii) desaprovação decorrente de (a) irregularidade insanável que configure (b) ato de improbidade administrativa, (c) praticado na modalidade dolosa; (iv) não exaurimento do prazo de oito anos contados da publicação da decisão; e (v) decisão não suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário (TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 67036, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação em 19.12.2019).

Dessa forma, o reconhecimento da condição é de competência da Justiça Eleitoral.

Não se trata de nova apreciação das contas do administrador público, já julgadas pelo órgão competente. Cabe, na realidade, à Justiça Eleitoral, a partir dos fundamentos empregados no julgamento das contas, verificar se os atos que levaram à desaprovação configuram irregularidade insanável decorrente de ato doloso de improbidade.

Na doutrina, Rodrigo López Zílio leciona, in verbis:

A tarefa de aferir se as contas rejeitadas, reputadas insanáveis, têm o condão de apresentar nota de improbidade, gerando restrição ao direito de elegibilidade do administrador público, é da própria Justiça Eleitoral, nos autos da AIRC ou RCED (se matéria de cunho superveniente). Portanto, é a Justiça Eleitoral quem, analisando a natureza das contas reprovadas, define se a rejeição apresenta cunho de irregularidade insanável, possuindo característica de nota de improbidade (agora, dolosa) e, assim, reconhece o impeditivo à capacidade eleitoral passiva. O julgador eleitoral deve necessariamente partir da conclusão da Corte administrativa sobre as contas apreciadas, para definir a existência da irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade, de modo a caracterizar inelegibilidade.

(Direito Eleitoral. 6ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2018, págs. 263-264.)

Na espécie, resta comprovado que o recorrente, na qualidade de Presidente da Câmara de Vereadores de São Luiz Gonzaga, teve contra si contas julgadas irregulares, referentes ao exercício financeiro de 2013, por meio do Processo n. 1636-02.00/13-0 do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul. Decisão irrecorrível transitada em julgado na data de 24.3.2017 (ID 9990783).

As contas foram julgadas irregulares, além de outras ilegalidades, em especial, porque o quadro de pessoal da referida câmara era composto somente por servidores que preenchiam cargos em comissão e servidores cedidos pelo Poder Executivo Municipal.

Ainda, verificou-se que o mesmo apontamento - ausência de quadro de servidores efetivos próprios - já havia sido objeto de análise em outros exercícios (2008, 2009, 2010 e 2011) sendo que, em todos esses exercícios, as decisões proferidas foram no sentido de que houvesse a regularização da referida situação e de que fosse alertado à origem sobre essa inconformidade. 

A sentença recorrida, após apreciação do caso, concluiu pela caracterização de ato doloso de improbidade, que atrai a incidência da inelegibilidade prevista na alínea “g”, nos seguintes termos (ID 9991733):

(...)

Decido.

Inicialmente, considerando que se trata de apenas de matéria de direito, entendo que as provas documentais são suficientes para o julgamento do feito, nos termos do art. 355, I, do CPC. Dessa forma dispenso a produção de provas orais e procedo ao julgamento antecipado do mérito.

O art. 1, I, alínea "g", da LC 64/90 estabelece que será inelegível para qualquer cargo aquele que tiver as contas relativas ao exercício de cargo ou função pública rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa e por decisão irrecorrível do órgão competente.

Cabe dar ênfase aqui às expressões "irregularidade insanável" e "ato doloso de improbidade administrativa".Ora, em relação à irregularidade insanável, José Jairo Gomes (2018, p. 285) destaca que a insanabilidade é um requisito trazido pela legislação eleitoral para que haja a configuração da inelegibilidade, dessa forma cabe a esta Justiça fazer a análise de cada caso concreto e enquadrá-lo como passível de inelegibilidade ou não.

No que tange à configuração de ato doloso de improbidade administrativa, o Tribunal Superior Eleitoral entende que, para que se configure hipótese de inelegibilidade prevista na alínea acima, é exigido apenas o dolo genérico ou eventual e não o dolo específico. Nesse sentido, o julgamento do Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 273-74, julgado em 07/02/2013:

(…)

O Tribunal Superior Eleitoral tem enfrentado a matéria em diversos casos concretos e fixado sua jurisprudência em alguns deles, enquadrando-os como situações de irregularidades insanáveis que configuram ato doloso de improbidade administrativa. Destaco aqui o julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 427-81, julgado em 28 de março de 2017.

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR (COLIGAÇÃO ALTO ALEGRE UNIDO PARA VOLTAR A CRESCER - PMDB/PTN/PSDC/PTC/PSDB/ PSD/SD). INDEFERIDO. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, G, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/1990. REJEIÇÃO DE CONTAS PELO TCE. DIRETOR FINANCEIRO. CÂMARA MUNICIPAL. CONTRATAÇÃO DE PESSOAL SEM CONCURSO PÚBLICO. IRREGULARIDADES GRAVES EM PROCESSOS LICITATÓRIOS. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONFIGURAÇÃO. OMISSÃO. AUSÊNCIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. AUSENTE PROVIMENTO JUDICIAL SUSPENSIVO. 

1. Não se configura a omissão quando o Tribunal de origem dirime as questões que lhe foram submetidas de forma fundamentada, apreciando integralmente a controvérsia.

2. A contratação de pessoal sem concurso público e o descumprimento da lei de licitações constituem irregularidades insanáveis que configuram ato doloso de improbidade administrativa, a atrair a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990. Precedentes.

3. Cabe à Justiça Eleitoral, rejeitadas as contas, proceder ao enquadramento das irregularidades como insanáveis ou não e verificar se constituem atos dolosos de improbidade administrativa, não lhe competindo, todavia, a análise do acerto ou desacerto da decisão da Corte de Contas. Precedentes.

4. A mera inclusão do nome do agente público na lista remetida à Justiça Eleitoral pelo Órgão de Contas, nos termos do § 5º do art. 11 da Lei nº 9.504/97, não gera, por si só, presunção de inelegibilidade e nem com base nela se pode afirmar ser elegível o candidato, por se tratar de procedimento meramente informativo. Precedentes.

5. Ir além do contido no acórdão recorrido, para buscar no julgamento das contas eventuais detalhes que supostamente possam afastar esta conclusão, implicaria o procedimento de reexame de fatos e provas, vedado nesta sede a teor do que dispõe a Súmula nº 24/TSE. Agravo regimental conhecido e não provido. (grifo nosso)

(TSE - RESPE: 42781 ALTO ALEGRE - RS, Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 28/03/2017, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 72, Data 11/04/2017, Página 37/38)

Há que se ressaltar que a decisão onde está presente irregularidade insanável deve ser irrecorrível e, para que se conheça a presente inelegibilidade, não é exigida prévia condenação do agente por improbidade administrativa ou a existência de ação em curso na Justiça Comum. (ZÍLIO, 2018, p. 285-286) 

Consoante registrado pelo Ministério Público Eleitoral, o impugnado teve as contas rejeitadas quando presidiu o legislativo no exercício de 2013 e, quando do julgamento pelo TCE (Documento ID nº 11507706), dentre outros apontamentos, teve a determinação para que o legislativo apresentasse, em 180 dias um planejamento de contratação de profissionais, por meio de concurso público, uma vez que, desde o exercício de 2008, havia sido determinado o mesmo para a Casa Legislativa, e não havia sido cumprido.

Insta ressaltar que o impugnado não tratou de apresentar nos autos que esta providência tenha sido tomada no prazo referido e, quando prestou explicações ao TCE, limitou-se a dizer que não foi possível chegar a um consenso na Casa acerca do quadro de servidores.

Por fim. em sua defesa, o impugnado alegou que, em que pese tivessem apontamentos referentes ao quadro de pessoal nos exercícios de 2008, 2009, 2010 e 2011, este, embora estivesse exercendo mandato desde o ano de 2005, não possuía conhecimento destes apontamentos, uma vez que isto cabe apenas à Mesa Diretora do Poder Legislativo.

Tal argumento não prospera, pois, como membro do Poder Legislativo (cargo que ocupou por diversos mandatos) presume-se que tinha e tem conhecimento de todo o funcionamento do órgão por ele integrado. De toda forma, o impugnado tomou ciência inequívoca da irregularidade após o julgamento das contas da sua gestão pelo TCE. Ainda assim, não adotou as providências para corrigir o vício, qual seja, determinar a abertura de concurso público no prazo apontado pela Corte de Contas.

Dessa forma, entendo que se trata de caso típico de rejeição de contas por irregularidade insanável, configurando, sim, ato doloso de improbidade administrativa, conforme previsto no Art. 1º, I, alínea "g", da LC 64/90.

Isso posto, julgo PROCEDENTE a presente impugnação, de maneira a INDEFERIR o registro de candidatura de Jose Antonio Caetano Braga, candidato a Vereador, sob o número 11607, pelo Progressistas - PP do município de São Luiz Gonzaga/RS.

 

O meu entendimento, adianto, vai contrário à sentença.

De início, observo que a norma não prescreve a existência de condenação específica por ato de improbidade administrativa, não sendo sequer necessário que tenha havido processo judicial objetivando tal condenação.

Pois bem.

Em relação ao primeiro requisito, contas rejeitadas por decisão irrecorrível do órgão competente, significa dizer ser necessário que a decisão tenha o caráter de irrecorrível, ou seja, tenha efetivamente transitado em julgado. E, a partir da data da decisão de rejeição de contas, devidamente transitada em julgado (ou seja, irrecorrível), é que inicia o prazo da inelegibilidade da alínea “g”.

No caso, a decisão transitou em julgado na data de 24.3.2017 (ID 9990783).

Condição preenchida, portanto.

Para além disso, não veio aos autos qualquer notícia de eventual suspensão ou anulação do decisum pelo Poder Judiciário.

Quanto ao órgão competente à apreciação das contas, a desaprovação pelo Tribunal de Contas do Estado é fato incontroverso.

Por oportuno, trago esclarecimento da doutrina eleitoralista:

Excetuados os Chefes do Poder Executivo, todos os demais administradores públicos, não importa a forma de investidura, têm suas contas julgadas pela respectiva Corte de Contas (art. 71, inciso II, da CF); se o julgamento refere-se a contas oriundas de verbas federais, a competência é do Tribunal de Contas da União (TSE – Recurso Ordinário n. 1329 – Rel. Min. José Geraldo Grossi – j. 24.10.2006); as demais, remanescentes, em regra, são de competência do Tribunal de Contas do Estado (TSE – Recurso Especial Eleitoral n. 23.345 – j. 24.09.2004 – Rel, Min. Caputo Bastos) e, nos locais em que existirem, dos municípios. (Grifos meus)

(Zilio, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 6ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2018, pág. 270)

É o caso dos autos, conforme os grifos pontuados: trata-se de contas relacionadas a cargo de vereador, cuja competência para julgamento recai ao tribunal de contas respectivo.

Por outro lado, o Tribunal Superior Eleitoral entende que nem toda rejeição de contas enseja a causa de inelegibilidade da alínea “g”. Cabe à Justiça Eleitoral verificar a presença de elementos mínimos que revelem má-fé, desvio de recursos públicos (em benefício próprio ou de terceiros), dano ao erário, reconhecimento de nota de improbidade, grave violação a princípios, dentre outros, isto é, circunstâncias que revelem a lesão dolosa ao patrimônio público ou o prejuízo à gestão da coisa pública.

Registre-se, ainda, que a análise do ato doloso de improbidade administrativa pela Justiça Eleitoral implica juízo em tese, pois não compete a esta Justiça Especializada o julgamento de ação de improbidade. 

Nesse cenário, sobressaem as peculiaridades das contas em questão. 

Cuida-se de contas de gestão da Câmara Municipal de um município de pequeno porte, considerando que São Luiz Gonzaga possui 34.556 habitantes, conforme os dados constantes do sítio oficial da prefeitura (https://www.saoluizgonzaga.rs.gov.br/site/conteudos/706-a-cidade).

Levando-se em conta a dimensão do município, bem como a atividade específica da casa legislativa, cuja demanda é pontual e restrita, despiciendo um quadro efetivo de servidores que demandaria um comprometimento de gastos de forma permanente. 

Isso, lógico, pautado na regularidade das contratações e na eficiência do serviço prestado pelos servidores provenientes de cargos comissionados e pelos concursados procedentes do Poder Executivo.

Visto isso, saliento que, para efeito de se analisar a caracterização da mácula apontada nas contas como irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, entendo tratar-se de falha sanável, decorrente da natureza do próprio apontamento.

Ao consignar a ausência de servidores do quadro efetivo do Poder Legislativo Municipal, também em outros exercícios - 2008 (Processo n. 7904-0200/08-0), 2009 (Processo n. 5012-0200/09-7), 2010 (Processo n. 2052-0200/10-6) e 2011 (Processo n. 0307-0200/11-9), o TCE indicou ser necessária a tomada de providências.

E, uma vez praticado tal ato, automaticamente o apontamento não mais subsistiria, inexistindo, ainda, prejuízo ao erário ou vantagem indevida a serem reparados. A Corte de Contas Estadual sinalizou um caminho a ser trilhado a partir de então, mais adequado e alinhado à legalidade. Assim que obedecido, a irregularidade estaria nítida e automaticamente sanada.

Não pode, portanto, ser considerada insanável, para fins do disposto no art. 1º, I, “g”, da LC n. 64/90, a manutenção de servidores contratados sem concurso público, visto que, uma vez criados os cargos e realizado o certame, a situação fática é revertida. 

Nesse rumo, de fato, o quadro de pessoal da Câmara Municipal de São Luiz Gonzaga é composto de 21 servidores, sendo, desses, 17 cargos comissionados e 4 cargos ocupados por servidores cedidos pelo Poder Executivo. Contudo, para que tal prática possa ser considerada ato doloso de improbidade administrativa, seriam necessários esclarecimentos bem mais aquilatados, inexistentes nos autos.

É dizer: consideradas as circunstâncias do caso concreto, a falha não pode ser considerada ato doloso de improbidade administrativa, pois, ainda que considerado o dolo genérico, como sedimentado pela jurisprudência do TSE, os autos carecem de elementos para que se possa afirmar a conduta como dolosamente ímproba.

Aqui, impõe-se estabelecer uma cisão conceitual importante, e também válida: nem toda ilegalidade configura improbidade. 

“A ilegalidade por si só não acarreta incidência da lei de improbidade, pois, segundo Fábio Medina Osório, somente os atos que, além de ilegais se mostrarem frutos de desonestidade ou inequívoca e intolerável incompetência do agente público, devem ser considerados configuradores de improbidade administrativa” (AI 354.430-PR, Rel. Min. Francisco Falcão, DJU 28.02.2001).

A interpretação da legislação eleitoral deve se orientar pelo objetivo de expungir da elegibilidade os que não apresentam idoneidade para o exercício de cargos eletivos, mas não se há de transformar esse critério em algo tão inflexível que leve à identificação de improbidades administrativas em condutas que sejam ilegais, desprovidas das notas de malícia.

Entendo, portanto, que, embora irregular, a prática elencada não configura ato doloso de improbidade administrativa, para os fins da LC n. 64/90.

Tal linha é seguida pelo STJ: 

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ILEGALIDADE EM PROCEDIMENTO DE INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NÃOCONFIGURADO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 

I. Recurso Especial manifestado contra acórdão que, por não vislumbrar a presença de dolo ou culpa na conduta dos réus, manteve sentença que julgou improcedente o pedido, em Ação Civil Pública, na qual o Ministério Público Federal postula a condenação dos agravados pela prática de ato de improbidade administrativa, consubstanciado na ilegalidade de procedimento de inexigibilidade de licitação para a contratação de serviço de avaliação de imóveis de propriedade do ora agravante. 

II. No caso, o agravante alega, em síntese, que "desde a origem, vem sustentando a desnecessidade de se perquirir acerca do elemento volitivo para a caracterização do ato improbidade, a atrair a aplicação da Lei 8.249/92, vez que, no seu entendimento, a lei respectiva, ao caracterizar como ato de improbidade a dispensa indevida da licitação, gera uma presunção absoluta de ilicitude da conduta" (fl. 3.167e). 

III. Em se tratando de improbidade administrativa, é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "a improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. 

Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10".

(STJ, AIA 30/AM, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, DJe de 28/09/2011.)

Em igual sentido: STJ, REsp 1.420.979/CE, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe de 10.10.2014; STJ, REsp 1.273.583/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Turma, DJe de 02.9.2014, dentre outros.

Ademais, como é notório, não basta a mera culpa, ou o error in procedendo, para a subsunção do fato à norma de regência, a qual exige a demonstração inequívoca do dolo; mais especificamente, ato doloso de improbidade administrativa.

Para além, ressalto que casos como o ora posto impõem à Justiça Eleitoral a análise de contextos probatórios não construídos nos lindes desta especializada, o que traz a tarefa adicional de compreensão contextual da seara técnica (Tribunais de Contas), sob pena de aquilatar demasiadamente as ilegalidades e, forma desavisada, configurá-las como ato doloso de improbidade administrativa para as exclusivas finalidades da Lei das Inelegibilidades.

A solução mais consentânea, nessa linha, passa pela observância dos diversos aspectos que tangenciam a administração dos recursos públicos, impondo sanções na medida das ilegalidades praticadas.

No caso, não vislumbro a presença de ato doloso de improbidade administrativa nas práticas apontadas pelo TCE/RS.

Em última análise, diante da prática do ato, não foi possível identificar a presença do elemento volitivo de improbidade, sequer sob sua forma genérica.

No mesmo sentido que ora estou a propor, trago aresto de julgado deste Tribunal, da lavra da ilustríssima Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez, do qual me sirvo como um dos fundamentos para a presente decisão:

Recurso. Registro de candidatura. Impugnação. Cargo de vice-prefeito. Inelegibilidade. Art. 1º, inc. I, alíneas “e” e “g”, da Lei Complementar n. 64/90. Eleições 2016.

Irresignação ministerial contra decisão que deferiu a candidatura do recorrente, afastando a incidência das causas de inelegibilidade previstas no art. 1º, inc. I, alíneas “e” e “g”, da Lei Complementar n. 64/90.

[...]

2) Inelegibilidade da alínea “g”, inc. I, art. 1º da LC n. 64/90. Rejeição das contas em razão de irregularidade insanável, pela Câmara de Vereadores do município, via Decreto Legislativo, após parecer prévio do Tribunal de Contas do Estado. Não vislumbrada, todavia, a presença de ato doloso de improbidade administrativa nas práticas ilegais, apontadas pelo Tribunal de Contas e cometido pelo recorrido enquanto prefeito em 2009.

Reconhecida a prática de atos de gestão em desconformidade com a legislação, porém ausente o elemento volitivo de improbidade, nem sequer sob sua forma genérica.

Para que o ato ilegal configure improbidade, mister seja ele fruto de desonestidade ou inequívoca e intolerável incompetência do agente público, o que não evidenciado. Inelegibilidade afastada.

Sentença confirmada. Registro deferido.

Provimento negado.

(TRE/RS – RE 121-19 – Rel. Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez – Rel. Drª MARIA DE LOURDES GALVAO BRACCINI DE GONZALEZ – J. Sessão de 9.9.2016)

 

As circunstâncias deste caso autorizam, como visto, a conclusão de que não se fazem presentes todos os requisitos para a incidência da norma das inelegibilidades. 

Portanto, dentro de todo esse contexto, não se fazendo presentes todos os requisitos à incidência da norma, a reforma da sentença é medida que se impõe.

Dispositivo

Pelo exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para reformar a sentença recorrida, ao efeito de julgar improcedente a impugnação do órgão ministerial e deferir o registro de candidatura de JOSÉ ANTONIO CAETANO BRAGA, para o cargo de vereador, nas eleições de 2020, no Município de São Luiz Gonzaga, nos termos da fundamentação.